Depois de 30 edições, é provável que a conferência organizada em Belém tenha finalmente escancarado as razões pelas quais as agendas não avançam.

Há um mundo de “faz de conta” alimentado por interesses, amparado por ideologia e propagado pela ingenuidade. Esse mundo foi chacoalhado durante a COP 30, confrontado pela sociedade que começou a cobrar pragmatismo e ações efetivas no lugar de discursos intermináveis. Nesse ponto, o agro foi protagonista ao mostrar, contundentemente, uma realidade muito diferente da difundida em outras edições.

Antes de seguir em frente, vale relembrar o artigo “COP 30: como não desperdiçar uma oportunidade”, publicado em março deste ano no AgFeed.

Na ocasião, destacou-se a ainda incipiente mobilização dos representantes do agro que se preparavam para, em novembro, apresentar ao mundo a realidade da produção tropical. O texto mencionava a visão do ex-ministro, professor e engenheiro agrônomo Roberto Rodrigues, sobre os enormes impactos positivos para a humanidade, caso o mundo resolva seguir o exemplo da experiência acumulada pelo agro brasileiro.

Um mês depois dessa publicação, Roberto Rodrigues foi oficialmente escolhido como Enviado Especial do Agro na conferência. Desde então, liderou incansavelmente todos os esforços do setor.

Esses esforços reuniram entidades, lideranças, empresas privadas, universidades, centros de pesquisa e profissionais liberais que elevaram o nível da COP 30 conduzindo discussões sobre alimentos, energia, fibras, tecnologias, uso da terra etc..

A AgriZone, espaço para discussões e demonstrações de campo, organizada pela Embrapa com apoio de diversos parceiros, foi o grande destaque dessa edição. Pela primeira vez, em uma conferência do clima, a agropecuária tropical foi apresentada de forma coerente com a realidade.

Em todas as outras edições, mesmo com a presença de profissionais do setor, sempre se notou uma certa timidez em contrapor as informações inverídicas sobre a produção brasileira. Em entrevistas concedidas em COPs anteriores, representantes brasileiros chegaram a afirmar que o agronegócio opera de acordo com uma política de expansão e desmatamento sobre áreas que deveriam ser preservadas. O exemplo é apenas um dos inúmeros em que pesquisadores abusaram da autoridade acadêmica – obtida em outras áreas – para falar de assuntos que desconhecem.

No início do ano, diante da mobilização capitaneada por Roberto Rodrigues, muitos criticaram a movimentação do agro. Rapidamente se esforçaram em lembrar que a COP não era do agro, mas sim do clima. Criticavam também a preocupação do setor em evitar que falsas informações fossem difundidas.

Ambas as argumentações eram verdade!

Embora a discussão central fosse sobre o clima, o assunto tinha sido direcionado à produção de alimentos, sendo o maior problema a questão energética e o uso de combustíveis fósseis.

A discussão estava – e está! - tão deturpada que há artigos, assinados por ambientalistas, associando a argumentação contrária ao aumento da queima de petróleo ao suposto negacionismo de representantes do agro. E, apesar de absurdas, tais argumentações encontram eco nas redações. Era essencial preparar-se para contrapor o excesso de desinformações que circulam nessas conferências.

E o setor deu um show ao demonstrar o modelo de produção no Brasil que melhora solos, acumula carbono em subsuperfície, adota proporções crescentes de bioinsumos, convive bem com a fauna e flora, evita erosão etc.. Não são exemplos ou cases, mas sim a regra.

Modelos de produção mais conservacionistas - que adotam princípios de produção regenerativa - somam mais de 125 milhões de hectares, passando de 50% da área em produção no Brasil.

Essa estimativa costuma ser comparada com os cerca de 10% a 15% dos produtores que já se encontram em um estágio mais avançado em termos de sistemas de produção. Essa proporção, porém, é recorrente em qualquer análise de grupo: sempre haverá uma parcela que se destaca.

No futuro, quando todos os produtores alcançarem os níveis tecnológicos hoje praticados por esse “grupo da ponta”, surgirá novamente uma elite de aproximadamente 10% a 15%, ainda mais avançada em relação ao que atualmente é considerado o padrão de excelência.

Parece confuso, mas trata-se da dispersão típica no processo de difusão da inovação, tema estudado há mais de 50 anos.

O que o Brasil mostrou na AgriZone foi um Roadmap pronto, validado e em execução desde os anos 1970. Conforme vem sendo insistentemente repetido por Roberto Rodrigues, não é exagero dizer que o caminho para resolver a fome, reduzir conflitos e produzir sem avançar sobre novas áreas, ao mesmo tempo que se acumula carbono no solo, já esteja pronto. E é tecnologia brasileira.

A participação do agro conquistou um sucesso ainda maior ao preencher, naturalmente, os anseios crescentes da opinião pública por maior pragmatismo na condução do debate ambiental. Nesse contexto, o grande destaque foi Bill Gates, que levantou essas questões dias antes da COP. Foi muito criticado por ponderar a necessidade de conduzir o tema sem o alarmismo típico, dando importância também a outros problemas urgentes que afligem diversas populações. Cobrou o alinhamento entre discursos, ações e resultados.

É uma discussão semelhante àquela levantada pelo agro há anos. Articulistas influentes defendem modelos de produção que, na prática, poderiam levar ao desabastecimento e até à fome. Defendem também que o mundo deveria priorizar alimentos mais variados, em substituição aos produtos mais comuns que hoje são produzidos. Parecem acreditar que a decisão do que será produzido seja imposta pelos produtores e não pela possibilidade de produzir em escala, aliada às necessidades e preferências da sociedade.

Pregam a imediata substituição de insumos químicos e minerais por soluções biológicas, sem levar em consideração a viabilidade econômica ou logística. Acusam a monotonia da paisagem, mas não mencionam que mais de 65% do país é floresta em pé, conservada. Na média do Brasil, metade das propriedades rurais estão preservadas. Com isso, os produtores são responsáveis por manter a vegetação nativa em 29% da área do país. São quase 247 milhões de hectares preservados pelos fazendeiros. Os dados são da Embrapa Territorial.

Quando confrontados com esses números, e alertados do risco que suas ideias trazem à sociedade, falam em oportunismo e negacionismo, mas nunca discutem números.

Estudos conduzidos e apresentados pela FGV-Agro/Abiec, Embrapa Territorial, CCarbon/USP, campos de demonstração da Embrapa na AgriZone e o documento produzido pelo Fórum Brasileiro da Agricultura Tropical (idealizado e liderado pelo Roberto Rodrigues) foram amplamente difundidos pela imprensa oficial e pelos inúmeros influencers em atividade nas redes sociais.

Além do sucesso da iniciativa do agro, o setor demonstrou outra experiência que pode ser adotada pelos coordenadores da agenda climática: a capacidade de execução dos projetos de longo prazo, com foco nas ações. Para agir, no entanto, é preciso reconhecer a necessidade de mudança. Autocrítica é essencial.

Olhando com atenção os diversos artigos veiculados logo após a conferência, nota-se um esforço em omitir ou relativizar os problemas que ocorreram em Belém.

É fato que problemas ocorreram em outras COPs, mas alguns deles nunca haviam sido registrados em outra edição.

Minimizar ou omitir a proporção dos acontecimentos é sintoma claro de despreparo para lidar com problemas reais que precisam ser enfrentados. E pior! Colocam em xeque as próprias conquistas que ocorreram durante a conferência. A melhor postura é reconhecer as falhas e convidar a todos para manter os esforços nos avanços. Fingir que tudo deu certo é pedir que o foco se mantenha justamente no que deu errado.

Dois pontos recorrentes em diversos textos sobre a conferência chamam atenção: a narrativa indicando que o conteúdo apresentado na AgriZone representa novidades promissoras; e a ideia de que o setor estaria, enfim, disposto ao diálogo. Nem os sistemas de produção, e tampouco a disposição em dialogar, são coisas novas.

Na prática, esses argumentos revelam apenas que muitos desses atores continuam a ignorar a realidade da produção – embora eles se apresentem como parceiros na execução de estudos e defensores da produção sustentável. Alguns textos chegam a ser verdadeiras confissões daquilo que a Athenagro critica há anos. Com raras exceções, o ambientalismo não demonstra interesse genuíno em dialogar, mas sim em buscar validação.

Grande parte dos atores não entendeu que opiniões divergentes não implicam, necessariamente, em objetivos contrários. São apenas formas diferentes de encarar o problema. Ninguém é dono da verdade.

Em novembro de 2017, o artigo “Pecuária: autoconhecimento e desafios” terminava com o seguinte parágrafo: “Há uma aparente quebra na harmonia entre o setor produtivo e as ONGs, que exemplarmente trabalharam juntos nos últimos anos. Agendas paralelas e a insistência em rediscutir assuntos já definidos poderão enfraquecer o rico debate em busca de soluções. E ao contrário do que sempre se apregoa na grande mídia, não é o setor produtivo que se nega a encarar o problema.”

Por fim, é importante reforçar que o agronegócio vem evoluindo através de ações. A hipotética contradição entre produção e proteção ambiental nunca existiu.

Os problemas ocorridos foram causados por desconhecimento, ignorância ou falta de tecnologia adaptada; nunca por má fé ou descaso com a proteção ambiental. E todos os problemas foram - e continuam sendo - resolvidos justamente porque há maturidade e humildade em reconhecê-los e enfrentá-los.

Quebrar esse paradigma preconceituoso é o primeiro passo para que a agenda ambiental comece a andar conforme o esperado. Talvez seja esse o grande mérito da COP 30. Mostrou ao mundo a diferença entre execução e resultados práticos quando comparados aos discursos vazios e fuga covarde do enfrentamento aos problemas.

Não foi da forma que muitos queriam, mas com certeza essa foi a COP da verdade!

Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária

Links para artigos ou estudos mencionados:

ABIEC; “Beef Report Especial COP30 (2025)”- https://abiec.com.br/publicacoes/beef-report-especial-cop30/ - acessado em 28/11/2025

EMBRAPA TERRITORIAL; “Atribuição, Ocupação e Uso das Terras do Brasil (2025)” - https://geoinfo.dados.embrapa.br/catalogue/#/geostory/10926 - acessado em 28/11/2025

FGV AGRO, ABIEC; “ COP30 – Trajetórias de Descarbonização da Pecuária de Corte no Brasil (2025)” , - https://abiec.com.br/publicacoes/cop30-trajetorias-de-descarbonizacao-da-pecuaria-de-corte-no-brasil/ - acessado em 28/11/2025

Fórum Brasileiro da Agricultura Tropical; “Agricultura tropical sustentável: cultivando soluções para alimentos, energia e clima (2025)” - https://agro.fgv.br/sites/default/files/2025-11/DocumentoCompletoForum.pdf - acessado em 28/11/2025

Nogueira, Maurício Palma (Athenagro); “Desmatamento ilegal: o agronegócio precisa assumir a liderança”, O Estado de São Paulo - https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/desmatamento-ilegal-o-agronegocio-precisa-assumir-a-lideranca/?srsltid=AfmBOoquIam12dOaJqVa6EuDUSBK96Xe6fznbi_RoTbuXAmLDs-trlCo - acessado em 28/11/2025

Nogueira, Maurício Palma; “Pecuária: autoconhecimento e desafios (2017)” Site Athenagro - https://rallydapecuaria.com.br/pecuaria-autoconhecimento-e-desafios/ - acessado em 28/11/2025

Nogueira, Maurício Palma; “COP 30: como não desperdiçar uma oportunidade (2025)” AgFeed - https://agfeed.com.br/campo-das-ideias/desafios-da-pecuaria/cop-30-como-nao-desperdicar-uma-oportunidade/ - acessado em 28/11/2025

Nogueira, Mauricio Palma & Ortega, Mauro; “Entrevista A Quinta Onda da Pecuária Brasileira (2025)” - Rally da Pecuária - https://rallydapecuaria.com.br/entrevista-ao-giro-do-boi-a-quinta-onda-da-pecuaria-brasileira/ - acessado em 28/11/2025

Nogueira, Maurício Palma; “Nossa revolução verde foi mais verde (2025)” Athenagro Consultoria - https://athenagro.com.br/blog/nossa-revolucao-verde-foi-mais-verde/ - acessado em 28/11/2025