Estima-se que a agricultura e a indústria da alimentação, somadas, sejam responsáveis por mais de 15% do PIB global. No Brasil, correspondem a mais de um quarto das riquezas produzidas. Assim, é surpreendente ver como o capital de risco parece, contraditoriamente, fugir dos riscos naturais de uma atividade tão antiga quanto importante.

O novo levantamento anual sobre investimentos em agtechs e foodtechs realizado pelo AgFunder, fundo americano conhecido como referência em dados nessa área, mostra que apenas 5,5% dos recursos investidos em capital de risco em todo o mundo foram voltados para o segmento.

O volume total dos investimentos em empresas de agtech e foodtech ficou em US$ 16 bilhões no ano passado, quase 50% abaixo dos US$ 31 bilhões de 2022. É o valor mais baixo dos últimos seis anos.

O estudo registrou um total de 2183 transações em 2023, mais de 30% abaixo dos 1940 deals realizados em 2022.

Por um lado, esse menor interesse reflete o mau humor do mercado com investimentos de risco. Segundo o AgFunder, olhando o mercado de venture capital como um todo, a redução dos aportes ficou em 35%.

No segmento agrifoodtech, porém, o que pode ter desestimulado ainda mais os investidores foi o desempenho de algumas apostas feitas em anos anteriores, sobretudo nos segmentos de proteínas alternativas e agricultura indoor.

Assim, proporcionalmente, o pedaço da pizza que cabe às agtechs ficou menor. Era de 7,6% do total em 2021, baixou para 6,7% em 2022 e recuou ainda mais para os atuais 5,5%.

"Algumas áreas, como foodtech e proteína alternativa, não estão vendo quase nenhum interesse do investidor, por mais atraente que seja a oportunidade", avaliou Rob Leclerc, sócio fundador do AgFunder.

Segundo ele, reflexo desse desinteresse aparece nas avaliações das startups do segmento. Hoje, companhias que já foram badaladas, como a Beyond Meat, uma das pioneiras no mercado de plant based, tem sido negociada na Nasdaq a um valor de mercado que corresponde à sua receita anual, bem abaixo dos valuations de três a cinco vezes que são correntes em empresas de bens de consumo.

"Agora, até mesmo uma avaliação de US$ 15 milhões para uma startup Seed/Série A de bom desempenho pode parecer rica", escreveu Leclerc em um paper recente para investidores.

O relatório do AgFunder identifica, porém, duas áreas dentro do segmento em que houve avaliações positivas. Uma delas é a de startups upstream – como são chamadas aquelas que atuam dentro das fazendas ou na produção de alimentos – que recebeu 62% dos investimentos, contra 51% em 2022 e 30% em 2021.

Segundo o AgFunder, “Isso é importante porque o upstream tende a incluir os setores inovadores na luta contra as mudançass climáticas, as doenças metabólicas, a insegurança alimentar e as desigualdades no sistema agroalimentar”.

Outro destaque foi o crescimento do investimento na categoria de bioenergia e biomateriais, que reccebeu 20% mais aportes que no ano anterior, atingindo US$ 3 bilhões em 177 transações.

Por outro lado, um dado que também destoa do tamanho do mercado envolvido é a participação do Brasil entre os destinos do investimento. Embora seja um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo, o País não aparece entre os dez que receberam capital de risco voltado para agtechs e food techs.

Os Estados Unidos lideram a lista, com US$ 5,4 bilhões (58% a menos que em 2022), seguidos de Reino Unido e China. A Espanha, com US$ 683 milhões, foi o país que apresentou maior crescimento: 348%.