Há pouco mais de dois meses para o fim de 2025, o setor sucroenergético ainda não encontrou motivos para celebrar. Ainda se recuperando no lado agronômico, depois de uma safra de clima adverso e de incêndios que queimaram milhares de hectares de canaviais, empresas e produtores encaram agora as agruras de um mercado desfavorável, ao mesmo tempo, para seus dois produtos principais: açúcar e etanol.
Os preços do adoçante, por exemplo, caminham para fechar o ano com um recorde negativo. Nesta sexta-feira, 24 de outubro, as cotações internacionais da commodity caíram mais de 2%, fazendo com que a baixa acumulada em 2025 supere 20%.
Trata-se da maior perda anual desde 2018, quando os valores caíram em média 15%, trazendo impactos diretos para os principais grupos do setor.
Na Bolsa, as ações das principais empresas do ramo – que já sofriam pressões por conta das quebras de safra ou por números ruins em seus balanços – tiveram mais um fator a puxá-las para baixo.
Com isso, já mostram quedas volumosas no ano. A maior dentre elas, a Raízen, já perdeu 55,56% do valor de mercado, conforme a Economatica. Boa parte da queda se dá em função do elevado endividamento, mas a perspectiva ruim do mercado de açúcar e etanol não ajuda a mudar o quadro.
No começo de outubro, o papel da companhia sucroalcooleira chegou ao seu valor mínimo histórico, de R$ 0,84.
Já a Jalles Machado, afetada também pelo tarifaço americano, amarga uma desvalorização de 42,46%. A São Martinho, por sua vez, teve retrocesso de 34,67% do início do ano até 23 de outubro.
Depois de, no ano passado, sustentar valores rentáveis no mercado internacional, o açúcar este ano não tem contribuído para gerar margem às empresas.
Uma junção de fatores nacionais e internacionais têm puxado o preço do produto para baixo. O mais relevante deles, no Brasil, tem a ver com o milho.
Desde o início da década passada, o Brasil passou a usar o grão na produção de etanol combustível. Na última safra, a oferta do biocombustível de milho pelas usinas cresceu 32,4% frente ao ciclo 2023/2024, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Do total de etanol produzido no país, 23% já vêm do milho e esse percentual deve saltar para 32% no ano que vem, de acordo com a StoneX.
Esse novo componente mexeu com uma tradicional prática do setor sucroenergético. Historicamente, as usinas que processam cana costumam alternar entre produzir mais açúcar ou álcool, dando prioridade para o mix mais lucrativo no momento. Assim, conseguiam montar estratégias para buscar maior rentabilidade.
Essa calibragem, entretanto, tem surtido menos efeito a partir do aumento de oferta do etanol de milho, sobretudo quando os preços do açúcar estão em baixa em silutâneo com os do biocombustível.
“A decisão das empresas não se baseia no preço isolado do açúcar, ou do etanol, mas sim em qual dos dois produtos oferece a melhor margem de lucro no momento da decisão”, explica Fabio Louzada, economista, especialista em investimentos e fundador da Faculdade Brasileira de Negócios e Finanças.
“O preço do etanol hidratado no mercado doméstico está ainda menos atraente ou mais pressionado do que o açúcar destinado à exportação”, diz ele.
Essa é a mesma análise que faz o Itaú BBA, em relatório para investidores. “A gasolina internacional, em reais, está caindo, e isso é um indicativo de que os preços domésticos podem ser ajustados para baixo”, publicou o banco, no começo do mês.
Foi o que aconteceu. Na quarta-feira, 21 de outubro, o preço da gasolina foi descontado em 4,9% nas refinarias da Petrobras.
“Como o etanol compete diretamente com a gasolina nas bombas, ele perde competitividade, forçando as usinas a aceitarem preços mais baixos por ele”, acrescenta o economista.
Desta maneira, a opção das usinas tem sido pela alocação de cana para a produção de açúcar. E o chamado mix açucareiro, assim, atingiu um recorde histórico em setembro passado: 52,9% de toda planta colhida foi usada para a produção do adoçante, segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica).
O resultado dessa decisão é o crescimento da oferta de açúcar no mercado. A produção acumulada desde o início da safra até 1º de outubro chegou a 33,52 milhões de toneladas, contra 33,24 milhões de toneladas do mesmo período no ciclo anterior, de acordo com a Unica.
Assim, as usinas devem chegar a uma produção recorde de 43 milhões de toneladas de açúcar no ano que vem, avanço de 4,6% em relação à colheita anterior, segundo a Datagro. E, claro, com mais açúcar no mercado, os preços caem.
Para piorar a equação, há problemas também do lado do consumo interno. “A demanda interna não tem mostrado sinais de aquecimento”, diz o último boletim do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP).
O boletim ainda diz que há “queda nas vendas de produtos à base de açúcar no varejo” brasileiro.
Fatores internacionais
Além disso, o preço internacional do petróleo influencia também o do açúcar. Quando o valor do barril cai, isso afeta proporcionalmente o etanol, levando usinas a destinarem menos cana à produção de biocombustível e mais para a de açúcar.
Como desde janeiro o valor do barril do tipo Brent caiu de US$ 76,76 para US$ 65,98, é isso que tem acontecido.
A questão é que isso ocorre em um momento em que a produção de açúcar vem subindo também em outros países. Na Índia, segundo maior produtor mundial do produto, a perspectiva é de que a produção cresça 19% em 2025/2026, para 34,9 milhões de toneladas, após uma forte retração de 17,5% em 2024/2-25, segundo a Associação Indiana de Usinas de Açúcar (ISMA).
A esperança de melhora nos preços vem de um aumento das compras pela China e pelas refinarias do Oriente Médio, segundo o Itaú BBA. “Com um balanço interno mais apertado, a China acelerou suas importações diante da retração nos preços”, publicou o banco.
Os chineses também são grandes produtores de açúcar. O problema foi que, mesmo chegando a uma produção de 11,16 milhões de toneladas no ano passado, a produtividade foi ligeiramente inferior à da safra anterior.
Para suprir esse déficit, a solução foi recorrer aos produtores brasileiro – mesmo que momentaneamente. Por enquanto, porém, isso ainda não foi suficiente para mudar o clima do setor.
Resumo
- Açúcar acumula queda de mais de 20% em 2025 — pior resultado desde 2018 — e o etanol segue desvalorizado
- Crescimento do etanol de milho (23% da oferta nacional) altera o mix de cana e reduz rentabilidade das usinas
- Alta oferta no Brasil e Índia, petróleo em baixa e consumo fraco ajudam a mantr o setor sucroenergético sob forte aperto