Um ciclone extratropical com ventos de até 100 quilômetros por hora passava por São Paulo quando os meteorologistas desta matéria falaram com o AgFeed. O fenômeno climático anormal colaborou ainda mais para uma conclusão unânime entre os especialistas: o ano de 2026 não vai ser fácil para a agricultura e pecuária.

O início de 2026 - janeiro, fevereiro e março - será marcado por um cenário de neutralidade climática, conforme prevê o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), com o enfraquecimento do La Niña, fenômeno que ocorre pelo resfriamento das águas do Oceano Pacífico.

A neutralidade, entretanto, não é garantia de tranquilidade: sem a influência total do La Niña, que foi muito atípico durante a primavera, provocando, por exemplo, os vendavais em São Paulo.

O clima no País neste primeiro trimestre será regido por sistemas regionais, ou seja, a distribuição de chuvas será bastante diferente entre uma região e outra.

“Cada país tem vários microclimas. O Brasil tem muitos. Só o estado de São Paulo tem 77. Há fazendas tão grandes que chegam a ter 10 microclimas diferentes”, explica Willians Bini, meteorologista especialista em agronegócio e tecnologia da Metos Brasil.

Haverá chuvas intensas nos primeiros momentos do ano -- principalmente no Sul. A expectativa entre o Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul é de excesso pluviométrico e alta umidade, o que acende o alerta em relação ao controle de doenças fúngicas.

No Centro-Oeste, a região de maior plantio de soja, no decorrer do primeiro trimestre, as chuvas virão, mas serão irregulares e as temperaturas ficarão acima da média histórica.

O problema é que a região já sofreu com as chuvas da primavera, que vieram com irregularidades, atrasando o plantio da safra em até 30 dias. Por isso, no Mato Grosso, a semeadura da safrinha que deveria ser feita em janeiro, deve acontecer só depois de 25 de fevereiro em grande parte das regiões do estado, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária.

Esse atraso no plantio da soja ocorrido em 2025 pode custar caro mais à frente para os grãos da safrinha. Os impactos podem ser expressivos no milho safrinha que, por ser plantado com atraso, ficará mais exposto à seca e ao calor intenso.

Chuvas abaixo da média e calor - é o que os meteorologistas preveem para 2026 já a partir de março e abril.

“Tivemos uma primavera seca, muito anômala. As chuvas voltaram mais cedo, em agosto e setembro. Mas foram irregulares e mal distribuídas. E, depois, parou de chover. Os reflexos dessa mudança ainda estão por vir”, explica Marco Antonio dos Santos, agrometeorologista brasileiro, fundador e líder da consultoria Rural Clima.

Um dos mais experientes meteorologistas do País, Celso Oliveira, que já passou pela Somar e Climatempo, alerta que o milho segunda safra tem um cenário preocupante em 2026.

Ele lembra que este ano faltou chuva em fevereiro e março para o milho safrinha, mas houve precipitações em volume razoável em abril, o que acabou beneficiando a produtividade.

“A cara do clima de 2026 é parecida com a de 2025. A gente vai ter um cenário de estiagens no centro e norte do Brasil e há uma expectativa de baixa umidade do solo no início do desenvolvimento do milho”.

A questão é que nem tudo será igual, pelas previsões atuais. “Quando a gente chegar lá em abril, maio, até há uma previsão de chuva, meio que fora de época, mas pelo que as simulações mostram, por enquanto, essa chuva prevista para abril, maio de 2026, não é tão intensa como a de 2025. Então, isso pode fazer com que parte das áreas de milho segunda safra sofram com problema de déficit hídrico”, explicou Oliveira.

O que está acontecendo?

Como explica o meteorologista da Rural Clima, a bagunça toda começou com a primavera problemática, terminada em 21 de dezembro. O La Niña -- fenômeno que, em tese, deveria ter influenciado a estação, provocando chuvas mais fortes no Norte e Nordeste e estiagem no Sul -- também ficou desorganizado.

A La Niña acabou chegando fraca e deve se dissipar já entre fevereiro e março. "Anos de La Nina são normalmente de safra cheia no Brasil. Algumas regiões deveriam ter mais chuvas, mas elas vieram irregulares e mal distribuídas", diz o meteorologista da Rural Clima.

Por que isso ocorreu? Ultimamente, o que mais vem regendo o clima no País não é mais o Oceano Pacífico, onde se formam o La Niña e o El Niño (quando há o aquecimento das águas).

“O protagonismo agora está com o Oceano Atlântico e um pouco com o Índico”, explica Celso Oliveira, que atualmente é meteorologista na Tempo OK. “O aquecimento desses oceanos vêm provocando e potencializando a formação atípica da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS)”, diz ele.

Foi a ZCAS que se sobrepôs à enfraquecida La Niña durante a primavera e passou a formar corredores de umidade unindo o Norte ao Sudeste do Brasil. Essas ZCAS viajaram em direção ao Oceano Atlântico Sul, criando nuvens carregadas de água que acabaram se concentrando em uma única região: os estados do Sul.

Sem conseguir seguir o seu trajeto, essas nuvens chocaram-se com frentes frias, causando as fortes chuvas e alagamentos que vimos em novembro, em Santa Catarina.

É importante falar da primavera para entender como será o clima ao longo de 2026. A La Niña “cansada” de 2025 influencia a atmosfera e, consequentemente, isso tem impactos.

“Toda vez que ocorre um La Niña, há uma influência forte do fenômeno na atmosfera. Como essa La Niña foi diferente de todas as outras, não se sabe de que maneira a atmosfera vai reagir, nem quando. Ou seja: o trabalho dos meteorologistas fica ainda mais difícil”, explica Bini, da Metos Brasil.

Por isso, para saber como o clima vai afetar a agricultura no Brasil ao longo de 2026, a atenção dos meteorologistas se voltou para a velocidade e a intensidade do aquecimento das águas no Atlântico e no Índico.

“Quanto mais lento esse aquecimento, melhor: teríamos chuvas no tempo certo, e na quantidade certa. Mas se ele se acelerar e se intensificar, o ano de 2026 terá mais secas”, alertou Oliveira Filho.

E o El Niño?

Ele está previsto para o segundo semestre, mas pode ser atípico, assim como o La Niña. Normalmente, um El Niño traz seca severa e calor ao Norte e Nordeste e chuvas intensas e inundações no Sul, com mais calor no Sudeste e Centro-Oeste.

Todavia, o efeito cascata provocado pela fraca La Niña e pelo aquecimento do Atlântico e do Índico, pode mudar a cara do fenômeno. Em suma: sobem as chances de termos um ano mais seco, em todas as regiões.

“O que o produtor tem a fazer é apostar em sementes de variedades mais resistentes à seca. Culturas que podem ser irrigadas, também devem se preparar. A questão é que os reservatórios para irrigação são normalmente enchidos na primavera, o que não ocorreu”, diz Oliveira Filho, da Tempo OK.

No passado, o El Niño já foi relacionado a safras abundantes de grãos no Rio Grande do Sul, em contraste a quebras catastróficas que eram registradas pela seca do La Niña. Nos últimos anos, porém, o El Niño no Rio Grande Sul provocou enchentes que devastaram o estado.

Por isso, os meteorologistas sempre fazem a ressalva que tudo vai depender das características e da intensidade do fenômeno, caso ele venha a ocorrer, efetivamente.

“Acho que é uma chance razoável da gente ter o El Niño no segundo semestre de 2026, e aí algumas coisas mudam bastante em relação ao que a gente viveu em 2025”, afirmou Celso.

Um dos aspectos a ser considerado, caso o fenômeno ocorra, na visão dele, é a maior probabilidade de temperaturas elevadas já na primavera, situação oposta ao registrado este ano, onde no segundo semestre predominaram temperaturas mais amenas.

“No ano que vem é bem provável que o final de inverno, início de primavera sejam caracterizados por calor intenso. Além disso, a primavera de 2026 pode ser caracterizada por um retorno irregular das chuvas no Sudeste e Centro-oeste”, disse ele.

Há risco ainda para o trigo do Paraná, que neste ano, teve boa qualidade.  “Quando você tem El Niño, as culturas de inverno sofrem mais com excesso de chuva e temperatura alta. O trigo não gosta de temperatura alta”.

Uma análise da MetSul Meteorologia indica que modelos internacionais sinalizam um aquecimento do Pacífico Equatorial a partir do próximo outono.

“Normalmente, os episódios de El Nino começam no inverno ou na primavera, mas, às vezes, têm início ainda mais cedo. Em 2023, por exemplo, o comunicado da NOAA sobre o começo do El Niño ocorreu no dia 8 de junho a partir do aquecimento das águas oceânicas que se observou durante o outono daquele ano”, disse a empresa.

Resumo

  • Especialistas alertam para período de "neutralidade" no início de 2026, com o enfraquecimento da La Niña e chuvas irregulares em boa parte do Brasil,
  • Previsões indicam riscos de falta de chuva para o milho segunda safra, sem a garantia da "umidade fora de época" vista em abril de 2025.
  • Meteorologistas consideram que há boa chance de El Niño no segundo semestre, o que pode trazer prejuízos para o trigo do Paraná.