A startup argentina ZoomAgri, que utiliza IA para digitalizar processos de inspeção e certificação de commodities agrícolas, tem seu futuro muito bem traçado. Segundo seu co-fundador, Fernando Martínez, a empresa quer fazer do Brasil seu principal mercado nos próximos anos.

Hoje, o País é responsável por menos de 5% das receitas da agtech, mas segundo o executivo, deve passar de 50% em poucos anos. Como? Entrando no mercado da soja e do milho.

A startup desenvolveu uma solução que envolve um scanner de hardware com inteligência artificial e visão computacional.

O produto da empresa, que parece uma impressora, abriga uma placa onde são colocados os grãos. A tampa da estrutura é fechada e aí um computador, ligado ao produto, analisa em menos de um minuto os grãos colocados e gera um relatório preciso sobre a amostra.

Atualmente, a ZoomAgri possui um banco de dados de imagens com mais de 250 milhões de imagens individuais alimentando seus algoritmos.

A empresa nasceu, segundo Martínez, na cultura da cevada, e posteriormente foi para o trigo, em que começou sua trajetória no Brasil há alguns anos. São vinte clientes comerciais localizados ou no Sul do País ou no Cerrado.

Nos próximos meses, Martínez revelou que a empresa vai passar a vender a solução também para a soja no País. “Entendemos o Brasil como o mercado com maior potencial para nós no futuro, principalmente pelo tamanho do mercado de soja e milho. Não só isso, como a questão logística e o clima tropical, que, em muitas vezes, traz muitas chuvas e temperaturas elevadas, compromete a qualidade final da mercadoria”, afirmou ao AgFeed.

Nos últimos meses, a ZoomAgri esteve validando o produto com alguns possíveis clientes locais. Segundo Martinez, o processo envolveu um dos maiores produtores de soja do País e uma das maiores tradings do mundo.

A startup acumula uma cartela de clientes de peso até hoje e em seu site cita a Bunge, Cargill, ADM, Viterra, Cofco, LDC e ABInBev. São 25 países que geram receita para a agtech, que possui escritórios na Argentina, Brasil (em Londrina), Austrália e Espanha. São 80 funcionários globalmente, sendo cinco no Brasil. Há um ano, era apenas um.

Martinez estima que o Brasil possua mais de 8 mil pontos de recebimento de grãos fora das porteiras. “É possível colocar nossos equipamentos em cada um desses pontos, ajudando na classificação dos grãos”.

Na soja, a ideia é criar uma espécie de impressão digital para cada grão, identificando as variedades e qualidade de cada oleaginosa.

“Com uma foto podemos identificar algo que só poderia ser feito via laboratório. Podemos dizer se uma soja é da GDM, Bayer ou Syngenta, por exemplo. Isso também ajuda a reconhecer a propriedade intelectual das companhias de sementes”.

Por outro lado, essa verificação pode ajudar o produtor a receber uma semente de qualidade.

No milho, a empresa ainda está em processo de testes por aqui, mas o co-fundador vê uma boa avenida de crescimento também por esse grão. Segundo ele, a alta de produção do etanol de milho no País, que demanda um milho de qualidade diferenciada, vai impulsionar a cultura por aqui, o que abre mercado para a ZoomAgri.

Os principais mercados da ZoomAgri são a Argentina, Austrália e França, e as culturas que compõem o mix de receita se concentram em cevada (40%), trigo (40%), soja (15%) e o restante se divide em outros grãos.

Com a aceleração no mercado brasileiro, Martinez espera um faturamento global de US$ 4 milhões neste ano, o que, segundo ele, traria um avanço de 60% frente ao arrecadado no ano passado.

A estratégia de expansão acontece depois de a empresa levantar US$ 6 milhões, algo em torno de R$ 30 milhões, em uma rodada de captação feita em junho do ano passado.

Na época, a gigante australiana GrainCorp liderou a rodada junto com a GrainInnovate. Além delas, a agtech recebeu dinheiro de uma parceria de capital de risco entre a Grains Research Development Corporation (GRDC) e a empresa de investimentos Artesian. A SP Ventures também reinvestiu na companhia.

Com isso, o financiamento total chegou próximo aos US$ 11 milhões desde a fundação da empresa.

Fernando Martinez não vislumbra uma nova rodada tão cedo: “Estamos bem capitalizados, e nesse mundo das startups, cuidar do próprio caixa é importante”. A última rodada também serviu para a empresa ampliar seu mercado na América do Norte.

Martinez afirmou que a empresa já opera no Canadá, atendendo duas grandes tradings no país. Nos EUA, está para iniciar dois projetos pilotos com uma grande cooperativa e com um moinho.

Fernando Martínez, Jaap Rommelaar e Matías Micheloud co-fundadores da ZoomAgri

Reduzindo riscos da cadeia de suprimentos

A Zoomagri foi fundada por Martinez e mais dois sócios: o também argentino Matías Micheloud e o holandês Jaap Rommelaar.
Martinez e Rommelaar trabalharam juntos por muitos anos na Nidera, trading de grãos que posteriormente foi comprada pela Cofco. Na época, atuavam principalmente com farelo e óleo de soja. “Trabalhei com originação e exportação de grãos”, explica Martinez.

Depois de alguns anos, os amigos conheceram Matías Micheloud, um engenheiro que empreendia no setor de energia eólica. Com a startup de Micheloud indo mal por conta do avanço dos painéis solares, ele começou a pesquisar como ajudar cadeias do agro com tecnologia.

Ele percebeu que havia muita análise de qualidade sendo feita de forma visual e passou a pensar como automatizar esses processos. Os três pensaram juntos e, após conversarem com alguns conhecidos do setor, a ideia da ZoomAgri surgiu.

No meio das movimentações envolvendo a compra da Nidera, onde Martinez atuava, e da Noble pela Cofco, ele decidiu sair da empresa e buscar investidores para colocar a startup de pé. “Conhecemos os players do mercado e também os problemas, isso nos permite crescer rápido”, afirmou.

A empresa nasceu atendendo produtores de cevada, mas quando a Argentina aprovou o cultivo de trigo transgênico no país em meados de 2020, a ZoomAgri viu uma oportunidade de atuar de forma forte na cultura.

“O pioneirismo argentino gerou oportunidades de um lado e dificuldades de outro. O trigo estava aprovado no país, mas não no resto do mundo, o que trouxe um risco de os produtos serem rejeitados ao chegar nos portos. Eram milhões de dólares em mercadoria em risco”, conta.

Com isso, a ZoomAgri desenvolveu uma tecnologia para diferenciar o trigo transgênico do tradicional. Segundo Martínez, a tecnologia da empresa está presente em todos os portos argentinos.

“Todo trigo que sai da Argentina é analisado pela nossa tecnologia, inclusive o que chega no Brasil”, finaliza.