Belém (PA) - Destravar o financiamento a ações que possam combater o avanço das mudanças climáticas é um dos principais nós que os negociadores climáticos querem desatar ao longo da COP 30, a conferência do clima da ONU que está sendo realizada em Belém.
Nesse contexto, o chairman e CEO global da multinacional indiana de defensivos agrícolas UPL, Jai Shroff, desembarcou na cidade amazônica, ainda na véspera do início da conferência da ONU, com uma bandeira em linha com o que está sendo discutido na conferência da ONU.
A ideia de Shroff é de que, sem criar incentivos financeiros para produtores que adotam práticas regenerativas, o mundo não vai conseguir entregar a redução de emissões de gases do efeito estufa que tanto discute.
“Todo agricultor do mundo pode reduzir suas emissões em 10%, com tecnologia e incentivo. Isso representaria uma queda de 3% nas emissões globais. É enorme. O mundo incentiva energia solar, energia eólica, a transição energética. Por que não recompensa também os agricultores?”, questionou Shroff, em entrevista ao AgFeed nos bastidores da COP 30 nesta segunda-feira, 10 de dezembro.
Quem escuta o executivo pode até pensar que ele fala em nome de um think tank climático – e não de uma gigante global de insumos. Mas Shroff é, na verdade, um “veterano” de COPs: antes de participar da conferência de Belém, o executivo esteve nas edições de Glasgow (COP 26), no Egito (COP 27) e em Dubai (COP 28).
E, ao longo desse percurso, percebeu uma mudança gradual no peso da agricultura. “Em Glasgow, havia pouca discussão sobre agricultura. Mais tarde, já em Dubai, recebemos muito mais atenção. E agora, em Belém, estamos no melhor local para isso, porque o Brasil é um país da agricultura.”
Apesar desse avanço, Shroff avaliou que a participação do setor nas conferências ainda é pequena.
E essa afirmação faz sentido, afinal, Shroff era provavelmente o único CEO global de uma multinacional do agro na abertura da COP 30. A presença de representantes do setor produtivo na blue zone – área restrita a negociadores e veículos de imprensa como o AgFeed – era praticamente nula e nem mesmo o Ministério da Agricultura e Pecuária apresentou uma agenda para os próximos dias que chamasse a atenção.
Mas, mesmo assim, ao longo das conferências que participou, o CEO da UPL foi percebendo que a agricultura tem ganho mais peso.
“Como empresa, nós acreditamos que a agricultura deve ser um dos pilares clássicos para as próximas COPs”, disse. “Acho que temos que mostrar que todos os agricultores do mundo podem reduzir suas emissões em 10%, o que é muito. Devemos ter uma comparação justa de recompensas, uma comparação justa de reconhecimento.”
Ele compara o momento da agricultura ao início da eletrificação automotiva. “É como os carros. Há 10 anos, ninguém pensou que os carros seriam elétricos. Hoje, pelo menos 25% dos carros do mundo vão se tornar EV ou estão se tornando EV.”
O discurso se conecta à estratégia da UPL na última década, voltada a tecnologias de resiliência agrícola.
“A resiliência agrícola está diretamente ligada à agricultura regenerativa. Quando o produtor é mais resiliente, ele tem inclusão financeira, consegue se desenvolver e investir. É um ciclo virtuoso”, afirmou Shroff.
Além disso, a empresa anunciou há alguns anos que pretende, até 2027, dividir sua receita em 50% de produtos químicos tradicionais e 50% em produtos considerados "sustentáveis", como biodefensivos por exemplo, e tem como meta reduzir as emissões de carbono da empresa em mais de 60% até 2035, sendo carbono neutro até 2040.
Para cumprir seus objetivos, o executivo reforçou que a UPL direciona “centenas de milhões de dólares” – sem dizer exatamente qual cifra – para pesquisa e desenvolvimento em centros espalhados pelo mundo.
O foco, segundo Shroff, é testar tecnologias que auxiliem os agricultores a enfrentar eventos cada vez mais comuns: calor excessivo, altíssima variabilidade de chuvas e riscos produtivos intensificados pelas mudanças climáticas.
Mas a adoção dessas tecnologias também é um desafio para a companhia indiana. “Os agricultores são muito conservadores. Eles precisam ver a tecnologia funcionando por um ou dois anos, em pequenas partes de sua área. É difícil convencer os agricultores. Nós acreditamos que nossa tecnologia vai reduzir o risco”, afirmou Shroff.
E o cenário macroeconômico também não ajuda muito, emendou o executivo, lembrando que o mercado de defensivos vive “um monte de desafios”, que vão desde garantir as compras da próxima safra ao futuro da agricultura como um todo frente às mudanças climáticas.
“Os preços de commodities não são tão fortes e isso traz um monte de pressão nos agricultores. Os preços de interesse, particularmente no Brasil, são muito altos. Eu acho que isso também está causando um monte de estresse, porque no Brasil funciona um grande sistema em torno disso”, afirma.
E acima de todos esses desafios, ele mencionou a mudança climática. “Em todo o mundo, eu acho que a mudança climática também está impactando a resiliência dos agricultores. Também, se você pagou dinheiro de uma banca, você tem uma floresta ou uma chuva, você sabe, a banca da próxima vez não te dá dinheiro, isso está causando um monte de estresse.”
Mesmo com esse contexto recheado de dificuldades, o executivo acredita que o ano fiscal de 2025 – que se encerra em março de 2026 – deve se encerrar de forma mais positiva para a empresa em nível global.
No ano fiscal encerrado em março de 2025, o faturamento da UPL atingiu 466,4 bilhões de rúpias indianas, o equivalente a US$ 5,3 bilhões na cotação atual, alta de 8%.
“A segunda metade do ano representa um mercado maior para a gente. Acreditamos que estamos em uma boa posição, e esperamos que o nosso negócio cresça mais do que no ano passado. Claro que existem desafios, e não é fácil, mas acredito que vamos continuar a crescer”, afirmou Shroff.
A leitura sobre o Brasil foi complementada por Rogério Castro, CEO da UPL no país, que acompanhou a entrevista. A UPL é a quarta maior empresa de defensivos agrícolas no mercado nacional.
O líder da operação nacional destacou que o país enfrenta uma combinação delicada de juros elevados, forte restrição de crédito e commodities abaixo do esperado, mas que, ainda assim, o ambiente melhorou.
Apesar de não abrir os números, ele estimou que o ano de 2025 será melhor que o de 2024 para a companhia também no mercado brasileiro.
“O mercado como um todo está um pouco mais positivo do que no ano passado”, disse. “Estamos acompanhando a guidance global, e o mercado local está melhor, apesar das dificuldades.”
Da COP, Shroff acredita que vai ficar um legado para o setor de que o agro vai precisar de mais inovação – e de mais estímulo financeiro – para acelerar sua transição climática.
“Com um pouco de encorajamento dos governos, do sistema alimentar e dos agricultores, muitas empresas vão investir bilhões de dólares por ano. Como aconteceu com a Tesla, com a energia solar, com a energia eólica. A produtividade e o impacto aumentaram muito. E acreditamos que a agricultura pode fazer o mesmo.”
Resumo
- CEO global da UPL, Jai Shroff, defende a necessidade de incentivos financeiros para produtores adotarem práticas regenerativas
- Ele afirmou que agricultores podem reduzir 10% de suas emissões com tecnologia e estímulos e comparou a inserção da agricultura regenerativa ao início da eletrificação dos carros
- Mesmo com juros altos, crédito restrito e preços mais baixos de commodities, a UPL projeta 2025 mais positivo tanto na operação global quanto na brasileira