Fluente em espanhol e inglês, Andrey Zarur “aprendeu” português de um jeito bastante improvável: gritando com brasileiros num campo de futebol.

Durante o período em que estudou no MIT, nos Estados Unidos, praticava o esporte e era o goleiro de um time formado por uma zaga de brasileiros. O convívio o ensinou a pedir marcação, reclamar de erros e, claro, a dominar um vocabulário informal, mas natural naquele ambiente. “Aprendi todas as bad words”, contou, rindo.

Anos depois, a necessidade de aprender português voltou a fazer parte, como nunca, do trabalho. À frente da agtech americana GreenLight Biosciences, fundada por ele mesmo em 2008, Zarur tem reforçado o aprendizado do idioma porque o Brasil se tornou o principal mercado da companhia. E o centro da expansão global do negócio, pelo menos nos próximos anos.

A empresa de biotecnologia com foco em soluções baseadas em RNA submeteu recentemente às autoridades brasileiras (Ministério da Agricultura e Pecuária, Anvisa e Ibama) o primeiro fungicida à base de RNA pulverizável do mercado agrícola nacional.

A tecnologia foi desenvolvida para o controle do oídio, praga conhecida pelos viticultores, mercado que a empresa pretende conquistar com mais força num primeiro momento.

A companhia vem ampliando sua presença no Brasil desde que recebeu, no início deste ano, um aporte de US$ 25 milhões da Just Climate, gestora ligada à Generation Investment Management, fundada por Al Gore.

Desde antes da submissão do novo produto, a GreenLight Biosciences já atuava no País com o Fortivance, um adjuvante potencializador de inseticidas utilizado em lavouras de milho, soja, citros e cacau.

Hoje, cerca de 80% das vendas globais desse produto estão concentradas no Brasil, segundo Zarur, que classifica o País como o epicentro das operações nos próximos três anos. Já são cerca de 1 milhão de hectares que tiveram o FortiVance aplicado por aqui.

“Estamos trabalhando lado a lado com a Embrapa, o Mapa e produtores em todas as regiões. O Brasil é extremamente importante para nós”, afirmou Zarur, CEO da empresa em entrevista ao AgFeed.

O executivo diz que, enquanto o Fortivance já é produzido localmente, o fungicida de RNA poderá ter fabricação inicial nos Estados Unidos, com planos de transferência futura para o Brasil.

A escolha das uvas como primeiro mercado a ser desbravado com o novo produto não se deu por acaso. O oídio, causado pelo fungo Uncinula necator, é, segundo o CEO da agtech, um dos principais desafios da viticultura mundial e está presente em praticamente todas as regiões produtoras do País, do Vale do São Francisco (nos estados da Bahia e Pernambuco) ao Rio Grande do Sul, onde se concentram os vinhedos voltados à produção de vinho e espumante.

Segundo a Embrapa, o Brasil tem cerca de 75 mil hectares plantados com videiras, numa produção anual próxima de 1,6 milhão de toneladas de uvas. Desse total, metade é voltada ao consumo in natura (uvas de mesa) e metade ao processamento industrial.

Zarur explica que a escolha da uva como primeira cultura se deve à alta exigência dos mercados consumidores e às restrições de uso de químicos.

Ele explica que as uvas de mesa passam por pouco processamento, o que torna o controle de resíduos fundamental. Nos vinhos, há o risco de interferência no processo de fermentação.

Além das uvas, o mesmo fungo também afeta culturas como tomate, pepino, café e cacau, o que, segundo Zarur, abre caminho para a expansão do rótulo a outras lavouras nos próximos anos.

O produto apresentado ao governo brasileiro foi testado em diferentes regiões, incluindo o Vale do São Francisco, e alcançou níveis de controle iguais ou superiores aos dos fungicidas químicos convencionais, mesmo em doses reduzidas, segundo estimativas da própria empresa.

A tecnologia de RNAi, utilizada pela GreenLight, é baseada em um processo natural de interferência no RNA de pragas ou patógenos, impedindo sua reprodução.

Ao mesmo tempo, a molécula se degrada rapidamente no ambiente e não deixa resíduos, reduzindo o risco de impacto sobre organismos não-alvo.

Embora o produto seja fruto de uma plataforma biotecnológica, não é classificado como organismo geneticamente modificado (OGM). Na prática, a solução não altera o código genético de plantas ou outros seres vivos, portanto não é um transgênico.

“Os patógenos fúngicos são responsáveis por grande parte das pragas de plantações, além de causarem um grande impacto no meio ambiente. Pensando no uso de pesticidas químicos, os fungicidas são a maior categoria em quilogramas por hectare utilizados. O nosso produto representa um verdadeiro avanço nas ferramentas para esse controle”, disse.

Zarur estima que o novo fungicida possa ser aprovado em até 12 meses, dependendo do ritmo do processo regulatório. “Esperamos que seja menos, mas consideramos esse prazo para fins de planejamento”, afirmou.

Enquanto isso, a empresa avança em novos pedidos de registro no Chile e na Argentina, países que o executivo visitou recentemente. A ideia é que o Brasil se transforme numa espécie de plataforma de exportação da biotecnologia e, a partir da operação nacional, que já conta hoje com uma equipe técnica e representantes comerciais, expandir para terras vizinhas.

Além disso, a companhia vislumbra desembarcar na Europa, em regiões como Itália, Espanha e sul da França, também afetadas pelo oídio. Por lá, a empresa também aguarda aprovação das autoridades locais.

Hoje, o portfólio global da GreenLight Biosciences combina diferentes frentes de atuação. Outro produto de destaque para além do FortiVance é o Calantha, também baseado em RNA e utilizado nos Estados Unidos para o controle do besouro-da-batata-do-Colorado, uma praga predominante na América do Norte e na Europa.

“O Brasil, por exemplo, cultiva batatas, mas essa praga não representa uma ameaça tão grande quanto nos Estados Unidos. O Brasil pode ser eventualmente um mercado para o Calantha, mas esperamos que esse besouro não chegue ao Brasil na mesma proporção que chegou em outras regiões”, disse.

No horizonte, o Brasil seguirá como base estratégica. Zarur afirma que o país será o centro das operações globais por pelo menos os próximos 40 meses e que a estrutura local tende a ganhar novas funções de pesquisa e desenvolvimento.

A escolha não se deve apenas ao tamanho do mercado agrícola nacional, mas também pela forma com que as autoridades lidam com a regulação de novas tecnologias biológicas, segundo Zarur.

“O Mapa adotou a postura de ser tão rápido e ter a mesma mentalidade científica de quem inova. Na maioria dos lugares do mundo, as autoridades reguladoras estão muito atrás das pessoas que estão inovando”, disse o executivo.

Zarur cita o exemplo de outros países da América Latina, onde autoridades já o procuraram para entender como desbravar esses ritos. “No México, me pediram ajuda para criar um novo processo de aprovação. Eu disse: não precisa reinventar a roda. Mandem algumas pessoas ao Brasil, conversem com o pessoal do Mapa e copiem a estrutura. É simples”, afirmou.

Resumo

  • A GreenLight Biosciences submeteu ao Mapa, Anvisa e Ibama o primeiro fungicida à base de RNA pulverizável do país, desenvolvido para combater o oídio nas uvas
  • O Brasil já responde por 80% das vendas globais de um de seus principais produtos, o FortiVance, adjuvante usado em 1 milhão de hectares por aqui
  • Fundada em 2008 por Andrey Zarur, a agtech mira transformar o Brasil em plataforma de exportação de biotecnologia para o restante do continente