Enquanto muitos desaceleravam, Mariana Caetano passou a virada do ano e o início de 2024 com agenda cheia. E sem reclamar. “Tem muita demanda, gente querendo fazer reunião em momentos que, em outros anos, já não se encontrava ninguém”, contou ao AgFeed.
Fundadora, sócia e CEO da Salva, climatech focada em projetos de adaptação climática para empresas e mensuração de emissões e sequestro de carbono, a empreendedora sabe que não tem tempo a perder.
A empresa e seu mercado, afinal, vivem um momento especial. Criada em 2022, como uma spin-off da Santos Lab, do empresário Gabriel Klabin (outro sócio da startup), a Salva já vem operando em silêncio (e com clientes herdados da companhia que lhe deu origem), mas Mariana considera 2024 como o ano de sua estreia oficial de mercado.
Entre os segredos do negócio estão soluções que vão desde mapear impactos do clima nos próximos 100 anos nos maiores grupos de fazendas do País até medir emissões de carbono em pequenas propriedades.
“Estamos negociando projetos que podem mudar toda a nossa história, trazendo um crescimento de mais de 10 vezes”, diz. “Agora é como se estivéssemos indo para o mercado”.
Segundo ela, 2023 foi um “ano de validação e de automatização dos algoritmos” desenvolvidos pelo time de cientistas e programadores da startup. “Abrimos mão de receita, apesar de termos grandes parceiros, para que pudéssemos nos estruturar em áreas como a comercial”.
Assim, mesmo no período pré-comercial a Salva já tem números e projetos para apresentar. Segundo Mariana, a empresa já utilizou seus sistemas no monitoramento de 2,3 milhões de hectares, tem contratos em andamento para elaborar diagnósticos para mais de 1,8 mil fazendas e clientes em nove diferentes culturas agrícolas, mensurando emissões de carbono em lavouras tão distintas quanto soja, cacau e café.
“Apenas uma negociação em curso com uma trading envolve um projeto com 14 mil clientes”, afirma ela. “São volumes grandes, que nos permitem escalar rapidamente a empresa”.
A expectativa de aceleração dos negócios cria, no entanto, uma preocupação temporária: o descasamento entre as necessidades operacionais imediatas e receitas que devem vir apenas um pouco mais para a frente.
Por isso, outro compromisso que tem preenchido o tempo de Mariana é a organização de uma rodada de captação do tipo “anjo”, com objetivo de buscar cerca de R$ 5 milhões, que deve ser aberta ainda em janeiro.
Até agora, a Salva tem sobrevivido com recursos próprios dos sócios e de alguns poucos investidores mais próximos. Mas a CEO acredita que haverá necessidade de uma injeção de dinheiro no curto prazo para a estruturação de novas equipes.
“Os contratos devem ser suficientes para darmos um salto rápido, mas há um descasamento entre o seu início e o recebimento no caixa”, afirma.
Criada à sombra do cafezal
Mariana Caetano é uma empreendedora de primeira viagem, mas com vasta experiência em várias frentes do agronegócio. “Nasci embaixo de um pé de café”, brinca, referindo-se à origem da família em Araguari, no Triângulo Mineiro, onde seu pai foi presidente de associação de produtores, fundador da cooperativa local e até um dos criadores da denominação “Café do Cerrado”.
Formada em Comércio Exterior e Letras, ela começou sua vida profissional na Syngenta, atuou em programas de rastreabilidade de algodão, até que o café a chamou de volta.
Durante cerca de 15 anos, ela esteve em posições de liderança na Guima Café, empresa da família Pentagna Guimarães, do banco BMG, onde chegou a ser diretora agrícola. “Foi uma experiência supervaliosa, com bastante autonomia para transformar a fazenda, tanto nos aspectos produtivos quanto ambientais e sociais”, conta.
Segundo Mariana, embora bastante profissional e tecnificada, a propriedade da Guima Café enfrentava sucessivas frustrações de safra. “Comecei a questionar que algumas variedades não deveriam ser mais plantadas, pois não sobreviviam”, diz.
A partir desses questionamentos – para os quais nem sempre obtinha respostas – ela deu início a mudanças no modelo produtivo da empresa, adotando novas variedades e técnicas de agricultura regenerativa, que adequassem os cafezais a um cenário de clima mais extremo.
A Guima foi uma das pioneiras nessas áreas, tendo feito parceria com a Nespresso e obtido a primeira certificação Regenagri na cultura do café.
O próximo passo de Mariana foi enveredar pelo mundo do venture capital. Ao deixar a Guima Cafés, foi convidada a integrar o time do fundo KPTL, um dos mais ativos no ecossistema agtech brasileiro, onde ficou por um ano e meio.
“Aí me deu uma vontade de pôr a mão na massa e de criar um negócio que estimulasse o produtor a fazer uma transição para a agricultura de baixo carbono, com incentivos que fossem além do óbvio”, diz.
Foi então que se juntou a Gabriel Klabin, que na Santos Lab foi um dos pioneiros no desenvolvimento de soluções para uso de drones em várias indústrias, inclusive no agro.
“Durante anos ele contratou dezenas de pesquisadores, sempre estudando como otimizar produtividade. Gerou muito conhecimento, mas não tinha produto”, afirma Mariana.
Em novembro de 2022, os dois estruturaram a Salva, com foco em transformar a inteligência que havia dentro de casa em soluções com foco na adequação de propriedades às mudanças climáticas e no mercado de carbono.
Dados para a narrativa ESG
A empresa, assim, não nasceu do zero. Já havia pesquisas em andamento, projetos pilotos com bancos e seguradoras e até clientes em andamento, que seguiram no ano passado, juntamente com o desenvolvimento dos produtos.
Hoje, na vitrine que será aberta ao mercado, há três frentes principais. Na área de clima e adaptação, a Salva oferece mensuração de impactos de eventos climáticos extremos. Um dos primeiros cases já desenvolvidos foi a modelagem desses impactos para os próximos 100 anos nas propriedades da SLC Agrícola, uma das maiores empresas de produção agrícola do País.
“Nos relatórios, apontamos, entre outras coisas, como eles podem se adaptar ao aumento de temperaturas, a importância de cobertura vegetal e quanto isso impacta na prevenção de quebras de produtividade” diz Mariana.
A solução, explica, pode ser usada para avaliar probabilidade de estiagem em determinadas área, regiões ou município, ajudando até mesmo na formulação de políticas públicas e ou no planejamento das empresas, através da previsão de riscos.
Na outra frente, de carbono, Mariana já sente interesse grande na solução que oferece elaboração de inventários de emissões de gases de efeito estufa para a agricultura. “Já tem movimento de grandes empresas, com alguns grandes projetos para começar”, afirma.
No início do mês, por exemplo, ela esteve na Coocacer Araguari, em que seu pai atuou, para a divulgação do primeiro relatório de emissões dentro da metodologia GHG Protocol por uma cooperativa brasileira.
“Nossa solução tropicaliza esse protocolo, trazendo isso pra realidade brasileira”, diz. Juntamente com o relatório, a Salva entrega sugestões de ações para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, até o ponto de o balanço entre carbono emitido e sequestrado pela propriedade se tornar positivo para o produtor.
Mariana cita o caso do trabalho feito ao grupo Sierentz, com propriedades em vários estados brasileiros. Em uma delas, no Pará, após a primeira medição de emissões, a estratégia de produção foi alterada e, no segundo ano de manejo, a soja colhida já era rotulada como carbono neutro.
“Agora, no terceiro ano, faremos uma nova análise, com coleta de dados no local, e eles podem virar removedores de carbono, após se tornarem neutros em soja e pecuária, inclusive com auditoria externa”, relata a executiva.
O principal benefício esperado pela Salva é gerar condições de que os extratos sobre o balanço de carbono permitam, em um futuro breve, que os produtores obtenham acesso a crédito mais barato junto a bancos e outras instituições.
Nesse sentido, a Salva aposta também na comercialização de um serviço para emissão de laudos socioambientais certificados. “Diferentemente de várias outras empresas, que buscam alguns dados e dão informações para o produtor, a gente faz uma análise completa do CAR (Cadastro Ambiental Rural)”, diz Mariana.
Segundo ela, esse trabalho, totalmente automatizado pela plataforma da Salva, consegue antecipar ao produtor as ações necessárias para a regularização de uma propriedade e para atender as exigências na tomada de crédito.
“A partir dele, bancos e empresas podem trabalhar oferecendo produtos para esse produtor fazer a recuperação, como crédito e suporte”, avalia. Além disso, a ferramenta tem inteligência para “filtrar” propriedades que tenham eligibilidade a programas de carbono.
A plataforma da Salva utiliza dados obtidos em bancos públicos, e proprietários, fazendo um cruzamento de informações sobre solos, mapas de áreas de preservação e hidrológicos, entre outros.
“Hoje, consultorias ambientais, empresas que originam carbono, tradings, ainda fazem muita coisa na mão. A ideia é que sejamos geradores da inteligência para eles”, afirma.
“Tem muita gente grande com compromisso assumido no papel, mas com muita narrativa e poucos dados. A gente quer é justamente ajudar essas empresas a rechear essa narrativa com dados reais, dando credibilidade para métricas”.