O brasileiro é famoso pelo hábito do cafezinho, é verdade. Mas cada vez mais as gerações vão demonstrando novas tendências em alimentos e bebidas. Uma delas é o maior consumo de chá.
É nesta “onda” que a centenária Matte Leão pretende surfar, ao mesmo tempo em que diversifica a oferta de produtos para que, até 2030, consiga dobrar resultados como receita e Ebitda no Brasil.
“A gente intensificou uma agenda de inovação no mercado de chá aqui no Brasil. A categoria supera R$ 1,13 bilhão (em receita) e a gente avança em market share, já temos 57,3% de share”, contou o CEO da Matte Leão, Marcelo Corrêa, em entrevista exclusiva ao AgFeed.
Quando se considera apenas o mercado de mate, o market share da Leão seria de 85%, segundo o executivo.
Corrêa é carioca, uma região que faz parte da história da empresa, já que o chá mate “ficou famoso entre as décadas de 50, 60 e 70 nas praias do Rio de Janeiro, com a marca mate Maracanã”, lembrou ele.
Segundo o CEO, a Leão é a segunda empresa mais antiga de alimentos e bebidas do Brasil, foi criada em 1901, por isso perde apenas para a cervejaria Boêmia, de 1856.
A empresa foi fundada em Ponta Grossa, no Paraná, por Agostinho Ermelino de Leão Júnior, mas 7 anos depois, quando faleceu, a esposa dele assumiu a liderança da companhia, “o que era algo muito disruptivo na época”, afirma Corrêa.
Houve uma aposta de tostar a erva-mate, que deixava o sabor caramelizado, o que deu origem a esse mate Leão que é bastante consumido na praia, gelado, e é ofertado como se fosse um refrigerante.
Não é à toa que, em 2007, a Coca-Cola Company, gigante global de bebidas, acabou adquirindo a Leão, que a partir dali deixava de ser uma empresa familiar.
As duas fábricas da Leão no Paraná – uma em Fazenda Rio Grande e outra em Fernandes Pinheiro – abastecem o mercado de caixinhas de chá de saquinho (infusão), a linha mais recente de erva-mate verde para chimarrão e tereré, além do extrato que vai para as fábricas engarrafadoras da Coca-Cola.
Os negócios, porém, são separados. Marcelo Corrêa explicou ao AgFeed que a receita de R$ 647,5 milhões não inclui a venda do extrato para o mercado de refrigerante. Neste valor estão 60 produtos de um portfolio de chás e erva-mate. As cifras envolvidas na venda do extrato não são divulgadas.
“A gente fornece o extrato para os engarrafadores do sistema Coca-Cola e eles fazem o envase e a distribuição, isso por conta de uma sinergia de portfólio, porque enquanto de um lado a gente fala sobre caixinhas de chá do outro é material mais pesado, pet. Por sinergia logística eles operam o pronto pra beber, faz mais sentido”, explica.
Entre os ganhos de ter a Coca-Cola e suas engarrafadoras como acionistas, segundo ele, está a certificação obtida para uma das fábricas da Leão.
A unidade que fica em Fazenda Rio Grande, na região metropólitana de Curitiba, foi a primeira fábrica do sistema Coca-Cola no mundo e a primeira do Brasil com a certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) para construções sustentáveis, sendo considerada uma "fábrica verde”.
A empresa se mostra animada com os números recentes do mercado de chá. O consumo per capita no Brasil subiu de 13 doses por ano em 2015 para 23 doses, atualmente.
A expectativa é de um grande potencial de crescimento já que, em alguns países, o consumo passa de mil doses por ano.
“A gente entende que a democratização de chá no Brasil precisa ser feita e esse é um papel nosso, um propósito nosso. Mas juntamente com a democratização, a gente precisa levar conhecimento aos consumidores, estamos falando de uma bebida milenar”, destacou Corrêa.
Para crescer é necessário, portanto, desenvolver mais o hábito, não apenas ganhar market share, ele pondera. Por isso, a Leão diz que vai investir para divulgar conhecimento sobre os principais chás que comercializa, aquilo que de uma forma “empírica” já é feito por alguns, ao consumir determinado chá para o estômago ou para relaxar, por exemplo.
Crescimento “duplo dígito”
Para 2025, a Leão prevê crescer 20% em faturamento, não apenas em produtos já tradicionais, mas também em novas frentes como a linha de erva-mate verde, lançada em fevereiro deste ano.
“São seis anos seguidos crescendo a duplo dígito, com crescimentos bastante exponenciais dentro do negócio. Tanto é que isso resultou em investimentos dentro da nossa estrutura fabril. Nos últimos anos investimos mais de R$ 50 milhões em estruturas e tecnologias industriais para poder suportar o crescimento”, afirmou o CEO.
A metade de dobrar de tamanho até 2030 leva em conta não apenas as oportunidades no mercado brasileiro, mas também a expansão internacional.
A Leão já tem operações, com distribuição de seus produtos no varejo, em países como Estados Unidos, Canadá, Espanha, Portugal, Japão e no Oriente Médio.
“Queremos exportar e disponibilizar para consumo ao redor do mundo, levando conhecimento de todos os princípios ativos da erva-mate como bom antioxidante, um produto natural e que pode trazer benefícios”, ressaltou.
A empresa calcula que 2% do faturamento já venha dessas operações internacionais. Até 2030, acredita que essa fatia poderá chegar a 10%. “São números ambiciosos, mas obviamente isso vai depender também do crescimento interno para ter essa correlação”.
Para suportar o crescimento, o CEO prevê uma nova rodada de R$ 50 milhões em investimentos nas tecnologias e estruturas de operação.
Acesso à matéria-prima
No campo, ele avalia que a oferta de erva-mate no Brasil é suficiente para absorver o aumento na demanda que a empresa deve gerar nos próximos anos.
A Leão adquiriu no ano passado mais de 7 toneladas de erva-mate. A matéria-prima é comprada por meio de uma parceria com 12 ervateiras, todas da região Sul do Brasil. O processo envolve, dependendo do ano, entre 100 e 300 produtores rurais que cultivam a erva-mate, por cada ervateira.
A empresa diz que também vem desenvolvendo projetos de incentivo às melhores práticas agrícolas. Uma das iniciativas atende 85 famílias de agricultores no Rio Grande do Sul.
Ao oferecer assistência técnica, com foco em manejo e gestão, foi possível obter um incremento médio de 3,17 toneladas por hectare no ano passado, segundo a companhia.
“A gente tem uma parceria a Fundação Solidariedad para esse processo todo de auxílio para as famílias. Paralelo a isso, a gente juntou a Embrapa e essa fundação e lançamos a Carbon-Matte, para a gente medir o sequestro dos carbono, o estoque de carbono, os efeitos e como o plantio de aromáticas faz esse sequestro dentro do cultivo do extrativismo. A aromática tem um papel importantíssimo na preservação da mata atlântica”, disse o CEO.
A estratégia é reforçar a importância ambiental da cultura, também com foco em maior visibilidade internacional.
“A erva-mate pode se tornar para fora aquilo que outros produtos brasileiros que são proprietários do Brasil formaram. O guaraná da Amazônia, por exemplo, é um produto conhecido mundialmente, o açaí é um produto conhecido mundialmente e a erva-mate tem ativos importantíssimos. A nossa estratégia é que nos próximos anos nós tenhamos esse conhecimento também espalhado pelo mundo inteiro”.
No caso das demais ervas, que a Leão compra para fazer o chá de saquinho, a grande maioria, admitiu Marcelo Corrêa, ainda é importada.
“Elas vêm de diferentes regiões do mundo, isso por conta do terroir, por conta de clima. Nós temos um parceiro homologado por nós que opera na Alemanha. Lá é feito um tratamento microbiológico; Então a gente trata cada uma das ervas com binômios específicos, sem perder nenhum elemento dos princípios ativos, ou seja, os óleos essenciais são preservados, os aromas, tudo é preservado”, explicou.
O executivo garante que esse tipo de tratamento é para assegurar qualidade e também acesso a diferentes mercados, uma vez que outros processos industriais, as vezes não são aceitos em todos os países.
Nas fábricas brasileiras, as ervas já tratadas são usadas para fazer o blend, de produtos específicos, que depois são embalados. Um dos carros-chefe, por exemplo, é o chá “camomila, baunilha e mel”.
O curioso é que algumas ervas até são cultivadas no Brasil, mas seguem primeiro para a Alemanha, onde passam pelo mesmo tratamento.
“Por mais que isso traga custos adicionais, desta forma a gente garante que leva a melhor qualidade para a mesa do consumidor. Não abrimos mão de termos o tratamento das ervas sendo feito dessa forma”.
E por que não trazer a tecnologia da Alemanha do Brasil? Marcelo Corrêa respondeu: “É um pensamento sólido, mas a gente precisa gerar mais escala, precisamos desenvolver mais o hábito de consumo no Brasil. Dentro dessa evolução dos negócios, em algum momento isso se tornará realidade, inevitavelmente”.
Quando isso ocorrer, haverá necessidade de mais escala na produção de ervas no Brasil e também uma adequação em relação à qualidade desejada.
Corrêa faz parte da Câmara Setorial da Erva-Mate, junto ao Ministério da Agricultura. Acompanhou de perto as discussões que levaram o produto a ser incluído na cesta básica, dentro do projeto da reforma tributária. Ele destaca como prioridade os esforços internacionais para relacionar a erva-mate aos programas com foco em sustentabilidade.
Resumo
- Matte Leão vai investir para ampliar consumo de chás no Brasil e fomentar exportação para dobrar de receita até 2030
- Empresa fatura R$ 1,13 bilhão com produtos de infusão e detém mais de 50% do mercado nacional
- Aposta na erva-mate pretende tornar mais conhecidas as propriedades da planta e torná-la referência internacional de produto sustentável, como o guaraná e o açaí