Ponto final em uma das indústrias pioneiras da indústria da soja no Brasil. Com 70 anos de história, a Olvebra (Óleos Vegetais Brasileiros), dona das marcas Choco Soy, Soymilke e Sustare, teve seus últimos anos marcados por uma uma recuperação judicial iniciada em 2018 que se tornou falência em 2025.
Nesta semana, uma sucinta confirmação da falência foi notada pelos leitores mais atentos em meio a sessão “movimento falimentar” na edição do dia 17 de setembro de 2025 do jornal Valor Econômico, que colocou fim a uma história que misturava origens chinesas e gaúchas.
Muito antes de a China se tornar o grande parceiro comercial brasileiro, com, somente em 2024, US$ 49,7 bilhões só nas exportações agropecuárias, 30,2% do total para o setor no ano passado, um imigrante chinês no País foi responsável por um dos primeiros movimentos da agroindústria nacional.
Em 1955 na cidade de Santa Rosa (RS), Charles Tse e Sheun Ling fundaram a Olvebra. A ideia dos empresários era fomentar plantio, moagem e produzir óleos e farelos, os tornando “pioneiros no incentivo do plantio e consumo de derivativos de soja no País”, diz um laudo de viabilidade econômico-financeira elaborado pela consultoria Sustentare em 2021, visando apresentar aos credores a saúde da empresa em meio ao processo de recuperação judicial da empresa iniciado anos antes.
Nos anos 1970, a companhia inaugurou um parque fabril em Eldorado do Sul, também no estado, quando iniciou a produção de óleo de soja refinado. No final daquela década, passou a fabricar produtos matinais à base de soja, com foco em atender outras indústrias e o setor varejista.
Foi no final dos anos 1980 que a família Ling deixou a operação, que foi tocada pela família Tse. Em 1989 a empresa criou um braço de fabricação de embalagens, que também entrou no processo de falência decretado em 2025.
Por mais que tenha iniciado o processo de recuperação judicial em 2018, quando somava dívidas de cerca de R$ 450 milhões, segundo um documento da Vara Judicial do Foro da Comarca de Eldorado do Sul do Estado do Rio Grande do Sul, a RJ foi homologada somente em 2024. Uma atualização do pedido da RJ em 2021 atualizou o passivo para R$ 668 milhões.
O plano previa um respiro curto. Trabalhadores com créditos de até 150 salários mínimos deveriam receber integralmente até janeiro de 2025, enquanto o excedente seria quitado em dois anos, com um deságio de 50% e garantias imobiliárias.
Porém, na prática, nem essa etapa inicial foi cumprida. De acordo com outro documento disponível na justiça, em uma assembleia de novembro do ano passado estavam reconhecidos R$ 35,9 milhões em créditos trabalhistas, sinal do peso da folha em meio ao passivo total de R$ 450 milhões.
Houve tentativas de atrair investidores, como uma proposta de arrendamento do parque fabril por R$ 100 mil mensais e opção de compra dos ativos por R$ 10 milhões.
O juiz, contudo, considerou a oferta arriscada e sem garantias concretas. Sem novas alternativas, e diante do inadimplemento de parcelas essenciais, credores e Ministério Público pressionaram pela falência, argumento que foi acolhido pela Justiça.
A decisão determina bloqueio de bens e contas, lacração de estabelecimentos e início da arrecadação dos ativos. Aos credores, resta a habilitação de seus créditos, que seguirão a ordem definida em lei: primeiro trabalhistas, depois garantias reais e tributários, por fim os quirografários (aqueles que não possuem direito real de garantia).
Nessa assembleia, em que a Olvebra pedia uma modificação das condições de pagamento aos créditos trabalhistas, dois credores, Jonas Oliveira da Silva e Wagner Souza da Cruz, pediram para que a RJ se transformasse em falência.
Com isso, a Olvebra foi intimada para comprovar o pagamento ou se justificar. Em nova assembleia, a administradora judicial Scalzilli se manifestou para a “convolação” da RJ em falência.
A recuperação judicial e a esperança não concretizada
No documento da RJ, o grupo alegava enfrentar uma “grave crise econômico-financeira”, conforme o diagnóstico preliminar apresentado à Vara Judicial da Comarca de Eldorado do Sul (RS).
A companhia cita, nesse documento, que o patrimônio líquido da sociedade era negativo e que a empresa vinha de Ebitdas negativos e projeções de fluxo de caixa indicando “resultados igualmente negativos”.
“As ações da empresa não possuem negociação nos últimos vinte anos que possibilitasse a indicativa de um valor e não existem reservas de lucros acumulados. O valor de cada ação da companhia é inferior a zero”, diz o documento.
Entre os fatores listados pela companhia estavam a retração causada pela greve dos caminhoneiros de maio de 2018, que paralisou as operações e reduziu a atividade econômica, além da queda contínua das vendas brutas.
A Olvebra também relatava, em sua RJ, um aumento dos custos logísticos e a necessidade de contratar empréstimos de curto prazo para financiar o giro da operação e pagar juros e amortizações de financiamentos já existentes.
Outro ponto central era a pressão cambial. A empresa destacou que houve um “aumento do custo para aquisição de matéria-prima em virtude da variação cambial”, encarecendo a soja e demais insumos necessários à produção. Ao mesmo tempo, o peso dos custos fixos sobre o faturamento cresceu, de acordo com a empresa, o que ajudou a comprimir a margem operacional.
Os bloqueios judiciais também se tornaram rotina. O documento cita “constantes bloqueios judiciais decorrentes de execuções individuais, dificultando a gestão de caixa da empresa”, num círculo vicioso que impedia a companhia de reorganizar o capital de giro.
A Olvebra mencionava as dificuldades de acesso a crédito, sobretudo em linhas subsidiadas, já que a empresa não conseguia apresentar as certidões fiscais exigidas pelos bancos. Isso restringia ainda mais as alternativas de financiamento em meio à crise.
No laudo de viabilidade econômico-financeira elaborado pela consultoria Sustentare em 2021, a empresa tentava projetar um futuro mais otimista, que não se concretizou.
O documento mostra que de 2010 até 2014, o faturamento da empresa estava ascendente.
O indicador saiu de R$ 55 milhões para R$ 62 milhões naquele intervalo. De lá até 2019, números disponíveis no documento, a trajetória foi de queda, e neste último ano, a receita foi de R$ 35 milhões.
Citando um “ano atípico em 2020”, por conta da pandemia de Covid-19, a empresa projetava faturar R$ 49 milhões em 2021, 40% acima de 2019. A previsão otimista era de crescimento médio de 5,3% ao ano nos anos seguintes, com alta de 13,1% já no segundo ano.
O plano falava em novas frentes: loja virtual, intensificação das exportações para EUA, China e Índia, terceirização de linhas de produção ociosas (creme de leite e molho branco) e expansão de distribuidores nacionais.
Ao mesmo tempo, citava custos elevados. Só os gastos para adquirir matéria-prima, em especial a soja, comiam 40% da receita. No documento, a empresa projetava um ciclo de 17 anos se encerrando em 2037, e projetava que até lá, seriam gastos quase R$ 500 milhões com fornecedores.
Somando gastos variáveis (comissões e fretes), gastos fixos e gastos com pessoal, eram quase R$ 340 milhões no ciclo.
Outro aspecto mostrava a fragilidade da saúde do negócio. O laudo cita que a Olvebra dependia de adiantamento de recebíveis para compra de matéria-prima.
A empresa dependia de adiantamento de recebíveis e financiamentos caros para comprar matéria-prima. Em 2020, meros R$ 3,37 milhões recebidos de um processo judicial junto a Eletrobrás serviram para “gerar recursos para financiar parte do capital de giro necessário”.
A projeção de gerar caixa nesse ciclo de 17 anos era de 15% no primeiro ano, patamar que deveria ir a 21,2% ao final do período. Parte da geração de caixa viria da venda de ativos imobiliários que somavam R$ 32,4 milhões.
“Concluímos que a empresa tem viabilidade econômico-financeira para pagamento dos credores considerando o período de 17 anos”, dizia a Sustentare, que errou na previsão.
Resumo
- Falência da Olvebra, recém-decretada, encerra a trajetória de uma das indústrias de soja pioneiras no Brasil, fundada em 1955 por famílias chinesas
- O processo de recuperação judicial iniciado em 2018, com R$ 668 milhões em dívidas, não saiu do papel: nem o pagamento inicial de créditos trabalhistas foi cumprido
- Empresa não resistiu a custos elevados, pressão cambial e restrição de crédito e fracassou na tentativa de atrair investidores