Ainda no primeiro semestre deste ano, pecuaristas e usinas de etanol brasileiros testarão um novo modelo de comercialização de seus produtos baseado em moedas digitais.

Desenvolvidas pelas agfintechs argentinas Agrotoken e pela Pectoken (do mesmo grupo da Agrotoken), essas moedas – ou “tokens”, no jargão do universo dos criptoativos – terão valor equivalente a uma arroba de boi (base índice Esalq SP) ou um litro de etanol (base Paulínia), respectivamente, e poderão ser utilizadas como dinheiro real dentro de um ecossistema de transações em formação pela startup.

“Devemos realizar os pilotos nos próximos meses e, se tudo correr bem, no segundo semestre estarão ativas”. afirmou Anderson Nacaxe, diretor da Agrotoken no Brasil, ao AgFeed.

A empresa é uma das pioneiras no processo de “tokenização” de commodities agrícolas e tem realizado alguns feitos inéditos nesse mercado desde que lançou, no ano passado, a soya, primeira criptomoeda lastreada na produção de soja do mundo.

Apenas este ano, por exemplo, a Agrotoken anunciou uma parceria com a Visa para dar liquidez aos tokens, transformando-os em créditos que permitem ao produtor comprar produtos e serviços como se fossem reais.

Da mesma forma, a empresa criou com o Banco CNH Industrial, do mesmo grupo das marcas Case IH e New Holland, um modelo para a aquisição de máquinas agrícolas com tokens – a primeira transação foi anunciada em fevereiro, durante a feira Show Rural Coopavel, em Cascavel (PR), com a compra de um trator da marca por um agricultor goiano.

Outro movimento inédito, anunciado na semana passada durante a Agrishow, foi o token para grão futuro, ou seja, na comercialização no mercado futuro. Até agora, as moedas digitais da empresa estavam baseadas em produtos (soja, milho e trigo) comercializados no mercado à vista.

A nova modalidade, porém, permite que o agricultor transforme em criptoativos uma safra futura, recebendo antecipadamente em sua carteira digital.

Os valores são definidos a partir das cotações para Sorriso (MT), no caso da soja, e Campinas (SP), no milho. “Temos de usar uma única base como lastro”, afirma Nacaxe. “Assim, normalizamos questões geográficas e temporais”

Diferentemente de boa parte das criptomoedas, que nem sempre são lastreadas em ativos reais e cujos modelos são complexos e propícios a especulação, a Agrotoken desenvolveu um sistema que facilita a compreensão do produtor rural.

“É mais fácil o produtor entender do que convencer as pessoas da cidade a aceitar vender seus produtos em soja”, afirma Nacaxe. “O princípio básico é que por trás de qualquer token tem soja real e o valor dessa soja é sempre maior ou igual ao valor do token”.

Somente o produtor rural pode emitir tokens na plataforma da Agrotoken, a partir de informações reais e verificadas de sua produção.

O papel da empresa, então, é gerir um ecossistema que verifique o risco, ateste o valor e dê liquidez às moedas nela geradas, permitindo que elas sejam trocadas por produtos ou serviços.

De certa forma, o processo pode ser visto como a digitalização do barter, operação em que produtores rurais trocam sua produção por insumos, máquinas e até veículos e que são realizadas com frequência nas principais regiões produtoras.

A diferença, segundo Nacaxe, é que, com o token, o produtor tem mais liberdade para utilizar os recursos levantados.

“Com uma única CPR [cédula do produtor rural, título que representa uma promessa de entrega de um produto agropecuário], ele consegue negociar com múltiplos credores, dando muito mais liquidez para ele”, diz.

A empresa que aceita os tokens em troca de seus produtos também tem a vantagem de não precisar analisar, individualmente, o risco do produtor, como acontece no barter.

“Como o token representa uma CPR, já chega com risco e preço normalizados, a análise mitigada”, explica. “A empresa pode carregar esse crédito até o final e ficar com juros ou pode liquidar a qualquer momento junto a Agrotoken”.

Ecossistema alinhado

O ecossistema das criptomoedas agrícolas criado pela startup envolve quatro peças principais: o produtor, compradores de commodities, fornecedores de produtos e serviços e bancos.

A Agrotoken coordena o ecossistema e gera os tokens, mas são compradores e bancos quem garantem o valor das moedas. Todo o processo é verificado e garantido por tecnologia blockchain.

Na nova operação para gerar tokens de grão futuro, por exemplo, o produtor solicita a tokenização de sua próxima safra e apresenta um comprador de grão, que pode estar pré-cadastrado na plataforma ou então se registrar, atendendo aos padrões mínimos de risco estabelecidos pela Agrotoken.

“Fazemos a tokenização a partir de CPRs. Se o produtor quer liquidez, temos que trazer bancos ou provedores de crédito”, explica Nacaxe. “Aí ele pode transacionar com os fornecedores, usando os recursos obtidos”.

O maior desafio do sistema, segundo Necaxa, tem sido atrair empresas que aceitem comercializar seus produtos com tokens, como foi o caso da CNH.

Neste caso, a proximidade ajudou. As duas empresas ocupam posições próximas no Cubo, hub de inovação do Itaú em São Paulo. Ali foram inciadas as conversas que resultaram no modelo de comercialização de tratores usando as moedas digitais.

Anderson Nacaxe, diretor da Agrotoken no Brasil

A parceria com a Visa ajudou a solucionar, em parte, a limitação desse uso. Com ela, foi possível viabilizar o uso de cartões de crédito “carregados” com tokens, mas que entregam reais para o lojista.

‘Assim é possível pagar um café com o valor equivalente em soja”, diz Nacaxe. “Como estamos conectados no sistema do cartão, fazemos a liquidez do pagamento”.

Para as empresas que aceitam negociar diretamente na moeda digital, a Agrotoken oferece um modelo semelhante ao pix, a emissão de boletos em tokens ou a cobrança em soja ou milho na carteira digital.

Ainda no primeiro ano de operação, a Agrotoken exibe taxas exuberantes de crescimento, o que é normal para empresas que saíram do zero.

“Estamos recebendo 300 novos contatos por semanas”, diz Nacaxe. “São tantos produtores procurando que estamos dando uma freada para garantir que operações sejam muito bem feitas no começo e para deixar o sistema firme para o produtor poder achar onde gastar”.

Critpos do agro

Com cerca de mil agricultores cadastrados em sua plataforma e 200 parceiros que aceitam suas moedas, a Agrotoken afirma já ter transacionado mais de 100 mil tokens, o que corresponde a cerca de 200 mil toneladas de grãos. A expectativa para este ano é atingir a marca 1 milhão de toneladas.

A empresa não está sozinha no mercado de criptomoedas do agro. Iniciativas semelhantes, mas com modelos específicos, têm surgido em várias frentes.

A fabricante de feritilizantes Cibra, por exemplo, lançou no ano passado a Cibracoin, moeda digital voltada exclusivamente para a compra e venda de seus produtos. A cooperativa Minasul também já colocou no mercado a Coffee Coin, cujo valor de face equivale a 1 quilo de café verde no padrão commoditizado.

Todas têm registrado aumento de interesse de investidores, inclusive pessoas físicas. Na Cibracoin, que opera através de uma exchange (empresa especializada na comercialização de criptoativos), já é possível o acesso de pessoas físicas interessadas na compra para investimento.

Na Agrotoken, porém, essa é uma conversa para o futuro. “Estamos trabalhando de perto com reguladores e em contatos com exchanges para garantir que, em algum momento, qualquer um possa participar”, diz Necaxa.

A preocupação é com a imagem do mercado de criptomoedas, muitas vezes associados a especulação e golpes financeiros. “Não queremos que nossas moedas sejam vistas como especulação, mas como um serviço de utilidade vinculada à comercialização de produtos agrícolas”.

“O mercado secundário está no final da nossa jornada, só para quando o modelo estiver bem robusto”, completa.

Com os pés no chão, a empresa espera ganhar robustez e validar seu modelos com número maior de operações. Então, partir para o mercado em uma rodada de captação de série A.

Até o momento, a Agrotoken já recebeu aportes de uma série de investidores, entre eles a gestora paulista Barn, em uma captação preliminar, que deve chegar a US$ 10 milhões.