Até algumas décadas atrás, ninguém prestava atenção às emissões de gases entéricos dos rebanhos bovinos. Hoje, entretanto, essa é uma das questões mais relevantes no debate ambiental em torno da pecuária em todo o mundo.
Com cerca de 1,5 bilhão de cabeças emitindo, cada uma, entre 150 a 550 litros de metano por dia, esse gás – até 86 vezes mais poluidor que o dióxido de carbono (CO2) – é hoje apontado como um dos principais causadores do aquecimento global.
Assim, baixar essas emissões seria uma maneira mais rápida de conter as mudanças climáticas. E a questão está na pauta de grandes grupos das principais cadeias da pecuária, como a leiteira.
A francesa Danone, a dinamarquesa Arla Foods e a americana Mars são alguns deles e, recentemente, passaram a observar de perto uma solução inusitada para o problema.
As três companhias firmaram parceria com uma pequena agtech americana/dinamarquesa chamada Ambient Carbon – que promete reduzir em até 90% o impacto do metano nos currais do mundo.
“As vacas criadas em confinamento são as mais críticas na emissão de gases do efeito estufa. Para as de pasto, há outros meios para mitigar danos. Mas até agora, pouca coisa era eficiente para o rebanho confinado”, explica Paul Carlson, vice-presidente de desenvolvimento de negócios na Ambient Carbon, sediada em Saint Louis, nos Estados Unidos.
Em parceria com pesquisadores da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca, a Ambient Carbon desenvolveu o que batizou de Methane Eradication Photochemical System, ou Meps (sistema fotoquímico de erradicação de metano, em português).
Simplificando muito, o Meps, que começou a ser desenhado em 2022, é como se fosse um grande exaustor que se instala nos currais, que trata internamente, em um cilindro, os gases emitidos pelas vacas utilizando uma tecnologia de luzes ultra violeta.
Segundo a startup, a luz UV decompõe o metano (CH4, um átomo de carbono e quatro de hidrogênio) e o transforma em dióxido de carbono e água.
A Universidade de Stanford, nos EUA, replicou e testou o sistema para validá-lo, entre 2023 e 2024. “É interessante que quando desligamos as luzes, dá para ver a diferença entre o ar anterior e o que passou pelo Meps, com a luz UV”, afirma o executivo.
“Na ponta do lápis, o sistema reduz a concentração de metano de 44 partes por milhão na entrada para 7,5 partes por milhão na saída após a decomposição”.
O sistema usa sal e água, além da luz UV, para erradicar o metano. “Não é invasivo, a vaca não precisa ingerir nada, ficamos do lado de fora do estábulo. Não afetamos as vacas, seu conforto, a produção de leite, o gosto do leite ou as operações do estábulo”, explica Carlson.
Dessa forma, a agtech busca se diferenciar dos aditivos já existentes no mercado, que, colocados na ração dos ruminantes, ajudam a reduzir significativamente a emissão de metano.
O uso desses aditivos foi liberado no Brasil, maior produtor mundial de carne bovina, há três anos. No gado de corte, eles apresentam resultados com a redução de até 90% de redução de emissões. Nas vacas de leite, confinadas, o percentual máximo alcançado é de 30%.
De gás a fertilizante
Na prática, o Meps é, basicamente, uma grande estrutura cilíndrica de 12 metros instalada do lado de fora do curral e que capta o ar interno por meio de tubulações. Tudo é controlado por meio de um software, que pode ser operado até pelo celular.
“Como é modular, então é muito fácil para atender desde um pequeno produtor de leite que tenha talvez 100 ou 200 vacas leiteiras até uma fazenda que tenha 5000 animais”, diz o diretor.
À medida que o ar sai da câmara de reação dentro do cilindro, ele passa por um depurador de ácido clorídrico e um sistema de reciclagem.
“Os resíduos são, na maioria, água estéril. “Outros materiais resultantes podem ser usados como fertilizante verde, que é algo que os produtores podem utilizar em suas fazendas”, afirma Carlson.
Outro benefício do sistema é que ele também elimina amônia e outros odores. “A amônia afeta os sistemas de águas subterrâneas e conseguimos decompor a amônia e uma série de compostos odoríferos como parte do nosso processo, o que também é altamente valioso”.
Bovinos, diz Carlson, gostam de conforto. Até um curral com menos odores, diz ele, é capaz de aumentar a produção e a qualidade do leite.
O grande obstáculo da tecnologia, atualmente, é o preço. O investimento para instalá-la é de pelo menos US$ 250 mil dólares (cerca de R$ 1,3 milhão).
“Esse investimento é pago em aproximadamente de quatro a cinco anos, com base no prêmio que ele recebe pelo leite de baixo carbono, se ele cobrar um centavo de dólar (ou cinco centavos de real) a mais por litro”, afirma Carlson.
Por esse motivo, a presença de grandes indústrias pode ajudar a resolver a equação, tirando a conta apenas das costas dos pecuaristas.
Como o problema afeta a pegada de emissões da indústria de laticínios, a companhia está focada em captar clientes desse setor, fazendo com que eles financiem a adoção da solução por seus fornecedores.
As primeiras unidades do Meps, instaladas desde o final do ano passado na Dinamarca, e no estado de Indiana, nos Estados Unidos, tiveram o investimento dividido entre o produtor, empresas que compram o leite e, muitas vezes, até com o varejista.
Foi assim que a Danone e a Arla entraram no jogo. As duas têm memorandos de entendimento para começar a investir com a Ambient Carbon em novas fazendas na Europa e nos EUA.
“A cadeia de suprimentos de laticínios tem muito interesse em trabalhar em conjunto para mitigar os gases”, afirma.
No Brasil, diz Carlson, uma grande empresa pecuarista está interessada no Meps. “Eles não querem revelar o nome, mas têm celeiros com ventilação natural para gado de corte e estão interessados em implementar o Meps nesse ambiente”, afirma o executivo.
A meta da Ambient Carbon é comercializar o produto em todos os continentes até o final de 2026. Além disso, a Ambient Carbon acredita ainda que a mesma solução também pode ser aplicada, por exemplo, para suínos.
Resumo
- Ambient Carbon desenvolveu o Meps, um “exaustor” que decompõe metano nos currais com luz UV, reduzindo emissões em até 90%
- Tecnologia já tem apoio de gigantes como Danone, Arla Foods e Mars, que buscam soluções para descarbonizar a cadeia do leite
- Sistema modular também elimina amônia e odores, gera fertilizante verde e pode ser aplicado em bovinos e suínos