O agro passou por transformações profundas nas últimas décadas do ponto de vista tecnológico, mas uma etapa importante da cadeia de soja e milho ainda tem grandes oportunidades de avançar na automatização.
A classificação dos grãos, processo crucial para medir umidade, impurezas, matérias estranhas e outros fatores que determinam a qualidade e a precificação das cargas de soja e milho que chegam das lavouras, ainda é feita de forma visual, por agentes classificadores, em uma parcela significativa das empresas.
É justamente esse anacronismo que a startup Neosilos, com sede em Curitiba (PR), decidiu atacar. Com criadores vindos de áreas diversas como ciências da computação, engenharia mecânica e agronômica, a startup está levando ao mercado uma máquina que substitui o olhar do classificador por uma câmera de alta precisão e o julgamento técnico por algoritmos de inteligência artificial capazes de entregar uma análise em minutos.
Não à toa, a Neosilos já chamou a atenção de cooperativas de grande porte do Paraná como Cocamar, Lar e Frísia, e também da Inpasa, a maior produtora de etanol de cereais do Brasil, hoje clientes da startup. A empresa conseguiu cerca de R$ 4,5 milhões em investimentos de diferentes instituições de fomento e pesquisa.
Mais recentemente, obteve R$ 500 mil e aguarda novo aporte do mesmo tamanho, dessa vez utilizando o fundo da Finep gerido pela gestora KPTL, de Renato Ramalho, e uma das maiores do mercado de venture capital no Brasil.
A entrada dos recursos está condicionada a metas de desenvolvimento tecnológico e faturamento. Se tudo der certo, os recursos adicionais da Finep devem entrar já no primeiro trimestre de 2026.
“A Neosilos é o tipo de empresa que gostamos. Um empreendedor disposto a quebrar o paradigma da classificação de grãos no Brasil”, afirma Diego Bertolin, associado da KPTL.
A startup surgiu em 2021, após uma inquietação do engenheiro mecânico Ian Cavalcante, que anos antes havia cursado um mestrado sanduíche, parte na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), parte na Universidade de Bremen, na Alemanha.
Na terra do rio Weser, ele conviveu com startups alemãs e se aproximou da lógica de inovação aplicada à indústria. Assim, quando voltou ao Brasil, Cavalcante percebeu que havia a oportunidade de integrar inovação tecnológica às agroindústrias, que ficavam meio de lado em comparação com outros setores da economia.
"Notei que tinham dinheiro, às vezes tinham anseio por tecnologia, mas não tinha ninguém desenvolvendo soluções para eles por aqui", afirma Cavalcante, hoje CEO da Neosilos.
Em paralelo, o empreendedor foi percebendo em hackathons voltados ao agro que o fato de a classificação de grãos ser um processo bastante manual volta e meia aparecia como uma “dor” das empresas do agro.
Cavalcante mergulhou, então, na literatura científica para entender melhor como estava o nível de tecnologia desse tipo de análise.
"Fui procurar artigo, livro, para tentar entender o que o pessoal estava fazendo para resolver esse problema", recorda. "E vi que tinham alguns estudos na China, nos Estados Unidos e aqui no Brasil também, mas não tinha uma abordagem "moderna" para esse problema."
Tecnicamente, Cavalcante entendeu que era possível automatizar o processo. A partir daí, a startup começou a ganhar forma e foi criada oficialmente pelo empreendedor em 2021. Depois de algum tempo, outros três sócios se juntaram a ele na startup: Daniel Ruiz, Rene Gagliano e Davi Krieger, que ainda hoje estão no board da empresa.
"A gente seguiu bem o script, de ter competências complementares. O Daniel é mestre em ciência da computação, o Rene é da engenharia mecatrônica e o Davi é da agronomia", analisa.
A Neosilos começou a participar de editais de instituições de fomento à pesquisa e inovação como Finep e CNPQ, do governo federal, e Fundação Araucária, do governo do Paraná. "Esses editais serviram para a gente pagar nossas contas e fazer os protótipos."
Em meio às tentativas de obter recursos, os sócios da Neosilos foram desenvolvendo os esboços do que seria a sua máquina. Nesse período, Cavalcante destaca a parceria de Deryk Ruson, gerente executivo da coordenação de grãos da Cocamar. "O Deryk foi fundamental, praticamente "pegou a gente para criar'", brinca o empreendedor. "Ele ensinou de cabo a rabo o processo, falou sobre os problemas."
Com a parceria da Cocamar, Cavalcante conta que a Neosilos venceu um edital da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e conseguiu inicialmente R$ 300 mil, que serviram para melhorar o protótipo e formação de equipe técnica. “Foi uma virada de chave, porque estávamos com pouco recurso”, recorda o empreendedor.
"A gente acelerou esse processo, contratou gente e os resultados começaram a aparecer em termos de acurácia mesmo. Se a gente comparar com profissional que é especialista naquilo há mais de 20 anos, a máquina começou a se assemelhar àquele profissional."
A Neosilos começou a se sentir mais segura, então, a levar os protótipos para dentro das instalações de cooperativas do Paraná. "Estamos com um produto comercial, rodando em algumas empresas, mas temos o espírito day one", diz.
A máquina, que se chamava Visio e é do tamanho de um frigobar, funciona com visão computacional e algoritmos de machine learning.
Tudo começa quando o operador insere em um bocal, 125 gramas de soja ou 250 gramas de milho, seguindo padrões do Ministério da Agricultura e Pecuária para análises de classificação dos grãos. Na sequência, dentro do equipamento, uma câmera captura imagens dos grãos e um software faz a classificação automaticamente.
“A gente substitui o olho humano por uma câmera e o raciocínio do ser humano por uma inteligência artificial especializada”, resume Cavalcante.
O processo dura 1 minuto e 20 segundos, segundo o empreendedor. Depois de finalizado, uma análise técnica é emitida digitalmente e fica disponível em uma plataforma da Neosilos – e também no sistema do cliente, se a empresa assim desejar.
“Esse laudo serve para dizer qual é a qualidade daquele grão para quem está vendendo e para quem está comprando.”
Para abastecer o algoritmo que vai avaliar os grãos, a startup coleta dados e imagens de soja e milho de seus clientes. "Todas concordaram com isso. É como se fosse um grande acordo em que todos concordam em “inputar” o máximo de quantidade e diversidade de grãos para que a gente possa fornecer o melhor serviço para todos", afirma Cavalcante.
O modelo de comercialização do equipamento é feito via comodato, explica o empreendedor. "É uma "assinatura" desse serviço de classificação digital. O equipamento fica à disposição da empresa e quem opera são os próprios funcionários do cliente", diz. "Prestamos treinamento, todo um serviço de onboarding, e também incluímos suporte e manutenção 24 horas por dia."
A startup decidiu começar pela soja e pelo milho, que concentram a maior parte das operações de originação no país. Mas o avanço para outras culturas não está descartado, diz Cavalcante. "Já recebemos até contato de gente interessada em avaliar café, trigo, feijão", cita Cavalcante.
O movimento da Neosilos, de foco nas principais culturas agrícolas, segue uma lógica já vista em outras agtechs, como a argentina ZoomAgri, que tem tecnologia semelhante à startup paranaense e iniciou sua tecnologia com trigo e cevada.
A ZoomAgri entrou no mercado brasileiro há alguns anos e, no ano passado, afirmou ao AgFeed que pretendia expandir para soja e milho para fortalecer sua atuação no país. A startup argentina tem como clientes grandes tradings como Bunge, Cargill, ADM e Viterra, entre outras.
Na Neosilos, a ideia é atender agroindústrias de grande porte, com volumes robustos de transações e que exigem velocidade nas análises. "Para uma empresa pequena, que faz poucas classificações, a velocidade é importante, mas não é tão relevante assim. Para eles, talvez não vale a pena tirar a subjetividade de um classificador humano", afirma Ian Cavalcante. "Já para as grandes empresas, avaliamos que não só tira a subjetividade, como também acelera a operação de recebimento delas."
A Neosilos deve fechar este ano com um faturamento de cerca de R$ 100 mil. Mas a ideia de Cavalcante é que a receita cresça entre três a cinco vezes nos próximos anos. A expectativa para 2026 é fechar novos contratos com outras cooperativas, acelerar o desenvolvimento da tecnologia e também fazer investimentos em marketing.
“A gente está bem nesse início, ainda estamos no “vale da morte” das startups, mas se tudo der certo, conseguiremos sair e ganhar voo nos próximos anos”, projeta Cavalcante.
Resumo
- A paranaense Neosilos quer romper com a classificação manual de grãos ao levar ao mercado máquina que usa câmera de alta precisão e algoritmos de IA
- Tecnologia já atraiu Cocamar, Lar, Frísia e Inpasa, além de ter garantido cerca de R$ 4,5 milhões em editais de instituições como CNPQ, Finep e Fundação Araucária
- Criada em 2021 pelo engenheiro Ian Cavalcante, startup foca em atender agroindústrias de grande porte que precisam de velocidade, padronização e escala