Menos de dois meses depois da Aerofarms, empresa americana pioneira do setor de agricultura vertical, entrar com um pedido de concordata no famoso capítulo 11 do código de falências dos Estados Unidos, outra gigante do setor tomou o mesmo caminho.

A AppHarvest, que produz hortaliças em ambientes controlados com o auxílio de robôs e sensores e já chegou a ser avaliada em US$ 3,5 bilhões, foi à justiça americana buscar proteção legal para se manter operando.

A empresa informou que tem dinheiro suficiente para manter seus negócios funcionando normalmente por 60 dias em suas unidades de produção.

Seria o prazo, segundo afirmou o diretor de comunicação da empresa, Travis Parman, ao AgFunder News – veículo de comunicação do AgFunder, fundo de venture capital com foco em agtechs que é acionista da Appharvest – para a empresa buscar compradores para suas fazendas, que juntas somam 20 mil metros quadrados.

Em comunicado oficial, o CEO da AppHarvest, Tony Martin, que havia assumido o posto há menos de um mês, afirmou que o capítulo 11 consegue fornecer a proteção necessária para a empresa passar pela transição do plano estratégico.

Equivalente ao recurso da concordata na lei brasileira, o capítulo 11 da lei americana permite ao devedor manter todos seus ativos, se opor às demandas de seus credores, adiar os prazos de seus pagamentos e até reduzir unilateralmente sua dívida.

Nas suas quatro instalações, a empresa cultiva tomates, folhas verdes, pepinos e morangos. A AppHarvest já vinha enfrentando problemas operacionais há algum tempo. Nos dois últimos anos, por exemplo, teve um problema que muitos diziam não fazer parte do cenário das fazendas indoor.

Infestações de pragas danificaram parte de seus tomates e morangos nas instalações de Kentucky em 2021 e no ano passado. Em abril, a presença de bactérias a forçou a suspender as operações em uma de suas estufas

Essa situação complicada também se reflete nas ações da AppHarvest, que se tornou pública no começo de 2021. Desde sua máxima, também em 2021, a ação já recua mais de 98%, e é negociada atualmente por volta de US$ 0,09. Quando abriu o capital, a ideia da empresa era operar até 12 instalações de cultivo interno até 2025.

A abertura de capital da AppHarvest e algumas outras empresas do setor foi feita com regras mais flexíveis, no modelo de SPAC - sigla para special-purpose acquisition companies -, que permite a apresentação de projeções de negócios sem o mesmo rigor na apresentação de dados às autoridades regulatórias de mercado.

Falta dinheiro e a fonte secou. No final de 2022, a empresa informou aos investidores que estava ficando sem caixa. Já em maio deste ano, disse em um documento regulatório que poderia ficar sem dinheiro até outubro “na ausência de fontes adicionais de financiamento”.

Em seu Linkedin, Henry Gordon-Smith, CEO da Agritecture, consultoria especializada em agtechs compartilhou uma notícia sobre a concordata da AppHarvest e destacou que a confiança dos investidores está oscilando.

Ele cita que as companhias não estão apresentando resultados “tangíveis” e nem indicando uma mudança no cenário financeiro do setor.

“Os principais impulsionadores do setor – mudanças climáticas e a necessidade de uma agricultura sustentável - persistem. É crucial que as empresas agrícolas verticais equilibrem pesquisa e desenvolvimento, eficiência operacional e viabilidade financeira adotando fontes de energia sustentáveis”, destacou Gordon-Smith, em sua rede social.

A AppHarvest registrou um prejuízo líquido de US$ 176,6 milhões em 2022. Em 2021, o prejuízo foi de US$ 166,2 milhões.

Com essa sucessão de problemas, o financiamento para o setor praticamente secou. Segundo números do AgFunder, essa indústria arrecadou um recorde de US$ 895 milhões no primeiro trimestre do ano passado. Até agora, em 2023, o valor é de cerca de US$ 10 milhões.

Cena repetida

Ao pedir concordata, no início de junho, a pioneira Aerofarms listou entre US$ 50 milhões e US$ 100 milhões em passivos em uma petição arquivada no estado de Delaware, conhecido por funcionar como uma espécie de “paraíso fiscal” dentro dos Estados Unidos, em virtude dos benefícios fiscais oferecidos às empresas.

Além disso, a empresa comunicou, na época, que havia firmado um acordo com um grupo de investidores, que concordaram em fornecer US$ 10 milhões em financiamento do esquema DIP.

O movimento é semelhante ao que a Americanas fez com seus sócios majoritários. Essa modalidade é exclusiva para empresas que estão em recuperação judicial e tem como objetivo não deixar o "dia a dia" da empresa prejudicado.

Por meio desse financiamento, há uma injeção de dinheiro para que a operação da empresa não fique comprometida Ainda nessa modalidade, os credores contam com a prioridade na fila de pagamentos em caso de uma eventual falência.