A rotina é a mesma há gerações. Centenas de cabeças de gado cruzam o Pantanal sul-mato-grossense por até 12 dias guiadas por peões das comitivas. Neste caso, saem da região de Nhecolândia (MS), no oeste, e têm como destino Campo Grande (MS).

Assim, no habitat original, se alimentam no trajeto de pastagem orgânica e se hidratam em aguadas abundantes da região. A partir do segundo dia, já estão acostumados à rotina e não perdem peso durante o percurso feito majoritariamente por dentro de outras fazendas pantaneiras.

Quando chegam aos chamados corredores de saída do Pantanal, onde o solo encharcado e arenoso começa a escassear e a dar lugar ao pedregoso, os cascos dos animais mandam recados de que é hora de embarcá-los. A partir daí, até o abate na capital do estado, o trajeto é feito em caminhões.

Na ponta final da cadeia, um contraponto ao modelo ancestral de pecuária. Cada vez mais os cortes e produtos processados oriundos desses animais, todos orgânicos e certificados, são comercializados em redes de nicho de varejo e até por sistemas de e-commerce como os da Shopper.

Por trás dessa operação está Leonardo Leite de Barros. Quarta geração de pecuaristas pantaneiros, cujos antepassados pioneiros da introdução da pecuária na região, ele é o CEO da Bio Carnes Pantanal Beef, empresa com 28 anos especializada na produção de carnes orgânicas.

“O Pantanal, tem uma vocação natural para a produção sustentável e uma das explicações para isso é geográfica. O homem não precisou suprimir a vegetação para dar de comer ao gado, pois lá tem pastagens nativas e de alta qualidade”, explicou Barros, que fez questão de fazer uma explanação sobre esse bioma brasileiro logo no início da entrevista com o AgFeed.

A empresa, sempre familiar, nasceu por iniciativa de Barros, do seu pai e do irmão. Há quase três décadas, os três perceberam que nascia no País um mercado exigente pela pecuária sustentável e orgânica.

“Certificamos a primeira propriedade do Pantanal e escolhemos a certificação orgânica, porque, na época, havia um apelo comercial, já existia um nicho de mercado, notadamente na Europa e Estados Unidos, e havia começado de forma proeminente aqui no Brasil”, contou.

Na época, forneciam os animais com o selo orgânico à JBS. A carne era comercializada pelo grupo com o selo Organic Beef. Para obter a certificação, entre as exigências estão a criação dos animais soltos, alimentação exclusivamente de pastagens nativas, tratados com homeopatia e fitoterapia.

O passo seguinte foi alugar e, posteriormente, comprar uma operação de desossa em Campo Grande, com o abate ainda terceirizado. Há seis anos, nascia a Bio Carnes. No meio do caminho, o pai e o irmão de Leonardo Leite de Barros faleceram e ele assumiu com os filhos o controle da empresa.

De volta ao Pantanal, quase todos animais fornecidos para a Bio Carnes estão em propriedades da agropecuária da família. Toda a carne fornecida vem de fêmeas obtidas a partir do cruzamento da nelore e bradford ou hereford com, no máximo, 36 meses de idade. No entanto, a maioria dos abates é de animais com até 20 meses.

“As novilhas têm capacidade mais rápida de engorda do que os machos e você consegue abater mais cedo, com uma carne de maior maciez”, explicou o CEO da Bio Carnes.

Além dos animais próprios, que representam até 90% da oferta, Barros compra o restante de pecuaristas parceiros integrantes da Associação Pantaneira de Pecuária Orgânica e Sustentável (ABPO). São abatidos 2 mil animais por ano e o crescimento médio de 10% no abate ocorreu por meio da oferta oriunda dessas parcerias.

Na unidade de desossa e processamento da Bio Carnes, metade do volume é destinada aos tradicionais cortes de bovinos e a outra metade é processada e congelada. Dessa linha saem a carne moída, hambúrgueres, almôndegas e linguiças.

Cerca de 80% dos clientes são de São Paulo. Além da venda direta, a companhia tem parcerias com as marcas Korin, especializada em orgânicos, e a Wessel, de carnes nobres. “Toda a carne bovina da Korin nós é que produzimos. Na Wessel, a gente entrega o animal desossado, porcionado, ela faz um reprocessamento e comercializa com a marca própria”, contou Barros.

Recentemente, conta o empresário, a Bio Carnes avançou na venda online por meio da parceria com portais de e-commerce. Entre eles está a Shopper, um supermercado online. “É uma das formas de comercialização que vai estreitar a relação entre o consumidor final e a produção. Você, de certa forma, diminui essa cadeia, barateando o produto”.

Com margem entre 10% e 15%, limitada “pelo bolso do consumidor”, a companhia busca tirar “até o osso” de rendimento dos animais. “Hoje eu tenho um parceiro em São Paulo, que é o WonderLev, para o qual eu entrego 100% dos ossos e um pouco de gordura. A companhia produz um caldo de osso que é um produto muito procurado”, citou Barros.

Venda no mercado de nicho e agregação de valor geram uma receita mensal de R$ 1,2 milhão a R$ 1,5 milhão, segundo o empresário. Além da venda de carnes, o faturamento inclui também a atividade pecuária independente do mercado de orgânicos nas propriedades de Barros.

Barros revelou que o próximo passo da Bio Carnes é exportar seus produtos. Segundo ele, a empresa tem “conversas adiantadas” com um parceiro no Chile. O país é um grande consumidor de carne brasileira e um distribuidor local, cujo nome não foi revelado, podería operar no mercado chileno e nas exportações para outros países.

“Esse parceiro chileno tem câmaras frias no porto e é um grande distribuidor já de carne brasileira. Além das exportações, a gente está pensando em, eventualmente, criar uma marca chilena e por meio parceria com a companhia que já possui alcance no mercado local”, afirmou Barros.

Crescimento?

A consolidação da Bio Carnes no mercado de nicho atraiu investidores interessados em ajudar a companhia a crescer ainda mais, a ganhar escala e ampliar os produtos para linhas não só de orgânicos, mas de carne sustentável do Pantanal. Mas as propostas parecem não terem mexido com Barros, que prefere seguir como está. Por enquanto.

“Fomos procurados por algumas empresas interessadas em aportar capital e a gente teria uma escala muito maior. Estamos estudando, mas vivemos uma situação em que, do ponto de vista comercial, a gente já passou aquela angústia de ter que crescer a qualquer custo”, disse Barros.

Segundo ele, é possível que uma linha de carne sustentável seja criada até 2027, mas com a produção 100% de pecuaristas parceiros. “Estamos fazendo vários testes nesse sentido e a gente vai crescer se entrar nesse negócio”, disse.

O próximo passo, no entanto, pode ficar sob responsabilidade da próxima geração, a quinta da tradicional família de pecuaristas sul-mato-grossenses. “A geração nova está aí. Filhos e netos, né? A gente preza muito por essa questão do legado, da tradição pantaneira”, concluiu Barros.

Resumo

  • Bio Carnes, empresa de origem familiar baseada na pecuária tradicional pantaneira, cresce com carnes orgânicas e vendas via e-commerce
  • Companhia liderada por Leonardo Leite de Barros planeja iniciar exportações, a começar pelo Chile, e ampliar parcerias no mercado sustentável
  • CEO afirma ter recebido assédio de investidores, mas prioriza expansão cautelosa e manutenção do legado pantaneiro

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