O processo é praticamente artesanal. Em uma das fábricas, mariposas colocam ovos, dos quais nascem lagartas sadias que são criadas em larga escala e mantêm o ciclo. Na outra unidade, lagartas são selecionadas para serem multiplicadoras de vírus e morrerem pelo produto final.

As lagartas precisam ser alimentadas com dieta específica e serem infectadas no momento ideal, com o vírus ideal, na dose ideal para que multipliquem esses vírus. Ao morrerem, as lagartas fornecem o vírus e, consequentemente, o bioinseticida a ser comercializado.

“Nós somos uma fábrica de lagartas. O produto final é o vírus, mas o que a gente produz, na verdade, são lagartas”, resumiu Adriano Vilas Boas, CEO global da AgBiTech, em entrevista ao AgFeed.

As duas fábricas globais da AgBiTech se localizam em Fort Worth, próximo a Dallas (Texas), nos Estados Unidos. Lá são produzidos os bioinseticidas a partir de um baculovírus capaz de combater e matar a Helicoverpa armigera, a tal lagarta criada nas fábricas e uma das principais pragas das lavouras de soja, milho e algodão, e também outras como a Spodoptera frugiperda, conhecida como lagarta-do-cartucho e também bastante frequente nessas culturas.

São 1,5 milhão de lagartas mortas e processadas por dia para atender a demanda da companhia nascida na Austrália, com a produção principal nos Estados Unidos, mas cujo principal destino global é o Brasil.

O País e os vizinhos Argentina, Paraguai e Bolívia, representam até 70% das vendas e dos 180 funcionários de toda a operação da companhia, 140 estão por aqui, sob o comando direto do brasileiro.

Além da sede em Campinas (SP), a AgBiTech mantém um centro de pesquisas dentro do Parque Tecnológico da Universidade Federal de Goiás (UFG), em Goiânia (GO).

A empresa estima que 6 milhões de hectares são tratados na região com produtos nas culturas de algodão, soja e milho, e outros 1,5 milhão de hectares na Austrália e Estados Unidos. A companhia não revela o faturamento, mas, segundo o CEO, “já está na casa dos três dígitos de milhões”.

Vilas Boas revelou que, pela importância da região para a AgBiTech, “no radar existe sempre a possibilidade” de uma fábrica no Brasil. Mas, por enquanto, a produção norte-americana tem atendido a demanda.

A unidade em Fort Worth foi dimensionada para atingir um volume cinco vezes maior em hectares do que o atual tratado pelos bioinseticidas lá produzidos. “A gente espera que em algum momento o limite vai chegar e aí, naturalmente, até por uma questão estratégica, o Brasil é o país mais relevante”, afirmou.

Relevante não só comercialmente, como os números mostram, mas para gestão de risco, uma futura unidade da AgBiTech poderia ser instalada no Brasil. Um dos fatores a serem geridos é a logística de produção, com um complexo sistema de transporte e distribuição dos bioinseticidas.

Importados em contêineres refrigerados de 1 mil litros cada, o produto chega ao Brasil, amostras são testadas no laboratório da UFG e a manipulação para embalagens comerciais é feita em um parceiro em Paulínia (SP), município vizinho à sede da companhia no País.

A dose para tratar um hectare é de apenas 50 mililitros (ml) do biológico, enquanto a maioria dos produtos químicos de altíssima concentração tem doses de um litro ou um quilo.

O vírus ativo precisa ser mantido refrigerado em temperaturas de -18 graus a 5 graus Celsius. Para superar mais esse gargalo, a AgBiTech fornece aos produtores freezers de 240 litros com capacidade de estocar produtos para o tratamento de até 5 mil hectares.

“A gente conseguiu, de certa forma, desmistificar o conceito da ‘cadeia fria’. Muitos diziam ‘olha, esse negócio não vai dar certo, porque eu preciso armazenar de forma refrigerada’”.

Essa logística obrigou a AgBiTech a rever o modelo de comercialização no Brasil para priorizar os produtores. Quando montou oficialmente as operações por aqui, entre o final de 2016 e o início de 2017, as vendas da companhia eram 100% feitas por meio de parcerias com outras grandes indústrias, naturalmente sem muito foco e não necessariamente voltadas para o biológico, segundo Vilas Boas.

“A gente ganhava com a escala, mas, no final do dia, não tinha foco e ainda era um mercado a ser desenvolvido. Foi aí que a gente implementou a estratégia e, aos poucos, a gente foi saindo do B2B e focamos 100% da nossa operação em marca própria, em canais menores de distribuição e também via acesso direto”.

Segundo o executivo, a AgBiTech tem 600 clientes, que são produtores com quem negocia a venda direta para em torno de 700 propriedades, com a assistência técnica também direta.

E foram os produtores que introduziram o bioinseticida da companhia no Brasil. Fundada na Austrália no início dos anos 2000, a AgBiTech ganhou espaço naquele país quando o controle químico para a helicoverpa se tornou eficiente e o bioinseticida desenvolvido pela empresa foi largamente utilizado.

Entre 2012 e 2013 a praga surgiu no Brasil e o cenário foi igual ao da Austrália, com o avanço rápido, os mesmos problemas de resistência aos químicos e ainda sem a tecnologia transgênica de controle disponível.

“Produtores brasileiros visitaram a Austrália, voltaram convencidos da eficácia do controle e com o objetivo de trabalhar junto aos órgãos regulatórios do Brasil para fazer um registro acelerado desse produto. No ano seguinte começaram a importar o produto para o Brasil”, explicou.

Em 2015, o fundo Paine Schwartz Partners adquiriu a participação majoritária na AgBiTech, mas manteve fundadores na companhia e um deles, Anthony Hawes, ainda é o chefe de tecnologia.

Para Vilas Boas, o sucesso no Brasil se explica pelo fato de a AgBiTech ter nascido como uma empresa de biocontrole para grandes culturas, ao contrário de outras do setor de biológicos que normalmente surgem para o tratamento de pequenas áreas como as de hortaliças e culturas menores. Outro fator é o tamanho da área suscetível às pragas por aqui.

Os Estados Unidos, por exemplo, apesar de serem grandes produtores agrícolas, são um mercado pequeno para os bioinseticidas, com pressão de praga no Sul do país, onde o frio não atua como “controlador natural” de insetos.

Além do sucesso do bioinseticida para de lagartas, o CEO Global da AgBiTech destaca que as vendas de outro produto, para o controle de adultos, ou seja, as mariposas, têm ganhado destaque. Batizado de Chamariz, o produto é um atrativo alimentar misturado em uma proporção de 1% a um inseticida letal para as mariposas.

Para o CEO global da AgBiTech a opção pelo comércio de bioinseticida a partir de vírus foi e continua sendo fundamental para pavimentar o crescimento da companhia, que tem 90% desse mercado no Brasil.

Ao contrário de biológicos a partir de bactérias e fungos, bem como químicos, ou mesmo transgênicos, o perfil genético dá aos vírus uma capacidade de se adaptarem às resistências naturais das pragas.

“A probabilidade de uma praga-alvo desenvolver resistência ao vírus é bem menor do que a de outros agentes. No controle de lagartas, que era majoritariamente feito por BTs e bactérias, o vírus já é a maioria e dentro do mercado de vírus nós somos predominantes”, disse Vilas Boas.

E há muito espaço para o crescimento até que a demanda justifique uma fábrica brasileira da AgBiTech, na avaliação do executivo. “No mercado de controle para lagartas, em torno de 4% é biocontrole e 96% ainda é químico. Podemos chegar a dois dígitos em cinco ou dez anos, portanto temos um mundo de oportunidades”, concluiu.

Resumo

  • Criada na Austrália, AgBiTech desenvollveu bioinseticida a partir de um baculovírus capaz de controlar a Helicoverpa armigera, uma das principais pragas agrícolas
  • A empresa tem duas fábricas, ambas no estado americano do Texas, mas a maior parte das suas vendas se concentra na América Latina
  • Crescimento da adoção dos bioinsticidas pode gerrar oportunidade para nova unidade, que seria no Brasil, maior mercado da companhia