Na pauta das discussões climáticas e dos riscos que elas impõem a governos, empresas, populações e produtores rurais, há um tema que sempre ronda, mas costuma ficar eclipsado pelas estratégias de adaptação e mitigação: o papel do seguro como facilitador da tomada de crédito para transformar a produção no campo.

Um relatório produzido pela corretora global de seguros Howden, em parceria com a consultoria BCG e Climate High-Level Champions, aponta que a agricultura regenerativa no Cerrado, berço produtivo do País, pode destravar até US$ 55 bilhões em investimentos até 2050.

Mais de 80% desse capital, porém, depende de financiamento privado. E é justamente aqui que o mercado segurador ganha relevância: junto com empréstimos e investimentos, pois, segundo a Howden, os seguros são um dos pilares para viabilizar – e destravar – o financiamento climático.

“Com as soluções corretas implementadas, seguros não serão vistos como um custo, mas como um catalisador, apoiando financiadores e formuladores de políticas, bem como o setor privado em geral, na promoção de uma transição inclusiva e resiliente”, afirma Dan Ioschpe, campeão do clima da COP 30.

Segundo a Howden, cada US$ 1 pago em prêmio pode destravar de US$ 3 a US$ 10 em empréstimos adicionais, ampliando a capacidade de financiamento ao reduzir o risco para credores.

No Cerrado, a modelagem de portfólio indica aumento de 20% a 40% no crédito disponível quando há seguro, um salto que redefine o ritmo das transições agroambientais.

Além de facilitar a tomada de crédito, o seguro ganha ainda mais força na medida que até mesmo países como o Brasil, historicamente vistos como pouco expostos a catástrofes naturais, passam agora a ser considerados territórios sujeitos a eventos extremos.

“O Brasil não era catastrófico. Agora é. A pergunta não é mais se vai acontecer outro grande evento climático. É quando vai acontecer”, avalia Antônio Jorge Rodrigues, head de resseguro da Howden Re Brasil, em entrevista ao AgFeed.

Rodrigues lembra que os marcos dessa virada são recentes. A seca de 2021/2022 provocou o primeiro colapso sistêmico do seguro agrícola no País, com sinistralidade chegando a 800% em algumas seguradoras.

Depois vieram as enchentes de maio de 2024 no Rio Grande do Sul, que alagaram uma área maior do que a atingida pelo furacão Katrina, que ocorreu em 2005 nos Estados Unidos, só que em um país em que a penetração de seguros é incomparavelmente menor.

“Foi uma tempestade perfeita. Os contratos de resseguro não estavam preparados, os modelos não previam e o mercado tomou um prejuízo enorme”, afirma.

O relatório mostra que esse cenário limita diretamente a capacidade de financiar a agricultura regenerativa. Hoje, apenas 7% do financiamento climático global chega aos sistemas agroalimentares e menos de 20% desse valor alcança pequenos produtores, atores centrais da transição.

Na América Latina, 65% deles não têm acesso a crédito, segundo a Howden. E quem adota práticas regenerativas costuma enfrentar perda de rentabilidade de 15% a 25% nos primeiros anos, aumentando o risco de inadimplência.

A dificuldade não é exclusiva da região. Um outro estudo da Howden, encomendado pelo Banco Europeu de Investimento, estima que as perdas agrícolas por eventos climáticos já chegam a 28 bilhões de euros por ano na União Europeia, valor que pode subir a 40 bilhões de euros até 2050.

Para Rodrigues, nesse contexto, o mercado segurador tende a acelerar o desenvolvimento de projetos sob medida para produtores, em vez de depender de produtos padronizados, que não conseguem capturar a diversidade de riscos no campo.

“Produto, ainda mais no mercado segurador, é fechado, replicável, padrão. Mas projetos específicos conseguem atender melhor determinadas variáveis”, diz.

O relatório cita um caso concreto: um programa lançado pela Nespresso na Colômbia, em parceria com a Blue Marble e a Seguros Bolívar, que protege mais de 27 mil cafeicultores de pequeno porte.

A iniciativa oferece seguro climático paramétrico sob medida para esses cafeicultores, protegendo-os de secas e chuvas excessivas e permitindo que continuem investindo em práticas regenerativas mesmo em anos adversos.

Resumo

  • Relatório da Howden indica que cada US$ 1 pago em seguro pode liberar de US$ 3 a US$ 10 em crédito para financiar agricultura regenerativa
  • O Cerrado pode mobilizar até US$ 55 bilhões em investimentos sustentáveis até 2050, com o seguro reduzindo riscos para credores
  • Eventos climáticos extremos reforçam a urgência de seguros sob medida, como o modelo paramétrico que já protege milhares de produtores