Nos últimos anos, o etanol de milho viveu um boom que parecia inesgotável. Aproveitando a abundância do cereal dentro de um negócio com margens superiores às da cana, novas usinas brotaram (e devem continuar a brotar), em especial no Centro-Oeste, consolidando o setor como uma nova estrela da bioenergia nacional.
A equação, contudo, começa a mudar. Ao contrário do que ocorreu nos três últimos anos, o açúcar começou a perder fôlego no mercado internacional, o que deve fazer usinas canavieiras reverterem parte do mix para o etanol. Na prática, isso significa mais oferta no mercado e um cenário de preços pressionados.
Na visão de Mário Stênico, head de pesquisa e trading da Inpasa, líder do setor de etanol de milho no Brasil, o desafio atual do setor passa por uma missão de aumentar o público consumidor.
“Nossa função é focar em aumentar essa demanda. Educar consumidores, garantir a correta paridade de preços, garantir abastecimento em toda a região e promover o etanol de forma internacional como ferramenta para descarbonização”, disse ele, durante um painel do evento TECO Latin America, promovido pela Novonesis, na última semana, em São Paulo.
Apesar de líder do mercado, a Inpasa continua em plena expansão. Hoje, é dona de sete unidades produtivas: cinco no Brasil (Sinop e Nova Mutum, em Mato Grosso; Dourados e Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul; e Balsas, no Maranhão) e duas no Paraguai.
Somado a isso, ainda possui projetos em construção. Uma planta de R$ 1,2 bilhão está sendo erguida em Luís Eduardo Magalhães (BA) e deve entrar em operação no início de 2026.
Há algumas semanas, a companhia também anunciou uma joint-venture com a Amaggi, para construir três novas indústrias em Mato Grosso e investimentos estimados em R$ 7,5 bilhões.
O apetite se explica pelos números no balanço da empresa. Em 2024, a companhia produziu 3,7 bilhões de litros de etanol, consolidando-se como a maior da América Latina. A receita líquida foi de R$ 13,6 bilhões (+24% ante 2023) e o lucro líquido atingiu R$ 2,5 bilhões (+41%).
Stênico conta que as expansões mais recentes - na Bahia e no Maranhão - ilustram a estratégia da empresa de estimular a demanda.
“O que era o Mato Grosso lá atrás? A oferta de etanol nesse local ajudou a alimentar o hábito de consumo. É isso que queremos replicar no Nordeste”, disse Stênico ao AgFeed.
Levar a produção para mais perto do consumidor significa reduzir custos logísticos e tornar o combustível mais competitivo, acredita o executivo.
“Fizemos expansões para esses estados pensando no mercado para frente. No final do dia, o Brasil tem um share estrutural de gasolina e diesel, mas precisa trabalhar hábitos de consumo no etanol”, disse.
Foi olhando a relação de oferta e demanda nesses estados do Nordeste, que a empresa deu esse passo. “Conseguimos colocar a oferta mais próxima do demandante”.
Ao olhar para o futuro, evitou dar detalhes de onde está esse “mercado para frente”, mas citou que o setor precisa garantir que o consumo do etanol seja feito de forma perene.
“Não adianta o preço do etanol estar baixo apenas em uma época. Ninguém muda o hábito de consumo assim”.
“Nossa função é focar em aumentar essa demanda. Isso acontece educando os consumidores, mostrando que o etanol não é prejudicial ao motor do carro. Ao mesmo tempo, precisamos garantir uma paridade correta de preços, um abastecimento amplo e também promover o etanol de forma internacional como ferramenta para descarbonização”, acrescentou.
No Nordeste, a lógica de expansão considerou também a quantidade de matéria-primas. Por isso, a planta de Balsas pode processar tanto milho quanto sorgo.
“No final do dia não muda nada. Você extrai a mesma molécula de etanol, respeitando todos os padrões”, explicou Stênico. O grão tem resistência maior a condições adversas e pode expandir a cobertura da safrinha. “O sorgo tem um grande potencial produtivo. Pode avançar em regiões onde o milho não consegue”, acrescentou.
Um mercado que não está sozinho
Nos cálculos de Stênico, o etanol de milho responde atualmente por 29% da produção brasileira do biocombustível, com algo próximo a 10 bilhões de litros de etanol do cereal neste ano chegando ao mercado.
A expectativa, segundo estimativas apresentadas no evento, é que a capacidade instalada aumente nos próximos anos, chegando a quase 19 bilhões de litros em 2030, o que deve colocar mais pressão sobre os preços no mercado.
No mesmo painel da Inpasa, Lucas Brunetti, consultor agro do Itaú BBA, lembrou que os dois mundos — cana e milho — estão condenados a conviver. “São mercados irmãos, e vão ter que conviver um com o outro e que trazem desafios especialmente para 2026”, disse.
Na prática, o consultor fez as contas: o mercado potencial é de 75 bilhões de litros de consumo, levando em consideração a demanda por gasolina, a quantidade de frota automotiva com motores flex e o desempenho comparativo entre os dois combustíveis.
“Mas no mundo das commodities, precisa ter preço. Se o etanol for competitivo, esse é o mercado”.
Mesmo com a projeção de que o mercado de etanol de milho se aperte um pouco daqui para frente, Brunetti, do Itaú BBA, calculou que esse tipo de usina ainda é mais competitiva frente a uma irmã da cana.
Uma usina de etanol de milho no Mato Grosso 100% dedicada ao biocombustível do cereal e que ainda pode faturar com a venda de DDG e óleo vegetal , por exemplo, tem um custo estimado de R$ 1,86 por litro produzido.
No caso de uma indústria de etanol de cana no estado de São Paulo focada 100% na produção de cana-de-açúcar, que não possui custos agrícolas pois compra cana de terceiros, o custo fica em R$ 2,23 por litro.
“Vimos usinas de cana fazendo mais açúcar, mas a diferença diminui um pouco a partir do próximo ano. Claramente o etanol de milho ainda continua sendo mais barato”, afirmou o consultor.
Segundo ele, nos últimos três meses o preço do açúcar caiu para um patamar abaixo do etanol, algo que não acontecia desde 2022. isso, segundo ele, vai dar a cara para o mercado em 2026.
Ele calcula que a paridade do etanol na bomba do posto de combustível está em 68% nessa safra e que um mix de açúcar em 49% nas usinas poderia fazer a paridade cair para 64%. Num mix de 43% para o açúcar, a paridade no posto seria de 58%. “O cenário é que no próximo ano teremos preços de etanol de 10% a 25% menores que nesta temporada”, disse.
A avaliação de Brunetti é que a indústria do etanol de milho não pode ignorar o mercado de etanol de cana como fez nos últimos três anos. “Havia um mantra de maximizar a produção de açúcar e sair um pouco do etanol”.
Outro ponto levantado no painel foi o custo de capital para sustentar essa expansão acelerada. Ivan Roccon, head de marketing da Novonesis, lembrou que mesmo com margens operacionais atrativas, o preço do investimento subiu de forma relevante. “Uma planta que custava R$ 400 milhões em 2020 hoje passa facilmente de R$ 700 milhões. Esse diferencial exige muito mais disciplina financeira na hora de calcular o payback”, disse.
Resumo
- Inpasa diz que vai manter foco em estimular o consumo, reduzindo distância logística e promovendo paridade de preços.
- Carteira de unidades da empresa inclui sete plantas, com destaque para projetos em construção na Bahia (R$ 1,2 bi) e joint-venture com a Amaggi em Mato Grosso (R$ 7,5 bi).
- Etanol de milho representa 29% da produção brasileira do biocombustível e capacidade instalada deve chegar a 19 bilhões de litros em 2030.