Logo no alto do website da empresa americana eGenesis dados alarmantes chamam a atenção do visitante: 100 mil pessoas estão na fila por um transplante nos Estados Unidos; 20 morrem a cada dia sem terem a chance de receber um novo órgão.
A esperança para muitos deles, segundo a companhia – que tem sede em Cambridge, ao lado da Universidade de Harvard e do Massachusets Institute of Technology (MIT), duas das mais respeitadas instituições de pesquisa científica do mundo – pode estar em um recinto onde a eGenesis cria 400 porcos clonados.
Por segurança, o local das instalações não é revelado. O que se sabe sobre ele é que os animais vivem em ambientes quase imaculados, sem lama ou sujeira, divididos em grupos que variam de 15 a 25 porcos.
Para entrar nessa área, é preciso passar por uma rigorosa higienização e vestir equipamento de proteção, evitando assim levar junto para dentro insetos ou outros agentes que possam infectar os animais.
“É basicamente como um celeiro muito limpo. Controlamos toda a ração que entra e temos controle de resíduos e controle de fluxo de ar”, afirmou Mike Curtis, CEO da empresa à publicação MIT Technology Review.
Tamanho cuidado tem a ver com a missão de vida dos suínos: produzir órgãos para serem implantados em seres humanos.
A eGenesis desenvolveu e está testando uma técnica que usa a ferramenta de edição genética CRISPR para promover alterações no genoma dos porcos e permitir que seus órgãos seja utilizados para substituir aqueles que já não funcionam em pacientes humanos.
Nos testes mais recentes, utilizaram o coração de um jovem porco geneticamente modificado em um babuíno. A experiência pretende levar, em um futuro breve, aos primeiros transplantes cardíacos do gênero em bebês humanos.
Até que isso aconteça, a eGenesis espera realizar doze xenotransplantes, como são chamadas as trocas de tecidos e órgãos entre seres de diferentes espécies, envolvendo porcos e símios.
A intenção é utilizar a técnica em crianças com sérios problemas cardíacos já em 2024. Se não como uma solução definitiva, pelo menos como um paliativo que lhes permita ganhar tempo à espera de um doador compatível – o que, em função do tamanho dos órgãos, é exponencialmente mais difícil em bebês.
Nas duas cirurgias já realizadas, os dois animais transplantados tiveram pouca sobrevida. Isso não desanimou, no entanto, os pesquisadores da eGenesis.
Eles afirmam que a evolução histórica dos transplantes, mesmo apenas entre humanos, foi marcada por inícios com baixa taxa de sobrevivência e, ao final, milhares de beneficiados.
A ideia do transplante de órgãos de animais é uma alternativa potencial para ajudar a reduzir a espera de milhões de pacientes em todo o mundo e a edição genética surgiu como uma técnica que pode ajudar a superar um dos principais obstáculos desse tipo de procedimento: a rejeição.
Desde a década de 1990, cientistas acreditam que os órgãos de porcos podem ser os mais adequados nesse sentido. O uso de primatas, geneticamente mais próximos dos humanos, envolve mais discussões éticas e práticas, como o fato de sua reprodução ser mais lenta e eles serem mais suscetíveis a transmitir vírus para humanos.
Os porcos, por sua vez, têm órgãos de tamanhos semelhantes aos nossos e já há um domínio muito grande dos processos de criação em larga escala.
O foco da eGenesis tem sido usar o CRISPR para fazer até 70 alterações genéticas no DNA dos porcos para “desativar” traços de retorvírus endêmicos em suínos – que não causam mal a eles, mas podem infectar os receptores dos órgãos.
Outro objetivo da edição genética é “nocautear” genes suínos cujos produtos proteicos desencadeiam respostas imunológicas prejudiciais em humanos.
Além disso, os pesquisadores inserem no DNA dos porcos sete genes humanos, que, na visão da empresa, podem reduzir a probabilidade de o órgão ser rejeitado pelo sistema imunológico de um receptor,
As edições são realizadas em fibroblastos de porco – células encontradas no tecido conjuntivo. Das celulas editadas são retirados os núcleos contendo DNA, implantado posteriormente em óvulos de porco.
O óvulo é fertilizado e o embrião resultante é implantado no útero de uma porca adulta.
Nem todos os animais terão seus órgãos usados. Parte deles será estudada pela empresa para entender como as inúmeras edições de genes que implementam afetam os animais ao longo de suas vidas. Alguns desses suínos já têm mais de quatro anos. “Até agora, tudo parece bom”, afirma Curtis.
O sucesso científico, se vier, vai se deparar também com debates éticos. Por conta deles, as instalações da eGenesis já foram alvo de protestos por parte de grupos contrários ao conceito dos xenotransplantes.
Há ainda quem conteste a ideia do uso dos órgãos em crianças, já que elas não têm capacidade de consentir com os procedimentos. A decisão, assim, ficaria com os responsáveis, em geral dispostos a aceitar, com pouco espaço para discussão, qualquer sugestão que possa ajudar a salvar a vida dos bebês.