Já faz mais de um ano que a Rural, firma criada pelos ex-XP Fernando Rodrigues e André Amorim, deixou de ser uma companhia de venture capital e passou a atuar como um ecossistema envolvendo tecnologia, investimentos, startups, produtores e grandes empresas do setor agro.

Nesta quarta-feira, 26 de novembro, enquanto realiza o Rural Day, evento que acontece no Cubo Itaú, em São Paulo (SP) e mobiliza executivos, investidores e empresas em torno dessa nova fase, a companhia aproveita para anunciar um outro movimento na mesma linha: a migração do Rural Summit, o outro evento anual da empresa, para Piracicaba (SP).

A midança é orquestrada em parceria com o Pecege, em um gesto que diz muito sobre onde tanto a Rural quanto a tradicional instituição de ensino, pesquisa e inovação com sede na cidade, enxergam o futuro do agro tecnológico.

A decisão tem a ver com espaço, mas não só. Depois de dois anos em Ribeirão Preto (SP), sempre embalado pelo movimento da semana da Agrishow, o Summit cresceu mais do que os limites práticos da cidade permitiam, segundo a visão dos organizadores.

A edição de 2025 lotou completamente o Dabi Business Park e a combinação de hotéis cheios, trânsito intenso, agendas simultâneas e custos inflados pela realização da Agrishow ba cidade acendeu o alerta de que era necessário uma alternativa.

Ao mesmo tempo, Piracicaba passa por uma inflexão, com o Pecege assumindo a gestão do Parque Tecnológico local e, somado a isso, a governança do Corredor de Inovação Agropecuária de São Paulo.

“Foi uma surpresa boa conhecer o Daniel (Sonoda). Logo percebemos uma sinergia forte, um propósito comum de fazer a rede trabalhar junta e gerar benefício para todo mundo”, conta Fernando Rodrigues, CEO da Rural, ao AgFeed.

O encontro entre Rodrigues e o CEO do Pecege não veio por acaso. Sonoda já atuava como consultor técnico da Rural e o avanço da instituição sobre o ecossistema de inovação paulista, fortalecendo parques tecnológicos, aproximando universidades e articulando startups, criou o cenário ideal para conectar a empresa ao interior.

Com a nova gestão do Parque Tecnológico de Piracicaba, o Pecege passa a administrar um eixo que reúne USP/Esalq, FOB/Unicamp, Embrapa, Fatec, Fumep e Instituto Federal num mesmo território.

“Piracicaba é o único município que tem USP e Unicamp. Some isso à Embrapa e a toda base de pesquisa agro do estado e você tem um ecossistema único”, afirma Sonoda.

Ele admite que o AgTech Valley, visto como o pólo mais promissor de inovação agrícola do país, perdeu tração nos últimos anos. Agora, com o Corredor Agro formalizado e o Pecege assumindo a coordenação, a engrenagem pode voltar a girar.

Segundo a última edição do Radar Agtech Brasil, o estado de São Paulo concentra mais de 40% das agtechs do Brasil e a maioria delas está justamente nas regiões conectadas pelo corredor: Piracicaba, Campinas, São Carlos, Ribeirão Preto e São José dos Campos.

Na visão de Sonoda, esses atores funcionam, contudo, de forma isolada, sem uma articulação institucional capaz de transformar pesquisa em tecnologia aplicada e tecnologia em negócio.

“Falamos muito em ecossistema, mas cada um fica na sua bolha. A articulação é difícil. Nosso papel é fazer com que agentes conversem, que startups encontrem investidores, que universidades encontrem demanda real”, diz Sonoda.

A entrada da Rural fecha essa conta. Isso porque a empresa nasceu como uma estrutura de crédito, evoluiu para plataforma de tecnologia e dados e agora tenta costurar os elos entre pesquisa, capital e mercado.

A estratégia é reforçada pelo próprio movimento físico da empresa, que foi atraindo profissionais de diferentes regiões para ampliar a presença nos rincões do País.

Em Piracicaba, Ricardo Campo, ex-líder do Pulse Hub, espaço para inovação recentemente extinto pela Raízen, reforçou a área de consultoria da Rural. Antes dele, a companhia trouxe Paulo Ozaki, agrônomo e ex-superintendente do Agrihub, de Cuiabá, para liderar o Rural Labs, focado na validação de tecnologias, com atuação no estado do Mato Grosso.

Somado a isso, novos sócios de fora de São Paulo ingressaram na casa, como Fábio de Rezende Barbosa, do grupo NovAmérica, com sede em Tarumã, no interior paulista, e José Américo Basso Amaral, da Sementes Jotabasso, de Rondonópolis (MT).

“Temos interesse em estar no interior e perto da demanda. O Daniel já era consultor nosso na parte tech, o Ricardo Campo fez a ponte que aproximou as conversas, e a partir daí tudo fez sentido”, diz Rodrigues.

A próxima edição do Rural Summit está marcada para o dia 21 de maio, algumas semanas após a Agrishow do ano que vem, e será o primeiro grande teste desta nova fase.

A edição ganhará um dia inteiro de programação, que ainda contará com o Agrimatching, a “competição” entre startups promovida pela Rural, acontecendo na véspera.

Segundo Rodrigues, o evento contará com painéis sobre investimento, cenário macroeconômico, projeções de commodities, regulação e perspectivas de adoção digital pelo produtor, um tema sensível num momento de margens apertadas.

O evento adiciona mais uma data no calendário do Parque Tecnológico de Piracicaba, que já possui o encontro anual promovido pelo PwC AgTech Innovation, antigo AgTech Garage. A ideia, segundo Rodrigues e Sonoda, não é criar uma competição, e sim trazer mais força ao ecossistema.

“Não queremos ser donos de nada. Queremos que o mercado cresça. Todo mundo fala de um grande mercado de tecnologia no agro, mas hoje esse mercado consumidor ainda não existe. Ele só vai existir quando a rede propagar tecnologia e isso chegar na ponta”, afirma Rodrigues, que citou que a Rural quer atuar como uma espécie de “orquestradora”.

Sonoda complementa dizendo que a PwC e a Rural possuem pontos de intersecção no fomento às agtechs, mas em estruturas e velocidades diferentes.

“Não é concorrência. Há mercados em que a Rural vai operar com mais sucesso e outros em que a PwC vai operar melhor. Tem espaço para todo mundo”, diz o CEO do Pecege.

A ideia é colocar Piracicaba novamente no centro de uma aspiração que parece ter se perdido. O evento do ano que vem ainda carrega um aspecto simbólico: acontecerá em meio à comemoração de 10 anos da fundação do AgTech Valley, ou Vale de Piracicaba, que nasceu formalmente em maio de 2016.

Resumo

  • Rural leva o Rural Summit para Piracicaba em 2026, em parceria com o Pecege, num movimento para reativar o AgTech Valley e integrar startups, universidades e investidores
  • Decisão marca a saída de Ribeirão Preto após o evento ultrapassar a capacidade local, enquanto Piracicaba vive nova fase com o Pecege à frente do Parque Tecnológico e da articulação do Corredor Agro.