Se o nome Tritordeum não lhe diz nada, você não está sozinho. Esse grão com parentesco com trigo e cevada é ainda pouco conhecido, mas tem despertado a atenção de produtores e investidores na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia e na Oceania.
Suas características têm sido testadas – e com bons resultados – pela indústria da panificação e, mais recentemente, pela de cervejas e até de rações. Afinal, ele foi inventado para atender exatamente às necessidades dos fabricantes desses produtos, com a vantagem de poder ser cultivado em locais em que os insumos tradicionais não prosperam.
O Tritordeum é propriedade de uma empresa espanhola, a Vivagran. A startup possui ainda em seu portfólio outro cereal, ainda conhecido pela sigla DDRR, resultado do cruzamento entre uma espécie de grama de trigo selvagem e o centeio.
“Temos de procurar um nome comercial, porque estamos ainda chamando pelo seu genoma”, afirma ao AgFeed o fundador e CEO da Vivagran, Etienne Vassiladis, falando sobre seu mais novo produto.
A estrela da companhia ainda é mesmo o Tritordeum, um produto com história mais longa e que está há dez anos no mercado, embora a Vivagran tenha sido criada há menos de três.
Ele começou a ser desenvolvido há cerca de quatro décadas pelo pesquisador Antonio Martin. Como parte de um projeto de doutorado na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, ele fez várias viagens à Patagônia, no Chile e na Argentina, onde buscava espécies selvagens de cevada para cruzamento com variedades de trigo.
O objetivo de Martin era chegar a um grão que combinasse a robustez da cevada ao rendimento do trigo. Ele e sua equipe fecharam o foco em uma espécie de cevada nativa da América do Sul, a Hordeum chilense, e a cruzaram com variedades de trigo duro (Triticum turgidum) de bancos de sementes da Espanha e no Norte da África, para chegar aos primeiros exemplares de Tritordeum.
Ao longo de cerca de 40 anos, os cientistas investiram em um programa de melhoramento do novo grão até chegar, em 2014, a um produto com potencial comercial.
O problema é que, antes de chamar a atenção do mercado, a empresa criada por Martin e seus colegas, a Agrasys, quebrou em 2020. Vassiladis, que fazia parte da equipe, acreditava tanto no potencial do Tritordeum que decidiu investir nele.
“Não é todo dia que você se depara com uma nova cultura de cereal. É único no setor agroalimentar mundial”, afirma. Ele juntou-se ao colega Wiro Nillesen e adquiriu os ativos da empresa. No início de 2022, eles criaram a Vivagran.
A estratégia, então, foi apresentar o Tritordeum a diferentes cadeias agroindustriais. O primeiro mercado foi o da panificação. Substituindo o trigo, ele passou a ser adotado em produtos premium por empresas da Espanha, Itália, França, Holanda, Bégica e Luxemburgo.
Mais recentemente, eles decidiram apostar na produção de maltes a partir do grão e a mirar fabricantes de cervejas em parceria com uma maltaria alemã.
“Temos alguns projetos em andamento, ainda não comerciais, para a produção de ração. E entramos também no mercado australiano após uma série de testes com um parceiro acadêmico, na Universidade de Sydney”.
Hoje o Tritordeum é produzido em propriedades na Espanha, Grécia, Itália e na Austrália. Segundo Vassiladis, são áreas que permitem à empresa apresentar com clareza os atributos agronômicos do grão e sua adaptabilidade ao clima mais quente e seco.
“Vimos desde os primeiros dias do programa de melhoramento que o Tritordeum era muito resistente a doenças, especialmente ferrugem e septoria, e não exigia tanta água”, conta.
“Ele herdou isso da cevada selvagem e porque nosso programa foi realizado no sul da Espanha, em um ambiente onde a seca e o calor já estão presentes há muito tempo”.
Menos água
De acordo com estudos feitos pela Vivagran, o consumo de água na produção do Tritordeum é entre 15% a 20% menor que o do cultivo de variedades modernas de trigo ou cevada, por exemplo.
Vassiladis pondera que esses estudos foram feitos em condições controladas, porque em campo é mais difícil dimensionar exatamente o consumo hídrico.
Mas o que ele considera mais relevante é o que chamou de “memória hídrica” do seu grão. Segundo ele, em uma pesquisa realizada com uma instituição de Portugal durante dois anos foi verificado que a planta “lembra” do estresse sofrido quando atravessa um episódio de seca.
“Assim, ela será capaz de se adaptar a um segundo episódio” afirma. “Fizemos todos os tipos de análises sobre a fotossíntese, sobre como a planta se comporta numa seca forçada que induzimos basicamente não aplicando água na cultura”, diz. O estudo está agora em revisão para a publicação.
Além disso, ele festeja o relato dos agricultores que já cultivam o Tritordeum em áreas mais marginais, secas, onde geralmente o trigo ou a cevada não obtiveram bons rendimentos. Segundo ele, o novo grão saiu-se bem e permitiu que os agricultores obtivessem renda nesses terrenos.
“Vemos isso na Espanha, na Grécia, e no sul da Itália”, garante. “Eles estão produzindo o grão com base em algumas variedades que enviamos há alguns anos. E agora estamos examinando novas variedades que desenvolvemos, que têm melhor desempenho do que as comerciais que temos hoje”.
Segundo Vassiladis, essas variedades comerciais, em certas condições, ainda não conseguem competir, em rendimento, com as duas culturas tradicionais, mas com os desenvolvimentos mais recentes têm se aproximado delas.
“O potencial do Tritordeum é ser tão competitivo quanto o trigo duro ou a cevada nas regiões onde será cultivado”, afirma.
Brasil fora do mapa
O Brasil, por enquanto, não está no mapa da empresa. O empreendedor afirma que, há alguns anos, chegou a procurar empresas de alimentos no País, mas elas não demonstraram interesse nos seus grãos, porque não havia oferta local disponível e seria muito caro enviá-los da Europa.
Para o cultivo por aqui, seria necessário encontrar, em um primeiro momento, “parceiros de criação ou talvez parceiros acadêmicos”, que ajudassem a testar a cultura nas condições locais. É o que foi feito na Austrália e o que está sendo feito, atualmente, nos Estados Unidos.
Embora parte da origem do Tritordeum esteja na América do Sul, nem mesmo Chile e Argentina constam dos planos no momento. Em território chileno, conta, chegou a haver testes em conjunto com um parceiro, que não avançou para um modelo comercial.
“Portanto, sabemos que o Tritordeum pode ser cultivado no Chile, testamos em diferentes condições. Mas se não houver interesse comercial no final da linha, não faz sentido para nós”, diz.
“Estamos nos concentrando mais nas regiões onde temos pessoas que podem nos ajudar a estabelecer uma cadeia de valor desde a semente até o alimento”.
Produtos feitos a partir do Tritordeum hoje são posicionados nas faixas de preços mais altos de suas categorias. Isso em função do custo do grão que, dependendo da região, fica de 2,5 a 3 vezes mais alto que o equivalente em trigo, por exemplo.
Ainda assim, de acordo com Vassiladis, algumas empresas e grupos de consumidores têm percebido o valor do produto, o que tem permitido à empresa fomentar alguns mercados na Europa.
Para ele, “O valor está nos atributos de sustentabilidade para os agricultores e sobre nutrição para os consumidores”.
Ele sabe, entretanto, que se pretende crescer em volume precisa reajustar seu posicionamento de preço. Isso, acredita, será feito com mais eficiência nas cadeias de suprimentos e, sobretudo, com desenvolvimento de variedades mais produtivas.
“Nossa ideia não é ficar como uma cultura de nicho”, afirma.
Tritordeum no tanque
Crescer em volumes é essencial também para abrir outra avenida que é vista com especial interesse pela Vivagran. A empresa já realiza estudos, junto a empresas de melhoramento genético, para dotar seus grãos com uma capacidade maior de geração de biomassa para a produção de biocombustíveis.
Segundo Vassiladis, tanto o Tritordeum quanto seu outro grão, o DDRR, já possuem características positivas nesse sentido, sobretudo o segundo.
“Já temos evidências de que as forragens produzidas por esses dois cereais são muito bons para a produção de biogás. Então, estamos trabalhando nisso, definitivamente, porque, para os biocombustíveis, a escala tem que ser muito maior”, diz.
As pesquisas nessa área estão em fase inicial e não devem resultar em algo comercial em um prazo curto. O mesmo vale para outro mercado atraente em termos de volumes, que é o de rações.
Ganhar musculatura pode ser um caminho para despertar a atenção de gigantes da biotecnologia para seus grãos. Vassiladis acredita que, quando seus volumes aumentarem, sua empresa estará no radar de gigantes, não apenas pelo mercado que seus grãos, mas pelo conhecimento que acumulou como “criador” de novas culturas agrícols.
“Não conheço nenhuma outra empresa que desenvolveu o cereal do zero e o lançou no mercado. Conheço empresas que trabalham com variedades especiais de trigo ou variedades especiais de cevada e as empurram com uma marca por trás”, diz.
“Acho que isso tem um valor e talvez, ao longo do caminho, um parceiro que possa estar no início da cadeia de valor ou talvez no final dessa cadeia possa ver um benefício nisso. Porque também o que nos torna únicos é que somos exclusivos em nossas colheitas”.
Um teste para entender o quanto isso já é valorizado no mercado está na rodada de captação do tipo Seed que a empresa abriu há algumas semanas. O objetivo é levantar US$ 2 milhões, em um cenário mais conservador, segundo define.
Com esses recursos, a ideia é consolidar os trabalhos que estão sendo feitos na Europa e na Austrália. Mas se o interesse de investidores for grande e os valores subirem para algo acima de US$ 5 milhões, aí o voo para os EUA seria antecipado.
“Só para entrar nos EUA, eu acho, poderíamos facilmente gastar essa quantia de dinheiro, se quisermos fazê-lo a sério”, avaliaa.
“Então, talvez a melçhor abordagem seja a de dois estágios, com a Seed agora e, em cerca de 3 ou 4 anos, levantando US$ 10 milhões para entrar nos EUA corretamente. Temos um plano para isso e algumas pessoas interessadas”.
Até o momento, o máximo de aportes externos que a Vivagran recebeu foi um investimento pré-seed de US$ 100 mil de um programa de aceleração coordenado pelo AgFunder e pela GoGrow, de Cingapura.
Mais do que o dinheiro, entretanto, o programa ofereceu à startup a chance de ser mais conhecida globalmente. “Entramos nisso realmente para ter mais exposição e atrair possivelmente alguns investidores”, diz o empreendedor.
No momento, diz, a procura de dinheiro é seletiva. “Estamos à procura de alguém que possa realmente trazer algo para o negócio idealmente um corporate venture capital ou talvez alguns de nossos clientes”.
“Já somos uma empresa livre de dívidas, lucrativa. Somos uma pequena empresa, mas estamos fazendo muitas coisas com o dinheiro que podemos gerar”.