Piracicaba (SP) - Fernanda Gottardi tem duas “vidas” há alguns anos. Uma é como investidora. Após deixar a carreira de 10 anos na PwC em 2012, passou a atuar como “anjo” em startups de tecnologia, junto a alguns parceiros. Até que, em 2019, estruturou e fundou em 2019 uma empresa de Venture Capital, a GR8 Ventures.,

A outra é como produtora rural. De família com origem no agro, a executiva, natural de Araçatuba (SP), herdou do pai uma propriedade e acabou vivendo a fundo esse novo negócio.

Hoje, as duas Fernandas se completam. Ao lado dos parceiros, agora sócios, a GR8 acumula R$ 20 milhões investidos ao longo dos anos e busca trazer mais agtechs para seu portfólio.

E a empresa rural, depois de superar alguns dilemas, lhe dá uma nova perspectiva nesse segmento e passa por um momento de crescimento.

“Não queria vender [a fazenda] pois era algo da minha família há anos”, disse Fernanda sobre a primeira decisão da produtora: vender ou arrendar a propriedade herdada?

“Ao mesmo tempo, se arrendasse eu não estava preparada para gerir a propriedade depois”, contou ao AgFeed durante o evento AgTech Meeting, realizado pelo hub AgTech Garage, em Piracicaba, no interior de São Paulo.

Com a experiência de consultora, ela decidiu, então, fazer o estudo de caso para entender a vocação da propriedade.

A proximidade de 4 quilômetros de uma unidade da Raízen ajudou a clarear as ideias, e a propriedade passou a fornecer cana para a empresa. “Fui ralar e sujar a botina, e vi a importância de gestão profissional e técnica, com tecnologia chegando no campo”.

A propriedade prosperou, e depois de ganhar prêmios de produtividade, a outra parte da carreira passou a exigir mais tempo de Fernanda. Ela celebrou um contrato de parceria agrícola com a Raízen. Ao mesmo tempo, não queria perder essa vivência no agro.

Dois anos atrás, comprou uma propriedade também degradada em Botucatu, que “nem tinha cerca no terreno”. O projeto agora será focado na integração lavoura-pecuária.

Essa junção de expertises tem se refletido no portfólio da GR8, que também há dois anos passou a investir em startups de tecnologia para o agro.

No portfólio atual da empresa, que reúne 35 investidores além dos sócios, são 16 startups ativas. Dentre elas, estão, por enquanto, três agtechs. “Como sou produtora, minha peneira sempre foi mais seletiva”, afirmou a sócia da GR8.

O capital da empresa está presente hoje na Dioxd, na Doroth e na Beleaf. A primeira desenvolve uma tecnolgia de aplicação de um composto de gases em sementes, com a intenção de aumentar a produtividade. A segunda é focada em biológicos e a terceira é uma footech que atua com tecnologia plant-based.

As duas primeiras foram coinvestidas pela GR8 Ventures com a Agroven, clube de investimentos formado por uma rede de empresários e famílias do agronegócio, do qual Fernanda Gottardi também faz parte.

Para o futuro do portfólio, o olhar para agtechs passa por três temas, segundo Fernanda. O primeiro olhar é em empresas que tragam alguma solução de armazenamento e rastreabilidade.

“Queremos olhar a rastreabilidade além do grão, a própria armazenagem em si. Essa é uma grande dor no agro brasileiro”, comenta.

Além disso, a companhia está de olho em soluções de biotecnologia. Segundo a sócia, muito desse tipo de conhecimento ainda está concentrado em pessoas vindas da academia e que, por isso, têm uma dificuldade maior na transição para o mundo dos negócios.

Por fim, a GR8 Ventures olha para soluções que atuem na parte de negociação e de tradings. “É uma dor que tem sido deixada de lado e vejo espaço para plataformas de apoio à decisão”, acrescenta.

A criação da GR8 Ventures

Fernanda saiu de Araçatuba ainda jovem para fazer faculdade em São Paulo. Depois de formada em administração de empresas pela FGV, atuou na PwC.

Nos seus últimos cinco anos de empresa, atuou como diretora de mercados para a América do Sul. “Liderei uma série de iniciativas estratégicas regionais e participei de fóruns globais”. Em meados de 2010, pouco antes de sair, começou a ouvir muito sobre investimento anjo.

Somado a isso, sua percepção de que o Brasil é um país de oportunidades acabou moldando o que Fernanda faria alguns anos depois. Ela encerrou sua passagem pela PwC e mergulhou nesse universo.

Conheceu a Anjos do Brasil, que na época, era ocupada em “uma mesa de cinco lugares”, e conversou com pessoas mais experientes deste mercado. Foi aí que, junto com Paulo Mendes e Artur Regen, montou um grupo para investir em startups de tecnologia.

“Já começamos com essa tese de olhar muito e investir pouco. Quando resolvemos investir, arregaçamos as mãos junto com os empreendedores”, disse. Ao longo dos anos seguintes, investiu em empresas junto com diversos fundos do mercado.

Foi então, em 2019, que eles perceberam que o perfil das investidas e o tamanho dos cheques teriam de aumentar. Eles oficializaram a criação da GR8 Ventures, e chamaram a advogada especializada em tecnologia, Natalie Witte, para se juntar aos associados.

A tese de investimento é agnóstica e os aportes sempre acontecem nos estágios iniciais (early stage) das startups, desde pre-seed até a Série A. O foco, segundo a executiva, é no chamado smart money, ou seja, além do cheque ajudar a empresa a se desenvolver com conhecimento passado pelos investidores.

“Não somos nem um clube nem um fundo e os quatro sócios também investem nos projetos. Vemos essa flexibilidade de não ter um fundo pois no early stage é tudo mais incerto. Com isso, não ficamos presos aos períodos de investimento e desinvestimento”, completa Fernanda.