Paulínia (SP) - Quatro anos depois de colocar no mercado a terceira geração de soja transgênica, a Intacta 2 Xtend, a Bayer deu um passo além nesta semana.
A companhia reuniu produtores, cientistas, multiplicadores e uma série de jornalistas em Paulínia (SP), no seu principal centro de pesquisa do país, para apresentar aquilo que considera o maior avanço da soja transgênica desde o surgimento do RR (Roundup Ready): a quarta geração da soja transgênica.
O nome escolhido - Intacta 5+ - resume a ambição: cinco proteínas para proteger a planta contra nove espécies de lagartas e mais cinco herbicidas tolerados, sendo um deles, a mesotriona, liberado pela primeira vez para aplicação em pós-emergência na cultura da soja.
O clima no evento deixava claro o peso interno do lançamento. A sensação pelas falas dos executivos, como Márcio Santos, CEO da Bayer no Brasil, e Maurício Rodrigues, presidente da divisão de Crop Science para a América Latina, era de que a empresa estava mostrando uma peça tecnológica que marca o início de um novo ciclo de inovação.
A prova disso não estava no tamanho do palco, mas na quantidade de detalhes técnicos trazidos à superfície, algo incomum para produtos que ainda estão a dois ou três anos de entrarem comercialmente no mercado.
Com a aprovação da CTNBio já em mãos, agora a Bayer entra num rito de testes em escala e também passará por um rito regulatório internacional. A aprovação do principal importador da soja brasileira, a China, é, como sempre, o marco mais sensível para o lançamento de fato no mercado.
A ideia da multinacional é que o lançamento da Intacta 5+ aconteça em grande escala entre 2028 e 2029. A partir de agora, a empresa passa por um processo de ampliação dos testes com parceiros e multiplicadores, como por exemplo TMG, Caraíba Genética e GDM, empresas que seus principais executivos marcaram presença no evento da Bayer.
A multinacional alemã, porém, demonstra confiança de que o ciclo de adoção será mais rápido do que as antecessoras assim que estiver liberado.
A primeira geração, o RR, levou quase uma década até ultrapassar metade da área plantada com a soja no Brasil. Já a Intacta fez isso em três anos, e a mais recente, a Intacta 2 Xtend, caminha para alcançar 50% já na safra 2024/2025, de acordo com Márcio Santos, CEO da Bayer no Brasil.
“Na Intacta 2 Xtend, chegaremos a metade da área de soja nesta safra e no ano que vem algo entre 55 e 60%. Quando chegar a Intacta 5+, queremos já estar em 80% das lavouras de soja e fazer uma transição acelerada, algo que temos convicção pelo número de marcas parceiras”, disse o executivo.
Destrinchando a “nova soja”
Fábio Passos, diretor comercial para a soja na Bayer do Brasil, explica que a Intacta 5+ fornece proteção à mesotriona, dicamba, glifosato, glufosinato e 2,4-D, nos herbicidas, e às principais lagartas que afetam o ciclo da oleaginosa (que incluem a Rachiplusia nu, Spodoptera eridania e Elasmopalpus lignosellus).
A mesotriona pode ser encarada como o divisor de águas da nova tecnologia. Até agora, esse herbicida é amplamente utilizado no milho, na cana e no milheto, e até então, jamais poderia ser aplicado sobre uma lavoura de soja já emergida sem causar danos severos.
A Intacta 5+ muda isso com um evento transgênico criado justamente para permitir que a planta metabolize o composto. “A planta consegue metabolizar a mesotriona sem causar nenhum efeito negativo no desenvolvimento”, explicou Matheus Palhano, líder da área de herbicidas da Bayer.
O lançamento vem na esteira de um cenário de pressão crescente no manejo de plantas daninhas. As áreas com buva resistente a glifosato já passam dos 20 milhões de hectares no País, enquanto o caruru se dissemina com uma capacidade de espalhar um milhão de sementes por planta.
O capim-amargoso avança rapidamente no Matopiba e espécies como cravorana e vassourinha de botão transformaram regiões inteiras em arenas de resistência múltipla.
Fábio Passos explica que o novo produto se apoia num conceito de “piramidação”. Ao acumular diferentes tipos de herbicidas e de proteções contra lagartas juntas, a soja pode “enganar” até mesmo as plantas que já são resistentes aos produtos.
Ele descreve a nova lógica como uma espécie de “destravamento químico”, que ao combinar a mesotriona com outros ativos que perderam força ao longo dos anos, a mistura recupera uma eficácia que se esvaiu devido a anos e anos de uso repetitivo.
Nas palavras dele, aplicadas durante a visita às estações de campo, “essa combinação potencializa os outros ativos”.
“É como se eu voltasse ao efeito original de um glufosinato, porque a combinação junta os dois compostos, fazendo uma pirâmide”, disse Passos.
No mercado, as principais concorrentes, as tecnlogias Conkesta e Enlist, da Corteva, oferecem, combinadas, resistência a três herbicidas: glifosato, glufosinato e o 2,4 D.
“Ninguém tem essa combinação de cinco e principalmente, ninguém tem a mesotriona”, acrescenta o diretor. Passos acrescentou que hoje, grande parte do controle dessas pragas depende de aplicações prévias ao plantio, por que uma vez que a planta já emergiu, as opções de controle diminuem por conta das resistências.
Nisso, a Intacta 5+ tenta desmontar essa limitação. Na proteção contra as lagartas, a Bayer adicionou duas proteínas inéditas que se somam às três já presentes na Intacta 2 Xtend. Aqui, a lógica da piramidação se repete, com proteínas acumuladas para os mesmos alvos.
“É difícil uma lagarta ficar resistente a cinco proteínas”, diz Passos. Ele explica que cada proteína tem um modo de atuação diferente no sistema digestivo da praga, atacando vias metabólicas distintas.
Se uma não funciona, outra funciona, e o resultado, diz ele, é uma barreira mais robusta, que protege a tecnologia e reduz o risco de ruptura prematura.
O evento em Paulínia foi montado para mostrar esse ponto em escala. Além da grande quantidade de clientes e parceiros, que se dividiu em três dias de evento, foi montada uma apresentação e um pequeno tour por quatro estações com especialistas da empresa.
Uma estação, por exemplo, simulava as perdas de potenciais por densidade de ervas daninhas. Duas plantas de capim-amargoso por metro quadrado, por exemplo, equivalem a até 22 sacas perdidas por hectare. Três plantas de vassourinha de botão a até 14, e o caruru, chega a causar reduções equivalentes a 14,6 sacas.
Fábio Passos acrescentou que a ideia da nova biotecnologia é criar uma flexibilidade no manejo para cada produtor. O agricultor poderá combinar diferentes ativos conforme o perfil das daninhas de sua região, algo que, segundo ele, é raro em biotecnologias anteriores.
Se o talhão tiver, por exemplo, predominância de daninhas com folhas largas, o dicamba e o 2,4-D seguem relevantes, fazendo com que o produtor não precise comprar por exemplo a mesotriona.
Já se o problema for folha estreita (como pé-de-galinha e capim-amargoso), a mesotriona e o glufosinato ganham peso. “Esse é o grande valor da plataforma: você pode usar os produtos de acordo com o que você tiver de problema”.
Outro diferencial da Intacta 5+ está no processo de elaboração. Depois de anos conduzindo cruzamentos iniciais em Porto Rico, usando “doadores” de cultivares temperadas dos Estados Unidos junto de cultivares brasileiros, a Bayer migrou esse desenvolvimento para sua base em Petrolina (PE).
Por lá, o centro de pesquisa de linhagens tropicais opera em estufas com três safras por ano. Fábio Passos conta que, com doadores já tropicais, adaptados às condições brasileiras, a etapa agronômica não precisa mais passar por longas fases de seleção para adequar plantas de maturação incompatível com o clima local.
Esse “redesenho metodológico” foi batizado internamente de YieldBoost, e nos cálculos da Bayer, consegue encurtar em dois anos o tempo necessário para gerar as primeiras variedades comerciais, além de testar quinze vezes mais linhagens do que antes.
A meta é chegar ao lançamento comercial com até uma centena de variedades adaptadas às principais regiões produtoras.
A empresa não entra no detalhe do quanto investiu para colocar a Intacta 5+ de pé, mas afirma que, no ano passado, foram investidos 2,6 bilhões de euros (R$ 16 bilhões pela cotação atual) na área agrícola da empresa globalmente.
Por produto, a Bayer estima algo em torno de 150 milhões de euros e 200 milhões de euros. Na apresentação final do dia, Márcio Santos ressaltou que grande parte desses recursos são destinados à operação brasileira. Segundo ele, isso se deve a um “ambiente institucional estável” e à capacidade produtiva do País.
“Uma parcela muito significativa desses investimentos vem pra cá. Isso se deve pois, dos 50 países do planeta que plantam soja numa escala razoável, a maioria é convencional, uma outra parcela parou no RR e outras seguiram nas seguintes. Mas Intacta 5+ somos só nós”, disse Santos.
“O Brasil criou em 50 anos um ambiente de negócios seguro, ambiente institucional bom, com agências reguladoras, Embrapa, CTNBio, um sistema judiciário que, reclamamos mas funciona e leis de financiamento”, acrescentou o CEO da Bayer no País.
Resumo
- Bayer apresentou a Intacta 5+, quarta geração da soja transgênica, com cinco proteínas contra lagartas e tolerância a cinco herbicidas incluindo a mesotriona, inédita para a cultura da soja
- A tecnologia deve chegar ao mercado entre 2028 e 2029, após testes ampliados com parceiros como TMG, Caraíba e GDM e a depender da aprovação dos importadores da soja brasileira
- O pacote combina piramidação de proteínas e herbicidas, manejo mais flexível, controle reforçado de daninhas resistentes e um desenvolvimento tropical, encurtando o caminho até dezenas de variedades comerciais adaptadas ao País