Ariel Scaliter, fundador e CTO da startup Agrotoken, não economiza na ambição. “No ano que vem, seremos a maior companhia de tokenização de ativos naturais do mundo”, disse, em entrevista ao AgFeed.

E justificou: “Porque não tem um mercado maior de commodities e de recursos naturais que o Brasil”, afirmou o empreendedor.

Argentino, como a própria startup, ele tem se empenhado em falar português, idioma que já dominante nos negócios da Agrotoken. “O nosso mercado está aqui, mais de 80% da nossa receita está no Brasil”.

Foi aqui que a empresa obteve seus grandes feitos de 2023 e é daqui que pretende ver decolar seu principal plano para o próximo ano, aquele que permite a Scaliter sonhar com um salto para o topo do ranking global no seu segmento de negócios.

Próxima à marca de 1 milhão de toneladas de grãos “tokenizadas” – ou seja, transformadas em ativos financeiros digitais –, a Agrotoken deve lançar em 2024 um produto para incluir nesses ativos dados sobre o processo produtivo desses grãos.

Assim, além de ter um valor monetário, as criptomoedas emitidas pela empresa poderiam funcionar como certificados de sustentabilidade, oferecendo rastreabilidade dos lotes tokenizados.

“Criamos um produto que permite tokenizar os certificados de sustentabilidade, acompanhar o estoque de commodities e classificá-los por seu grau de sustentabilidade”, explica Scaliter.

“E também permite transferir esses certificados e fracioná-los para criar uma cadeia de valor e para que qualquer pessoa que esteja autorizada possa fazer a verificação da origem desse produto”.

“O modelo que a gente estabeleceu é como uma certidão de nascimento daquele token”, completa Anderson Nacaxe, diretor da Agrotoken no Brasil.

Ele conta que essa funcionalidade não estava incluída nos planos iniciais da empresa, mas foi “descoberta” pelos seus desenvolvedores e incorporada como uma possível nova frente de negócios e receita.

“Percebemos que, dentro da técnica que a gente já usa, poderíamos incorporar outras informações, como as boas práticas produtivas e ambientais, e que isso traria um diferencial grande. Passamos a ser um veículo para que essa informação se perpetue dentro da cadeia para que produtor seja reconhecido por seus parceiros”.

Da mesma forma como as operações que transformam ativos agrícolas – cada tonelada de soja, milho ou trigo, por exemplo, vira uma unidade de um agrotoken – são garantidas pela tecnologia de blockchain, esse mesmo sistema daria fidelidade às informações de sustentabilidade.

Nacaxe projeta, por exemplo, o uso dessas informações por bancos na verificação de exigências socioambientais em linhas de crédito verde para o produtor.

“A gente entende que o token é um grande padronizador para o mercado, consegue ser um veículo para informações diferenciadas. Bastaria ao banco exigir tokens que já tragam essa característica”, diz.

“Nosso produto não só ajuda o exportador ou a revenda a comercializar melhor o grão, mas também dá uma ferramenta simples para que o produtor possa monetizar o esforço de sustentabilidade”, acrescenta Scaliter.

A Agrotoken acredita que essa nova funcionalidade pode ser comercializada como um produto à parte ou como um atributo adicional de tokens criados como ativos financeiros.

A empresa tem, dentro da sua estratégia, a ambição de ampliar a área de atuação, abrindo oportunidades para ampliar receitas com diferentes serviços, além da tokenização de grãos, seu negócio principal.

Sócio estratégico

Nesse sentido, o ano de 2023 foi pródigo. Uma adas principais conquistas do ano foi o sucesso de uma rodada de captação feita junto a investidores, que trouxe aos cofres da empresa um valor estimado em US$ 2 milhões.

Mais do que isso, a Agrotoken saiu da rodada com um novo sócio com grande peso estratégico para reforçar o papel das suas criptomoedas lastreadas em grãos e ativos naturais como um ativo aceito para pagamentos de produtos e serviços.

A liderança da rodada ficou a cargo da gigante do segmento meios de pagamento Visa, com quem a Agrotoken já tinha uma parceria como emissora de um cartão de crédito, aceita em toda a rede da empresa americana.

Desde outubro passado, porém, essa relação passou a outro patamar, segundo afirmou a diretora de diretora executiva de Soluções Comerciais da Visa no Brasil, Marcela Pinori, ao AgFeed. “Eles já eram próximos como clientes, mas agora passam a ter acesso a outras áreas, para que possam se apropriar do que temos como ferramentas e tornar as soluções mais robustas”, disse ela.

Anderson Nacaxe, diretor da Agrotoken no Brasil

“O fato de ter a Visa como investidor chancela ainda mais a nossa empresa, pois o mercado percebe que, para chegarmos lá, tivemos de passar por uma severa due dilligence, com foco sobretudo em tecnologia e segurança”, diz Nacaxe.

A partir desse investimento, ele afirma que as duas empresas estarão mais próximas para abordar potenciais clientes e até mesmo desenvolver novos produtos que ampliem o portfólio a ser oferecido pela Agrotoken, sobretudo a grandes empresas, como originadores e exportadores de grãos.

“Isso vai nos ajudar muito na abertura de novos mercados”, afirma Nacaxe.

Digitalização do barter

A maior aceitação dos tokens emitidos pela companhia passa também por uma mudança de discurso da própria Agrotoken. Cada vez mais a startup tem se posicionado como uma empresa de infraestrutura tecnológica, não apenas de criptomoedas.

E cada vez mais ouve-se de seus executivos o uso do termo “barter” associado aos negócios da empresa. Mais do que falar na digitalização dos grãos, a Agrotoken entende que deve mostrar essa opção como parte de um caminho para a simplificação dos processos nas transações de troca de bens como insumos e máquinas pelo resultado das colheitas.

O objetivo declarado da empresa é conquistar, com o uso das suas ferramentas tecnológicas, de 20% a 30% do mercado de barter nos próximos cinco anos. Nas estimativas da companhia, o barter representa até 40% das transações do agronegócio brasileiro.

“O grande segredo da Agrotoken é fazer simples o que hoje tem burocracia e exige vários passos”, afirma Scaliter. “O fato de ser token é apenas uma tecnologia. Vamos falar de grãos digitais que utilizam tecnologia de blockchain para fazer acontecer de um jeito mais simples, mais transparente”.

A digitalização do barter é uma tendência em alta no agronegócio e tem atraído empresas de diversos segmentos por permitir um relacionamento mais próximo ao produtor. Segundo Scaliter, empresa como CNH, Corteva e Basf já negociam dessa forma usando as criptomoedas da Agrotoken.

Recentemente, a empresa fechou acordos com a rede de concessionários da John Deere e com o Broto, marketplace criado pelo Banco do Brasil com foco na comercialização de produtos com clientes do agro.

Também a fabricante de fertilizantes Cibra, que já havia criado a sua própria moeda digital, a Cibracoin, estabeleceu uma parceria com a Agrotoken, e passou a aceitar os criptoativos da startup na comercialização de seus produtos.

A companhia não revela o número de parceiros que aceitam diretamente as suas moedas digitais, mas elas já superam as duas centenas, além de toda a rede global que trabalha com cartões de crédito Visa.

“O crescimento é quase exponencial”, diz Nacaxe. “E o espectro de empresas interessadas em fazer parte desse ecossistema tem avançado bastante. O primeiro foco eram insumos, mas hoje temos até planos de saúde e empresas telefonia querendo aceitar nossos tokens, pois sabem que é uma forma de atrair clientes do agronegócio”.

Pecuária, etanol e uma força do Drex

Mais do que as moedas, porém, a startup acredita que seu grande trunfo está na sua capacidade técnica no uso de redes de blockchain, que permite a criação de ambientes seguros e confiáveis para registro de transações.

Assim, uma das frentes em expansão na Agrotoken é a de atuação nos bastidores, como uma plataforma fornecedora de infraestrutura tecnológica para que essas empresas desenvolvam seus próprios ambientes de blockchain e, eventualmente, criptomoedas próprias.

“A gente ficou muito famoso pela plataforma da Agrotoken, mas este ano temos avançado com a elaboração de projetos em que passamos a ser quem desenvolve a tecnologia para ambientes de parceiros”, diz o diretor para o Brasil.

Exemplo disso são duas iniciativas de tokenização em testes junto a grandes empresas de pecuária e etanol, inciativa antecipada pelo AgFeed em maio passado. Segundo Nacaxe, são projetos realizados em “circuito fechado”, ou seja, em que os tokens emitidos circulam como moeda apenas dentro de um círculo determinado de parceiros.

“Trata-se de um ambiente restrito e os parceiros não comunicam isso para fora. Alí dentro, é possível fazer rastreabilidade de insumos ou garantia de origem”, diz

A demanda por esse tipo de projeto tem crescido, segundo a empresa. Isso porque a técnica de tokenização tem sido mais difundida, até mesmo pelo próprio Banco Central brasileiro, através da criação de uma versão digital do Real, o Drex.

“Isso tem sido uma coisa muito boa para a Agrotoken”, diz Nacaxe. “Temos visto empresas falando de tokenização de debêntures, de ações, de recebíveis...”

Segundo o diretor da Agrotoken, um dos principais motivos para o otimismo da empresa nos próximos anos está no fato de o BC, além de estimular o mercado, ter escolhido para o Drex a mesma técnica de operação de blockchain utilizada pela companhia.

“Existem vários modelos, mas tivemos a sorte de ter sido pioneiros dessa técnica na América Latina”, avalia Nacaxe. “Acreditamos que conseguiremos surfar bem a onda que o BC levantou, a gente já está bem avançado”.

De acordo com o executivo, no caso do Drex, a moeda digital será lastreada na reserva monetária dos bancos, enquanto a Agrotoken usa uma reserva de grãos. O processo tecnológico para a digitalização desses ativos, sejam financeiros, sejam naturais, é semelhante.

“Há um encontro perfeito dessas técnicas, o que vai permitir que a gente se integre com qualquer um que esteja no ambiente Drex ou em um blockchain como o da Cibra”, afirma.