A ousadia de produtores rurais que migraram do Sul para Mato Grosso, construindo um oceano de soja e milho na região, agora reflete também na industrialização dos grãos.

No município de Nova Marilândia, a 250 km de Cuiabá, está operando desde o início de 2021 uma usina de etanol de milho da ALD, que surgiu praticamente junto com o período de expansão das gigantes Inpasa e FS.

O grupo nasceu de uma cooperativa que reunia 24 produtores rurais, principalmente da chamada Chapada dos Parecis, considerada a maior área contínua de grãos do mundo.

Para construir a usina, foi criada uma Sociedade Anônima, a ALD Bionergia Deciolândia S/A, inspirada em “álcool Deciolândia”, que é o nome do vilarejo onde se instalaram os produtores fundadores na chegada ao estado.

“A ALD Bioenergia é a primeira planta de etanol de milho que nasceu dentro de um conceito de associação de produtores aqui da região, self-made, que chegaram há 35, 40 anos no Mato Grosso e se estabeleceram. Foram muito competentes na área agrícola, mas queriam entrar no segmento industrial, investir em verticalização, principalmente no milho”, conta Marco Orozimbo, diretor executivo da empresa, em entrevista exclusiva ao AgFeed.

Quando começou, a usina da ALD tinha capacidade para processar 750 toneladas de milho por dia. Pouco tempo depois, passou para 1 mil toneladas/dia. O projeto inicial, segundo Orozimbo, custou R$ 150 milhões, sendo que dois terços foram financiados com capital dos próprios produtores.

Agora o grupo planeja dar um passo bem mais ousado. No ano passado, a ALD anunciou ao mercado sua intenção de triplicar a produção de etanol, expandindo a indústria para uma capacidade de 3 mil toneladas/dia.

Por enquanto, foram feitos apenas os estudos técnicos e processos burocráticos, mas a previsão é iniciar a obra em janeiro de 2026.

O executivo disse ao AgFeed que já está praticamente aprovado junto ao BNDES um financiamento para custear 80% do investimento estimado em R$ 800 milhões para a expansão da planta. São recursos do Fundo Clima, com prazo de 12 anos para pagar. O sinal verde é fundamental para acelerar a construção.

A produção de etanol passará de 150 mil metros cúbicos para 500 mil. Com isso, o consumo de milho subirá de 350 mil para 1 milhão de toneladas por ano. Na planta inicial a tecnologia era de uma empresa americana. Já nesta fase de expansão a ALD fechou acordo com a empresa indiana Praj.

“Hoje nossos acionistas produzem o dobro da quantidade de milho que a ALD consome. Mesmo com a planta expandida, o fornecimento dos associados vai representar próximo a 70% do consumo da usina”, explicou o diretor.

Essa é uma das vantagens da ALD. Os projetos de novas plantas de etanol vêm se multiplicando no País, especialmente em Mato Grosso.

Entre os desafios, para quase todos eles, está a originação de milho (com preços compatíveis para garantir uma boa margem na indústria) e também a oferta de biomassa, que faz as caldeiras funcionarem.

Orozimbo garante que também não tem preocupação com escassez de biomassa.

“A ALD usa hoje biomassa de madeira de reflorestamento, basicamente eucalipto, que é muito abundante aqui na região de Deciolândia e dos Parecis. A gente não tem floresta própria, mas o entorno da planta tem uma oferta muito grande de cavaco de madeira, de produtores que já trabalham com reflorestamento e vendem para as indústrias”, disse.

Segundo ele, já há contratos firmados com garantia de fornecimento de biomassa para os próximos dois anos.

“Alguns dos nossos acionistas já começaram a plantar floresta de eucalipto em áreas marginais, que não competem com a agricultura, justamente para ter biomassa própria no futuro. É um investimento que faz sentido, porque o consumo de biomassa na região só tende a crescer.”

A ALD diz que também fez testes para utilizar 20% de palha de milho, com bons resultados. Além do cavado de madeira, também é usado bagaço de cana como fonte de biomassa.

Estratégia para competir

A empresa observa o movimento crescente para a construção de novas usinas de etanol de milho em Mato Grosso, mas garante que possui bons diferenciais competitivos, o que deve ser potencializado com a expansão da produção.

“A forma de competir com as grandes é sendo muito eficiente e tendo um custo de produção muito competitivo. A gente não tem a mesma escala de uma FS, por exemplo, mas temos um modelo muito enxuto, com governança direta dos acionistas e decisões rápidas. O nosso custo logístico é muito menor, porque estamos no meio da produção. O milho está aqui do lado, a biomassa está aqui do lado, e isso faz toda a diferença”, ressalta Orozimbo.

Ele diz que o fato de ter “o produtor como dono” permite “um alinhamento total” entre os interesses de quem planta e quem industrializa, trazendo competitividade. Não daria para competir no tamanho, mas é possível ter mais margem e mais agilidade, na visão dele.

A ALD, por outro lado, mesmo pertencendo a produtores, já possui conselho de administração e três diretores executivos.

O projeto de expansão busca ganho de escala para tentar diluir ainda mais os custos fixos e seguir competindo com os gigantes do setor. Marco Orozimbo defende que 3 mil toneladas/dia é o “módulo mínimo competitivo” no novo cenário do setor.

Atualmente, o etanol produzido pela ALD é vendido em Mato Grosso e também para a região Sudeste, via logística rodoviária. O plano da empresa, quando tiver expandido a produção, é passar a usar um sistema multimodal, que inclua a ferrovia.

“A gente está numa localização muito estratégica, próxima da Ferronorte. A tendência é que, com a expansão, a ALD passe a usar a ferrovia tanto para etanol quanto para DDG”, mencionou.

Orozimbo acredita que, aos poucos, o Brasil está avançando em competitividade para um dia chegar próximo do modelo norte-americano, “que está 20 anos a frente”, com a ferrovia chegando dentro das plantas e o DDG escoando direto para os confinamentos.

Como os demais empresários do setor, o executivo da ALD está confiante no avanço do percentual de mistura do etanol à gasolina e na demanda por produtos como SAF (biocombustível avançado de aviação) e biobunker, usado no transporte marítimo.

Enquanto espera o sinal verde do BNDES, a empresa segue mantendo bons níveis de crescimento.

O faturamento em 2025, segundo o diretor, deve alcançar R$ 500 milhões. No ano anterior, foi de R$ 410 milhões e em 2023 a receita da empresa era de R$ 317 milhões.

Quando conseguir triplicar a produção atual, a ALD projeta um faturamento de pelo menos R$ 1,5 bilhão.

Para o futuro, ideias como abrir capital ou ter novos sócios não estão descartadas, segundo o diretor executivo.

“Hoje o nosso foco está em consolidar a operação e entregar a expansão. Mas é claro que, no futuro, a empresa pode avaliar a entrada de um novo sócio estratégico ou até um IPO. Isso vai depender do apetite dos acionistas e das condições de mercado”, afirmou.

Orozimbo ressaltou, no entanto, que o grupo não abrirá mão de manter os produtores rurais como acionistas majoritários. Por ora, garante que o foco é seguir melhorando a governança que já inclui, por exemplo, relatórios regulares de sustentabilidade, um tema que também é considerado prioritário na empresa.

Resumo

  • Criada por 24 produtores rurais, a ALD Bioenergia aguarda aprovação de crédito do BNDES para financiar 80% da expansão de sua usina
  • A capacidade de processamento passará de 1 mil para 3 mil toneladas/dia de milho, elevando o faturamento anual estimado para R$ 1,5 bilhão.
  • Com modelo enxuto e integração entre produtores e indústria, a empresa aposta em eficiência, baixo custo logístico e governança sólida

Marco Orozimbo, diretor executivo da ALD Bioenergia