Fundada em 1980, pelo emblemático “rei da soja” na época, o empresário Olacyr de Moraes, a antiga Usina Itamarati passou por períodos de glória e de penúria. Hoje é um exemplo de sucesso do promissor setor de biocombustíveis no Brasil, com disposição para investir.

Em meados dos anos 2000, a empresa estava altamente endividada, porém ainda era considerada uma das maiores plantas individuais de cana-de-açúcar, com vasta extensão de áreas próprias. Por isso acabou sendo socorrida por bancos e investidores.

A empresa foi rebatizada de “Uisa”, uma simplificação de “Usinas Itamarati S.A”. Agora controlada por empresários do setor financeiro, a usina vem ampliando ano a ano a moagem de cana, além de lançar novas frentes de negócio.

O AgFeed conversou com exclusividade com o atual CEO da Uisa, José Fernando Mazuca Filho, que está na empresa desde 2019.

“Quando a gente assumiu a usina, tinha uma moagem de 4,5 milhões de toneladas (de cana-de-açúcar). Esse ano a gente deve entregar algo próximo de 6,7 milhões de toneladas”, contou ele.

O avanço faz parte de um ciclo de investimentos, de cerca de R$ 2 bilhões, com foco na cana, que está sendo concluído este ano.

Com uma capacidade nominal de 7,2 milhões de toneladas de moagem, a Uisa é considerada uma das maiores do País. A unidade está localizada em Nova Olímpia, Mato Grosso. Mazuca lembra que a média das usinas no Brasil é de 2 milhões de toneladas por safra e foi esse o volume adicional que a Uisa alcançou em 5 anos.

O principal foco da estratégia comercial está no fornecimento de açúcar, da marca Itamarati, para os estados da região Norte. “Ele é responsável por uma boa parte da nossa rentabilidade”.

São atendidas indústrias de alimentos e bebidas do Norte e também do Centro-Oeste do Brasil, com exceção de Goiás. Ainda assim, cerca de 30% da produção de açúcar é exportada.

No etanol, a Uisa diz ter “boa parte do market share do Amazonas”, pela proximidade, assim como 60% do mercado do açúcar nas regiões onde atua.

A rota logística é a mesma de boa parte da soja da Amaggi, por exemplo. Sai de Mato Grosso até Porto Velho (RO) e segue pelo Rio Madeira até o Amazonas e os portos do Arco Norte.

Este ano a empresa deve produzir 360 mil toneladas de açúcar, o que representa um mix de 47% para o produto.

Na cana-de-açúcar, Mazuca avalia que Uisa deve se estabilizar neste patamar próximo de 7 milhões de toneladas, mantendo ganhos de eficiência, principalmente em produtividade e custo de produção.

Porém, a empresa está pronta para partir para o que ele chama de “investimentos em adjacências e projetos que estão dentro do mesmo ecossistema”.

Uma das investidas foi a cogeração de energia elétrica, a partir do bagaço da cana, que foi ampliada. Em paralelo, uma parte das áreas da empresa passaram a contar também com o plantio de soja, que gera resultados à parte, mas contribui para um melhor desempenho agronômico da cana, em função da rotação de culturas.

Atualmente, 70% da cana processada na Uisa é colhida em áreas próprias. A empresa possui 90 mil hectares de terra.

Quando assumiu a posição de CEO, Mazuca diz que tinha como principal missão concluir o turnaround financeiro da Uisa, além de fazer “um plano de turnaround operacional, que também já está concluído”.

Ele diz que a usina tem hoje “um dos melhores indicadores operacionais do setor, com uma média de produtividade agrícola de 90 toneladas de cana por hectare nos últimos 5 anos”.

O faturamento total da Uisa, incluindo diferentes negócios, como a venda de outros subprodutos da cana, além do açúcar e etanol, deve ficar em R$ 2 bilhões este ano, disse o CEO. O resultado, se confirmado, será superior ao registrado no ano passado, quando foi de R$ 1,8 bilhão.

Etanol de milho

O próximo passo da Uisa nos biocombustíveis será a construção de uma usina de etanol de milho.

“Tem uma abundância brutal de milho ali na região (Mato Grosso, onde está a Uisa). É um projeto que a gente sempre perseguiu. A gente acabou priorizando o uso do recurso de forma disciplinada no eixo principal, na cana mesmo. Mas em termos de retorno, VPL, TIR e qualquer métrica financeira estratégica sempre fez muito sentido para a gente”, afirmou Mazuca.

Embora entre os empresários do Mato Grosso a percepção é de que o projeto já estaria em andamento, o CEO da Uisa diz que a empresa, recentemente, apenas retomou os estudos sobre a usina de etanol.

“A gente está trabalhando na engenharia detalhada para tomar uma decisão de investimento em algum momento, nos próximos seis meses”.

De certa forma, ele admitiu, já há uma “decisão” ou uma “disposição”, do conselho da empresa, só faltaria mesmo “achar o momento correto”.

Entre os principais entraves estaria “a taxa de juros bastante proibitiva para fazer investimentos”. “A gente precisa esperar um cenário macroeconômico mais favorável para ter coragem de trazer para dentro uma alavancagem dessa”.

Assim que for aprovado o projeto, os planos iniciais da Uisa indicam que o investimento necessário, incluindo as duas etapas, totaliza R$ 1,5 bilhão para a planta de etanol de milho.

A ideia é ter uma unidade com capacidade para processar 3 mil toneladas por dia, o que levaria a cerca de 1 milhão de toneladas de milho por ano, para produzir 450 milhões de litros de etanol.

O grande diferencial da Uisa é que essa usina considerada de “tamanho grande” pode entrar em operação com o uso exclusivo da biomassa que a empresa já possui, que é o grande volume de bagaço de cana.

Quer dizer, aquele grande limitador da indústria de etanol de milho, que costuma ser apontado por analistas como a quantidade de madeira disponível, não é a problema para a Uisa. Ela consegue fazer etanol de milho “sem acessar resíduos florestais”.

Atualmente, a Uisa já comercializa 250 mil toneladas de bagaço de cana para empresas que possuem usinas de etanol e também uma parte para nutrição animal.

“Hoje eu tenho o balanço térmico para vender bem mais. Esse não é um problema (a falta de biomassa)”, garantiu Mazuca.

O maior conforto em relação à biomassa ocorre porque o vapor da usina de cana pode ser aproveitado na planta de etanol, algo já praticado por empresas como Cerradinho e São Martinho e que também deverá ocorrer no projeto da Cargill Bioenergia.

“Você tem um vapor residual que consegue reaproveitar. Você vai se guardando um pouco de biomassa e, na entressafra, acaba consumindo”, explica.

“É questão de timing agora. Que o projeto é bom, ninguém tem dúvida”.

O executivo diz que a empresa segue muito confiante no potencial de crescimento do mercado de etanol, por isso a crença de que, em algum momento, a usina será construída.

A estratégia de comercializar etanol a Uisa já domina, mudará apenas a matéria-prima, que ficará mais diversificada.

“Originar milho é algo que a gente não conhece, mas a gente vai ter que conhecer, vai ter que investir nessa inteligência, nessa habilidade”, ponderou ele.

Um outro diferencial a favor da Uisa é o fato de já atuar próximo do mercado de nutrição animal. Ao produzir etanol de milho, obterá o DDG para comercializar no universo da pecuária.

Em 2022, a Uisa construiu uma fábrica de leveduras, um coproduto da cana usado na nutrição animal. O bagaço também já é vendido para confinamentos.

“A Uisa Bionutrition é a nossa unidade de produção de levedura. Está performando super bem, estamos muito satisfeitos. Estamos produzindo produtos bastante premium na cadeia em termos de eficiência”.

Para ter mais mercado para o etanol, Mazuca defende o E35, que seria um novo aumento na mistura de etanol anidro na gasolina, e acredita que, mais adiante, a demanda pelo SAF, combustível sustentável de aviação, também possa beneficiar esse mercado.

“O Brasil tem que continuar fazendo o trabalho dele. Hoje tem estados que não consomem etanol. O Pará, por exemplo, também não consome etanol”, alertou.

Com BECCS, investimentos de até R$ 3 bi

Os planos futuros da Uisa não estão restritos à nova planta de etanol de milho. Assim como a FS, a empresa liderada por José Mazuca também resolveu apostar na tecnologia de armazenagem de carbono.

O projeto do BECCS (bioenergia com captura e armazenagem de carbono) ainda está em fase inicial. Uma multinacional especializada no tema foi contratada e está fazendo os estudos.

“É um projeto mais complexo, eles fizeram campanhas sísmicas locais e agora trabalham na engenharia do poço de perfuração, mas ainda não perfuramos o primeiro poço. A expectativa é fazer isso ano que vem”, afirmou Mazuca.

Ele diz que os geólogos estão otimistas, mas que ainda é preciso comprovar a viabilidade. “Se der tudo certo, é para ter alguma coisa operando em 2028/2029”.

Se somados os investimentos do etanol de milho, do projeto BECCS e de outra iniciativa já em andamento, que é a produção e venda de biometano, o CEO da Uisa calcula que os investimentos da empresa devem ficar entre R$ 2,5 bilhões e R$ 3 bilhões, nos próximos 4 ou 5 anos.

Perguntado se a Uisa está aberta a ter sócios nos novos negócios, ele diz que o grupo está sempre aberto a parcerias, embora não haja nada concreto até o momento.

“A gente acaba ficando aberto a todas as oportunidades de fusões e aquisições, estamos sempre monitorando o mercado, não tem nada acontecendo conosco hoje, mas é algo que eventualmente poderemos nos movimentar e fazer também, com o objetivo de crescer”, admitiu.

A empresa afirma atuar em modelo de governança “como se fosse uma companhia aberta”. E um possível IPO? “É uma oportunidade, é algo que até pelo background do nosso conselho, algo que se mantém vivo na nossa cabeça. Não tem janela hoje, não vemos ambiente com janela muito favorável no curto e médio prazo, mas já funcionamos como uma companhia preparada para isso”.

Na Uisa, o tarifaço não traz impactos imediatos, já que não há exportação de açúcar da empresa para os Estados Unidos. A preocupação fica apenas com a maior volatidade dos mercados, inclusive do câmbio.

Mazuca lembrou que, nestes momentos, aparecem boas oportunidades, “de montar uma posição rápida”, por exemplo, mas a insegurança entre os agentes financeiros acaba exigindo ainda mais disciplina por parte das empresas.

Biogás em compasso de espera

Em 2022, a Uisa anunciou um acordo com a Geo Biogás para construir uma planta anexa à usina para produzir biogás a partir dos resíduos da cana-de-açúcar.

Mazuca contou ao AgFeed que todas as licenças já foram obtidas para o projeto, assim como as autorizações para a exportação de energia elétrica.

“A gente começou a desenhar um projeto de biogás em parceria com uma empresa chamada GeoBiogás. Começamos a desenvolver ele”, disse.

O projeto está, segundo ele, “devidamente licenciado”. Além da geração de energia, o biogás da unidade será destinado à produção de Biometano, que seria vendido para substituir diesel e GLP em veículos e processos industriais.

Segundo Mazuca, já foi feita também a terraplanagem, mas o fechamento dos contratos de comercialização de biogás e biometano são fundamentais para que o projeto avance.

“Nesse momento a gente segue trabalhando com os consumidores locais do Mato Grosso para vender esse gás. Na medida que a gente tenha esse gás contratado, começamos a executar a obra em si”, explicou.

“O mercado de biogás no estado de São Paulo é muito pujante. A nossa peculiaridade do Mato Grosso é que a gente está um pouco mais isolado, tem menos consumidores de gás. Então achar os grandes consumidores fica um pouco mais complexo do que em São Paulo”.

A expectativa, em cenário otimista, é que os contratos sejam assinados no ano que vem.

Resumo

  • Uisa, antiga Usina Itamarati, estuda investir até R$ 3 bilhões em novos projetos, incluindo etanol de milho, BECCS e biometano
  • A empresa já atingiu moagem próxima a 7 milhões de toneladas de cana e aposta na diversificação com cogeração de energia, soja e nutrição animal
  • Estratégia visa ampliar eficiência, sustentabilidade e mercados, reforçando a posição da Uisa como referência no setor bioenergético

José Fernando Mazuca Filho, CEO da Uisa

Canavial da Uisa: com 90 mil hectares de terras, empresa produz 70% da cana que processa