Não é novidade para ninguém que as empresas de máquinas agrícolas têm enfrentado dificuldades no mercado. Com produtores menos capitalizados, os investimentos em maquinário arrefeceram pelo menos de 2023 para cá.
Apesar disso, gigantes do setor têm apostado em complementar seus serviços com novas iniciativas tecnológicas. Uma delas foi a AGCO, dona das marcas Valtra, Fendt e Massey Ferguson, que recentemente investiu US$ 2 bilhões para criar a PTx Trimble, uma joint venture (JV) entre a companhia e a área de agricultura digital da Trimble.
Passada a criação da nova empresa, que foi anunciada em setembro do ano passado mas oficializada em abril deste ano, o foco do negócio agora está em ampliar o mercado no Brasil para outras culturas.
Segundo afirmou ao AgFeed José Bueno, diretor de vendas da PTx Trimble para a América Latina, a entrada da AGCO no negócio permite uma expansão antes mais difícil para os negócios.
Bueno explica que antes da criação da JV, um dos desafios da área de agricultura digital da Trimble era justamente olhar para nichos de mercado diferentes. A chegada da AGCO, que atua vendendo máquinas em culturas variadas, abre caminho, agora, para o desenvolvimento de novas soluções mais nichadas, afirma.
Algumas dessas soluções já eram comercializadas pela Trimble em outros países da América Latina. Dono de 60% do mercado na região, o Brasil, entretanto, concentrava vendas para produtores de grãos, cana e no setor florestal.
Em outros países do continente, conta Bueno, a Trimble atua de forma mais forte no setor de hortifruti. “No México a produção de berries é grande, por conta da demanda de exportação para os EUA”, explica.
O desafio para os próximos meses no Brasil é operar nesse tipo de cultura também por aqui. “O desenvolvimento dessa rede é uma prioridade nossa para o futuro. Vemos oportunidades em culturas específicas em áreas menores, como por exemplo cenoura, cebola e alho. São culturas de alta rentabilidade”, conta.
A rede de distribuição, com concessionárias das marcas da AGCO, pode capilarizar a tecnologia da PTx Trimble, acredita o diretor.
“Vejo a criação dessa JV como um gol de placa, pois fazia sentido para as duas empresas. A Trimble precisava de alguém com DNA mais agrícola e a AGCO precisava de alguém com know-how em tech e referência no mercado”, afirma José Bueno.
Todos os produtores e empresas que eram clientes da divisão agrícola da Trimble agora são clientes da PTx Trimble. Ao mesmo tempo, as outras áreas de atuação da companhia, que possui tecnologias de posicionamento, modelagem, conectividade e análise de dados, seguem com a empresa mãe.
Em 2023, a operação global da Trimble faturou US$ 3,7 bilhões, uma pequena alta de 3% frente ao ano de 2022. A divisão de agricultura somou um faturamento de US$ 508 milhões desse total no ano passado.
Bueno está há 12 anos na Trimble. Ele conta que, desde 2012, atua desenvolvendo o mercado da América Latina para a empresa. Nos primeiros anos, o foco estava nas operações brasileira e argentina, mas atualmente a empresa possui equipes em outros países. “Hoje, toda parte comercial ‘do México para baixo’ está sob minha responsabilidade”.
Em sua carreira, o executivo passou quase 4 anos na CNH, onde atuou no desenvolvimento da área de agricultura e construção de precisão da empresa em toda a América Latina. “Tive a experiência de entender onde dói no produtor”, conta.
Antes de entrar na Trimble, passou alguns meses na Husqvarna. Segundo ele, a experiência, mesmo curta, serviu para ele aprender sobre uma rede de distribuição diferente e sobre o mercado de máquinas leves.
Novo nome e máquinas usadas
No acordo que criou a JV, a AGCO adquiriu uma participação majoritária de 85% na PTx Trimble, enquanto a Trimble mantém uma participação de 15%.
Na ocasião do anúncio, as empresas divulgaram uma nota em que afirmaram que a expectativa é de que a JV tenha uma receita combinada de US$ 2 bilhões neste ano.
Além de contar com toda parte agrícola da Trimble, o negócio aglutina todas as iniciativas da AGCO relacionadas à agricultura de precisão e tecnologias de máquinas autônomas da companhia. Dentre elas, estão a Precision Plant e a JCA Technologies.
“Esta transação histórica cria uma joint venture que se torna o principal negócio de agricultura de precisão de frota mista do mundo e acelera a transformação estratégica da AGCO”, disse Eric Hansotia, presidente do conselho e CEO da AGCO, em setembro passado.
O “PTx” que compõe o nome da nova empresa, é uma sigla onde o “P” se refere à agricultura de precisão (precision agriculture, em inglês), “T” significa tecnologia avançada e o “X” remete ao símbolo de multiplicação.
Por mais que a PTx Trimble seja uma empresa da AGCO, as tecnologias desenvolvidas não ficarão restritas às aplicações apenas nas marcas de tratores da casa e na venda nas concessionárias próprias.
“Podemos implementar nossos equipamentos em um trator da Case, New Holland ou John Deere. Essa é a estratégia principal de atuar com o retrofit. Você abre o leque para todo produtor que busca tecnologia”, afirma Bueno.
Segundo ele, da mesma forma que um aparelho celular fica naturalmente defasado após quatro ou cinco anos de uso, um ciclo de uma máquina agrícola pode durar entre sete e 10 anos.
A ideia é utilizar as tecnologias da empresa para atualizar uma ou duas tecnologias da máquina. “Geralmente atualizamos hardwares e os deixamos mais precisos no processamento, para que ele consiga coletar mais dados e seja mais autônomo”, comenta.
Em entrevista recente ao AgFeed, Luís Felli, vice-presidente sênior da AGCO e head global da Massey Ferguson, pontuou que essa estratégia digital chegou na empresa há pelo menos três anos.
Antes de formar a PTx Trimble, a empresa comprou a Precision Planting em 2017 e a Appareo em 2021. Segundo Felli, a AGCO definiu que “o agricultor precisa estar no centro de tudo o que é feito, para todas as marcas”.
“Vamos levar essa tecnologia da PTx Trimble através de retrofit, como já se faz com a Precision Planting. Temos grande capilaridade no mercado de retrofit de máquinas usadas”, destacou.
A estratégia consiste em instalar as tecnologias de agricultura de precisão nas máquinas que já estão no campo, em uso, mesmo aquelas produzidas por montadoras concorrentes. “Nenhuma outra empresa faz isso, vamos acelerar a adoção”.
Felli diz que um dos objetivos é oferecer tecnologias que permitam o uso mais racional de defensivos e fertilizantes. A empresa conta com três produtos de “weed seeker”, que pulveriza somente a planta daninha, identificando onde não é necessário aplicar pesticidas.
Já o desenvolvimento de máquinas autônomas visa reduzir o custo com mão de obra. E outra prioridade, segundo Felli, é o incentivo a práticas que melhorem a saúde do solo, como o plantio direto, o que reduz a emissão de nitrato e nitrito, que são “exponenciais na comparação com o CO2”.