No começo de maio, Evandro Buccini, diretor de crédito e renda fixa da Rio Bravo Investimentos, trocou temporariamente o ar-condicionado do escritório da gestora de Gustavo Franco e Paulo Bilyk na zona sul de São Paulo, esperando o calor seco de Ribeirão Preto, cidade-sede da Agrishow, a maior feira de máquinas agrícolas da América Latina.
Contrariando a regra, o tempo foi mais ameno na cidade durante o evento. E a reação de produtores e empresários do setor ao conversar com Buccini também não foi calorosa – pelo menos em um primeiro momento.
A Rio Bravo está captando um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) para financiar investimentos em logística a serem feitos por empresas do agro. O veículo, lançado em dezembro passado, já nasceu com R$ 50 milhões, recursos vindos da Desenvolve SP, agência do governo paulista.
Os interlocutores do agro ficaram particularmente incomodados com as taxas dos financiamentos, com taxas de IPCA + 11% ou 12%.
"Quando você fala em dinheiro para o agro, o pessoal já acha que é dinheiro barato, porque é o que estão acostumados", afirma Buccini em entrevista ao AgFeed.
A conversa na Agrishow, no entanto, mudava de tom quando Buccini apresentava as condições desses financiamentos, com prazo de seis anos e 50% do pagamento no quinto ano e o restante no sexto ano. "O nosso diferencial, principalmente em relação ao mercado de capitais e aos bancos, é o prazo", afirma.
Além disso, também não há necessidade de pagamentos de juros e amortização mensal. "Eu consigo dar também carência. Como tem muita gente procurando carência por causa do momento dos últimos anos, em que o pessoal se alavancou muito e está precisando de um fôlego, acabam gostando muito do prazo e da carência."
O fundo já está operando. Foram captados R$ 65 milhões, sendo R$ 50 milhões da agência Desenvolve SP, que ficou com a cota sênior, que tem menor risco e maior prioridade nos pagamentos, com remuneração de IPCA, mais taxa de 7% ao ano.
Já as cotas subordinadas e júnior, com maior risco e menor prioridade, ficaram com a própria Rio Bravo e a Fralo, consultoria especializada.
"Falta ainda captar uma parte da cota mezanino, o que devemos fazer em breve", diz Buccini, que buscará family offices, gestores mais próximos e até fundos da própria Rio Bravo. A regra do edital indica que a gestora deve captar um valor 20% superior ao montante inicial aportado – o que totaliza R$ 60 milhões.
A primeira operação já está fechada, com um financiamento para uma produtora de ovos, que Buccini prefere não identificar, aumentar sua capacidade de armazenagem de grãos, erguendo um silo em uma fazenda.
Há ainda uma segunda operação em estruturação. “Ainda tem espaço e continuamos procurando empresas para fazer essas operações de crédito.”
A gestora pretende financiar as empresas do agro, deixando de lado os produtores rurais. A opção por essa estratégia foi da Rio Bravo, explica Buccini, uma vez que o edital não traz um veto de financiamento aos agricultores.
Ele diz que a gestora mira as empresas, em detrimento dos produtores, pela quantidade de garantias que as operações necessitam. "A gente não vai fazer operação cuja única garantia seja a fazenda em que se produz. Agora, se o produtor tiver outras garantias, tudo bem, não tem problema", afirma.
Como os financiamentos do fundo estarão voltados a empresas que buscam investir em logística agrícola, Buccini aposta que as garantias são mais fortes. ‘São de mais fácil execução e normalmente não são imóveis rurais. Mas quando são, pelo menos é uma parte de armazenagem, que a gente acha que consegue ter mais garantias”, diz o diretor da Rio Bravo, que também afirma que recebíveis, ativos biológicos e grãos poderão entrar como garantias.
A ideia da Rio Bravo, no entanto, não é resumir as operações do fundo apenas à armazenagem. "É a logística entendida de uma forma um pouco mais ampla. Normalmente as pessoas pensam em armazenagem quando se fala em logística, mas também estamos olhando para conectividade, transporte e até irrigação."
Na mesma semana de dezembro em que os paulistas apresentavam o seu FIDC, um concorrente relevante entrou no caminho: o governo do Paraná lançou um Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), buscando captar R$ 2 bilhões no mercado.
O veículo já nasceu com R$ 350 milhões aportados pelo Poder Executivo paranaense, que tem como objetivo apoiar empresas industriais do estado em segmentos como máquinas agrícolas, silos, pivôs de irrigação e até veículos.
A gestão do fundo ficou a cargo da Suno Asset Management. A intenção era criar um blend de juros nos financiamentos que fique abaixo das taxas do Plano Safra, instrumento de crédito subsidiado do governo federal.
Buccini diz que os fundos lançados pelos governos paulista e paranaense são diferenciados tanto na estrutura de capital, como no tipo de crédito. “No Paraná, o governo está colocando um dinheiro muito subsidiado. Por aqui, o governo paulista está colocando IPCA + 7% na cota sênior. No Paraná, ouvi dizer que as cotas subordinadas serão créditos tributários de empresas. Aqui a subordinada é o dinheiro dos envolvidos, gestor e consultor. O que têm em comum é captação do mezanino, mas em patamares muito diferentes.”
Durante a Agrishow, o governo de São Paulo incluiu o fundo operado pela Rio Bravo em um grande pacote de investimentos de R$ 600 milhões anunciado pelo governador Tarcísio de Freitas durante o evento e que contemplava um aporte de R$ 115 milhões em mais dois fundos – um deles, que recebeu R$ 60 milhões, exclusivo para a empresa ACP Bioenergia e liderado pela BTG Asset, gestora do banco BTG Pactual, e um outro de R$ 55 milhões a ser estruturado e que envolve agricultura sustentável. A Rio Bravo não está participando dessas operações.
O fundo paulista não é a primeira operação da Rio Bravo envolvendo o agro, que já operou Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) no setor no passado, antes de mudanças feitas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 2023, que restringiram o acesso à emissão dos títulos apenas à empresas do setor imobiliário.
Mas a participação do agro na carteira da Rio Bravo – cerca de R$ 150 milhões, segundo Buccini – ainda é muito pequena frente aos cerca de R$ 14 bilhões geridos pela casa de investimentos, que tem 40 fundos e uma carteira de crédito de pouco mais de R$ 1 bilhão.
Buccini evita traçar planos mais concretos em relação ao futuro, mas acredita que o momento é de aprendizado a partir do fundo paulista.
“Temos algumas discussões sobre estrutura de capital, se esse é o melhor fundo para a gente crescer. E aí a gente vai ter que pensar se o melhor caminho é crescer esse fundo, ou se é, por exemplo, fazer um Fiagro.”
Um impulso para essa ideia é a mudança na regulamentação dos Fiagros, que entrou em vigor em março passado e terá sua implementação feita até o próximo dia 30 de setembro.
Os Fiagros poderão atuar no segmento multimercado, ou seja, com ativos variados em um mesmo veículo, como imóveis rurais, cédulas do produtor rural (CPR) e ações de empresas.
Até então, a legislação dos fundos do agro previa que eles fossem segmentados em FIDCs, FIIs (Fundo de Investimento Imobiliário) ou FIPs (Fundo de Investimento em Participações). "A regulação de Fiagro está muito mais madura do que quando a gente começou a discutir esse produto", avalia Buccini.
Mesmo assim, o diretor da Rio Bravo faz ressalvas. “O momento ainda não é muito bom para a captação de produtos do agro, ainda por causa do que aconteceu nos últimos anos, com defaults e inadimplências.”
Buccini atenta também para o fato de que os investidores não estão ainda familiarizados com as volatilidades do setor. “Quando se fala em fundo listado, como os Fiagros, o pessoal está acostumado a receber renda, previsível e elevada, especialmente de crédito, e todo mês, sem faltar. É muito difícil fazer isso no agro”, diz.
Para o diretor da Rio Bravo, o desafio é equilibrar essa equação.“Um cara que planta, colhe duas vezes por ano, se choveu muito, se choveu na hora errada, pode perder uma parte relevante da receita dele. É difícil você colocar taxas de juros muito elevadas num prazo curto e com PMTs mensais, que é o que o mercado adora, principalmente pessoa física.”
Resumo
- A gestora de Gustavo Franco e Paulo Bylik está lançando um fundo para conceder crédito a empresas do setor agropecuário
- O fundo contará com um aporte inicial de R$ 50 milhões do governo do estado de São Paulo e seus recursos serão destinados prioritariamente para aportes em logística e armazenagem
- Rio Bravo também avalia entrar no mercado dos Fiagros, após a regulamentação das novas regras para o segmento