Jack Ma, fundador da megaplataforma chinesa de comércio eletrônico, provavelmente nunca ouviu falar da expressão salvação da lavoura. Seu duplo sentido cabe com perfeição, entretanto, ao momento vivido por aquele que já foi o mais rico entre os chineses.
Depois de um longo período no ostracismo por conta de divergências com o regime de seu país, Ma tem, aos poucos, retornado aos holofotes – e as lavouras têm tudo a ver com isso.
Há pouco mais de um mês, segundo informou o jornal britânico Financial Times, ele foi convidado a sentar na primeira fileira para uma reunião de líderes empresariais com o presidente Xi Jinping, em um símbolo de reabilitação de sua imagem pública.
E isso se dá poucas semanas depois de ele tratar de um dos assuntos mais quentes na disputa da China com o Ocidente, a inteligência artificial, e de ele fazer, como tem se tornado um costume seu em cada começo de ano, um encontro com professores de regiões rurais do país.
O uso da tecnologia para transformar a agricultura chinesa tem sido, nos últimos anos, um dos principais temas de interesse – e de investimentos – de Jack Ma.
Depois de ser “convidado” a se afastar da Alibaba, em 2020, ele percorreu diferentes partes do mundo para entender como a inovação se insere na agricultura.
Mais recentemente, suas atenções têm se voltado para a inteligência artificial, projetando que a tecnologia vai remodelar o mundo na próxima década. E com a China na dianteira, a partir de avanços como oDeepSeek, startup chinesa que sacodiu a virtual hegemonia da norte-americana OpenAI, ao lançar um chatbot de inteligência artificial smiliar ao ChatGPT.
Jack Ma ficou globalmente conhecido por sua fortuna, suas extravagâncias e por liderar o Alibaba, uma espécie de Amazon oriental, que ajudou a fundar no fim dos anos 1990.
Mas assim como surgiu, Ma também submergiu rapidamente. A partir de 2020, após fazer críticas ao sistema de regulação chinês e se indispor com as autoridades locais, o bilionário deixou de aparecer em público.
Logo em seguida, em 2021, sua fintech, o Ant Group, a maior do mundo e dona da plataforma de pagamento digital Alipay, popular na China, foi multada em US$ 2,8 bilhões pelas autoridades chinesas antitruste, que passaram a cercar as bigtechs locais.
Dessa forma, em apenas cinco anos, Ma perdeu pouco mais da metade de sua fortuna, que era estimada em US$ 65,6 bilhões em 2020 e, no momento, seria de US$ 28,9 bilhões, segundo informações da revista norte-americana Forbes.
Desde então, com menos – mas ainda muito – dinheiro, Jack Ma tem feito raras aparições, estudando e falando sobre agricultura, fazendo também investimentos pequenos em foodtechs.
O ingresso na agricultura não é uma novidade completa para o ex-professor de inglês que fundou o Alibaba no quarto de casa e, em poucos anos, se tornou um magnata da tecnologia, chegando a abrir o capital de sua empresa na Bolsa de Nova York.
Antes mesmo de se aposentar da Alibaba, ainda em 2019, Ma já havia dito, durante o Fórum Econômico de Davos daquele ano, que, se pudesse começar um novo negócio naquele momento, apostaria suas fichas na agricultura.
Depois dos problemas com as autoridades chinesas, o cofundador do Alibaba se mudou para o Japão e passou a viajar com frequência para outros países para estudar e conhecer agtechs e como funciona a produção sustentável de alimentos.
Na Holanda, ele visitou universidades e instituições de pesquisa. Na Tailândia, jantou com o líder do maior grupo de agronegócio local.
Segundo pessoas próximas, a ideia de Ma seria modernizar a agricultura chinesa a partir da tecnologia, utilizando ferramentas como big data, inteligência artificial e computação em nuvem.
Ao que tudo indica, o interesse de Ma pela união de agricultura e tecnologia não ficou restrito apenas às visitas que fez. A partir de 2023, ele começou a lançar na China pequenos negócios relacionados ao agro.
O primeiro empreendimento foi uma startup chamada 1.8 Meters Marine Technology, em Hangzhou, cidade-natal de Ma, focada na pesca e no processamento de peixes e mexilhões frescos, que são vendidos em e-commerce.
A empresa pertence a outra, chamada Hangzhou Dajingtou No. 22 Arts and Culture, que é 99,9% controlada por Jack Ma.
No fim de 2023, ele reapareceu com outra foodtech, a Hangzhou Majia Kitchen Food, também sediada na mesma cidade.
O investimento teria sido pequeno frente à fortuna de Jack Ma – apenas US$ 1,4 milhão. A empresa é dedicada ao processamento e venda de alimentos pré-prontas e "produtos agrícolas comestíveis".
Em paralelo, mesmo com sua fortuna encolhendo, o fundador do Alibaba mantém uma entidade filantrópica, a Fundação Jack Ma, que foi criada em 2015 e tem um foco especial na educação rural.
Uma das principais atividades da instituição de Ma são programas de treinamento para professores e diretores nas áreas rurais da China, onde quase um terço da população do país ainda vive no campo – são 464,7 milhões de um total de 1,408 bilhão de pessoas, segundo dados do governo chinês.
É para eles que Ma tem reservado atenção especial e a quem se dirige a cada novo ano. "Descobri que um lugar onde a agricultura se desenvolveu bem não é necessariamente um lugar com bons recursos, mas sim um lugar com pensamento único e pessoas com imaginação", disse aos professores há dois anos, em um desses encontros rurais, de acordo com informações do jornal China Daily.