De um lado, executivos, investidores, analistas e jornalistas acompanharam uma apresentação institucional de uma empresa do setor agrícola listada em bolsa. Do outro, o gramado natural do maior estádio particular de futebol do Brasil, o Morumbis, casa do São Paulo Futebol Clube.
A cena é curiosa, mas marcou a manhã da sexta-feira, 26 de setembro, quando a BrasilAgro sediou seu Investor Day no local.
"Grandes times de futebol são compostos por grandes equipes, a ideia de fazer o evento num estádio foi para trazer a equipe BrasilAgro", disse o CEO e torcedor do Corinthians, André Guillaumon.
A conversa que se estendeu por toda a manhã serviu para a companhia fazer um retrospecto do último ano-safra e projetar a estratégia para os próximos anos.
De cara, no apito inicial, o executivo que lidera já indicou a tática para as temporadas futuras: “Não vamos voltar a ser uma empresa imobiliária, mas vemos oportunidades de reciclar esse portfólio. Se o mercado de capitais ajudar, é uma oportunidade importante de oxigenação de portfólio na companhia”.
A intenção de ativar uma “mão compradora” daqui para frente já havia sido sinalizada no último balanço da empresa, estratégia que foi mais explorada neste evento.
Guillaumon citou que o objetivo da BrasilAgro é vender, por ano, 10% do seu portfólio. “Essa é uma meta colocada pelo conselho pra mim que acabo passando para a equipe de novos negócios. Na média, a ideia é girar R$ 300 milhões por ano, precificando bem o ativo”, disse o CEO.
O valor citado se baseia nos cálculos da própria empresa em relação ao seu portfólio. Ana Paula Zerbinati, diretora de RI da companhia, cita que hoje a empresa conta com cerca de 200 mil hectares avaliados em R$ 3 bilhões.
Desde o começo da operação, a BrasilAgro soma quase R$ 2 bilhões de reais em aquisições e transformação de fazendas, e praticamente R$ 3 bilhões em vendas de terras.
“Disso, pouco mais da metade ainda tem potencial de valorização, ou seja, os múltiplos ainda vão mudar pelo potencial de transformação natural que buscamos nos projetos”, citou a executiva.
Olhando em retrospecto, a BrasilAgro está em linha com a meta. Segundo o CEO, André Guillaumon, a empresa vendeu, na média dos últimos 5 anos, R$ 380 milhões de forma recorrente, pouco acima dos 10% frente ao portfólio atual.
No evento, uma analista relembrou que a BrasilAgro iniciou sua trajetória muito focada na operação imobiliária e foi agregando a atividade de operação de terras ao longo dos anos. Questionado se a empresa voltaria às origens, Guillaumon citou essa oxigenação do imobiliário, e ressaltou que a operação de venda e compra de terras não pode “compensar um operacional ruim na parte agrícola”.
“Não quero transferir ganho imobiliário para compensar o operacional. A ideia sempre foi ganhar dinheiro com imobiliário e ter um operacional que equilibre tudo. A cereja do bolo sempre estará no imobiliário, mostra resiliência do modelo de negócio, isso desde que seja feito da maneira correta”, afirmou.
As oportunidades de compra existem e são recorrentes, mas segundo a empresa, precisam ser feitas com parcimônia para evitar distorções e maus negócios.
Só na safra 2024/2025, a empresa calculou que foram 545 oportunidades que entraram no radar. Dessas, 337 foram eliminadas e 32 passaram de fato por negociações.
O avanço das recuperações judiciais no setor de fato aumenta a gama de fazendas que chega até os executivos. O CEO disse que em 20 anos de empresa, nunca recebeu tantos bancos com ofertas. “Temos agenda a cada 15 dias com bancos que trazem ‘books’ de fazendas com produtores estressados para olharmos”.
Apesar disso, Guillaumon cita que, em comparação com o início da empresa, em meados dos anos 2000, as oportunidades são bem menores em quantidade. “Numa crise em 2006 o fazendeiro vendia fazenda para pagar a conta. Com as RJs isso diminuiu. Se olhar as grandes fazendas que compramos: Morro Vermelho, Alto Taquari, Agrifirma e São José, foram compradas em períodos de stress”, disse.
Outra mudança relevante em 20 anos foi o tamanho das terras. Hoje, a média de área que chega até a empresa é de 5,9 mil hectares. Antes, era praticamente o dobro. Ao mesmo tempo, a quantidade de áreas no Matopiba era maior, relembra Zerbinati.
A dinâmica de terras maiores também muda a taxa interna de retorno. Guillaumon explicou que uma área menor tem velocidade de transformação (aumento de produtividade) mais rápida, e cita que a fazenda Chaparral, comprada em 2008, teve seu último hectare aberto nesta última safra, enquanto a Panamby, adquirida em 2022, demorou um ano e meio para ser transformada.
Dentro da estratégia de terras, a BrasilAgro hoje conta com 73% de seus mais de 250 mil hectares de área própria. Considerando a área em produção de 173 mil hectares, são 46% de área própria operada pela empresa, 47% de áreas arrendadas operadas pela empresa e 7% arrendadas para terceiros.
O CEO comentou que apesar de não ter uma “fórmula mágica”, a empresa sempre achou que a métrica ideal englobava um mix 50% para cada, tudo a depender da cotação dos grãos em Chicago e da taxa de juros no Brasil.
“Hoje, tirando cana, quem fala que ganha dinheiro em um arrendamento de grãos com cotação abaixo de 11 dólares em Chicago não sabe fazer conta”, brincou o executivo.
Num cenário de “preço elevado em Chicago caro e juros baratos”, o mix pode mudar, mas não deve fazer com que as áreas arrendadas cheguem a 70% ou 80%.
E onde estão essas oportunidades? Das quase 550 oportunidades que chegaram no último ano, mais da metade está no Mato Grosso, seguido pelos estados do Matopiba e áreas no Paraguai.
A resposta do destino pode estar ligado a outro mercado, o das usinas de etanol de milho.
Eduardo Marrey, gerente comercial da empresa, citou que essas indústrias “dão segurança para a BrasilAgro firmar contratos”. “Não vemos mais cenário do preço do milho dando ‘barrigadas’. Está mais estável com essa demanda do etanol, que nos dá possibilidade de fazer contratos indexados, fazer hedge e ficar protegidos”, disse.
A BrasilAgro encerrou o ano 2024/25 com um lucro líquido de R$ 138 milhões, uma queda de 39% frente ao ano anterior. A receita líquida total da companhia, somando as operações agrícola e venda de fazendas, subiu 12%, para R$ 1,23 bilhão.
Na B3, onde está avaliada em R$ 2,07 bilhões, o papel da empresa recua 9% no acumulado do ano.
Resumo
- BrasilAgro quer vender cerca de 10% do portfólio de terras por ano, faturando com isso uma média de R$ 300 milhões anuais, sem abrir mão da operação agrícola como pilar de resultados.
- Companhia soma R$ 3 bi em vendas de fazendas desde a fundação e vê oportunidades em ativos estressados, com bancos oferecendo carteiras de terras de produtores em recuperação judicial
- No ano-safra 2024/25, lucro líquido caiu 39%, para R$ 138 milhões, enquanto a receita subiu 12%, a R$ 1,23 bilhão; ação recua 9% na B3 em 2025