A fotografia do mercado de caminhões nestes primeiros meses de 2025, especialmente na Scania, uma das líderes globais em caminhões pesados, está totalmente diferente daquela revelada do ano passado.

Enquanto no início de 2024 já se projetava um resultado “espetacular”, depois do difícil ano de 2023, desta vez a montadora já prevê “empatar” ou até mesmo registrar uma leve queda nas vendas.

O AgFeed conversou com dois dos principais executivos da Scania no Brasil, que seguem muito animados com as perspectivas de aumentar as vendas para clientes relacionados ao agronegócio.

“2024 foi o melhor ano da história da Scania no Brasil, desde quando ela começou, 67 anos atrás, tanto de produção como em vendas de veículos”, disse Alex Nucci, diretor comercial da empresa.

“Na verdade, é recorde mundial”, completou Simone Montagna, CEO da Scania Operações Comerciais Brasil.

O número de veículos vendidos chegou a 30 mil, sendo 20,2 mil caminhões. O crescimento da venda de caminhões em relação ao ano anterior foi de 60% em unidades comercializadas no Brasil.

A receita por país não é divulgada pela empresa, mas os executivos garantem que o Brasil é o maior mercado individual da Scania no mundo.

Apesar do bom resultado, Nucci contou que o momento desafiador do agro no ano passado também refletiu nos negócios da Scania. O segmento, que antes respondia por 45% das vendas de caminhões, caiu para 30% em 2024.

“O agro apresentou uma quebra média entre 6% e 7% no ano passado, uma seca muito grande (em Mato Grosso), mas com uma recuperação muito boa ao longo do ano. Depois tivemos uma baixa na cana, que teve uma queimada muito forte”, lembrou.

Entre os segmentos que puxaram o crescimento nas vendas, segundo ele, está o e-commerce, que vem sendo chamado na empresa de “novo agro”.

“Praticamente todos os segmentos de alguma forma foram positivos. Isso contribuiu para que o mercado de caminhões acima de 16 toneladas alcançasse praticamente 98 mil veículos, que é o segmento onde a Scania atua”, explicou.

Fase dos juros altos

O cenário positivo começou a mudar a partir do último trimestre de 2024, quando “movimentos macroeconômicos brasileiros” trouxeram desafios ao mercado, destacou Nucci.

“Uma taxa de juros mais elevada realmente traz um incremento no valor da parcela do caminhão, por exemplo, do cliente. Os projetos de investimentos são feitos à medida que realmente haja total necessidade. Se eu tenho um contrato novo, eu compro. Mas se eu não tenho um contrato e posso segurar mais seis meses, seguro até que eu possa aproveitar, quem sabe, uma tendência de queda da taxa de juros. Esse é o grande entrave que nós temos hoje”, explicou.

No agronegócio, ao contrário, a expectativa é de que, na média, haja uma recuperação nas vendas ao longo do ano. É possível que a participação na receita da Scania volte a ser dos tradicionais 45%.

O diretor comercial diz que espera menos investimento por parte do setor da cana-de-açúcar, que vem tendo maiores custos depois do problema das queimadas, inclusive com o replantio. O clima favorável nas áreas produtoras de grãos e a safra recorde, de outro lado, podem ser aliados.

Já o CEO, Simone Montagna, fez uma ressalva. “O frete melhorou muito, o produto (agrícola) ainda não chegou economicamente ao valor perfeito, mas está aumentando gradualmente. Isso vai gerar um ciclo econômico muito bom no início desse ano. Mas esse ciclo econômico tem que entrar no caixa dos operadores. Enquanto não entrar (no caixa), ele ainda vai ter um pouco de cuidado para fazer investimentos em caminhões”.

Na visão dele, por este motivo, só no segundo semestre poderá haver uma melhora em relação ao agro. A colheita da super safra servirá, no primeiro momento, para fazer a recomposição do caixa dos produtores rurais, depois do período complicado enfrentado em 2024.

Neste cenário, os executivos da Scania acreditam que o ano deve fechar estável ou com queda nas vendas, que poderia ficar entre 5% e 10%, considerando a venda total de caminhões, em todos os segmentos. Um fator determinante para isso, segundo Nucci, é a taxa de juros, especialmente se subir acima de 15% ao ano (Selic).

“O volume geral da Scania provavelmente será um pouco menor do que o ano passado, o orçamento já previu isso, que é um movimento natural de mercado, deve acontecer”, afirmou Montagna.

A estimativa leva em conta, por exemplo, o fato de que, no primeiro trimestre de 2025, o emplacamento de caminhões pesados, que é o segmento mais forte da Scania, caiu quase 7%. Já nos caminhões semipesados houve crescimento de 20% em relação ao primeiro trimestre do ano passado.

“No ano passado o agro sofreu bastante economicamente. Isso vai ter que ser reestruturado para começar a investir mais”, disse o CEO.

Sobre o atual cenário de crédito restrito no agro, a Scania diz que vem buscando caminhos alternativos. O Scania Banco financia quase 50% de tudo o que é vendido.

“Quando o mercado tem desafios, o Scania Banco entra mais forte para nos ajudar a suportar o que caiu. Outro braço da solução financeira é o consórcio e o terceiro é a nossa empresa de locação. Então, se a taxa de juros está muito alta, vamos locar”, explicou Alex Nucci.

Sobre as RJs do agro, ele diz que a montadora teve algum impacto, mas não tanto como bancos comerciais. O fato de ter 25 mil clientes na carteira - e a maioria com mais de 20 anos de relacionamento com a empresa - teria amenizado esses efeitos negativos.

Um sinal positivo também veio da Agrishow. A projeção era vender 10% menos em comparação ao volume do ano passado e a empresa diz ter recebido “muitas consultas e intenções de compras”. O processo demora para se concretizar, mas a Scania já trabalha com a possibilidade de fechar com aumento de 10% nos negócios gerados a partir da feira.

Mais foco em biometano

No agronegócio, os caminhões mais vendidos ainda são aqueles de 74 toneladas, conhecidos como rodotrem ou bitrem. De outro lado, vem crescendo a procura por modelos de 4 eixos, que agora conseguem suportar 58,5 toneladas, “o que antes levava o antigo bitrem”.

Alex Nucci diz que o Brasil pode ser dividido em dois na preferência por caminhões “No Arco Norte, 74 toneladas, 6x4, bitremzão e rodotrem. Vai para o Porto do Maranhão, vai para as ferrovias, Miritituba, toda a região do Pará”.

Da metade do Brasil para baixo, segundo ele, são mais comuns as carretas de quatro eixos e composições que levam para os portos.

Independentemente do tamanho o fato é que todos os modelos, aos poucos, devem migrar para motores com menor impacto ao meio ambiente.

A Scania diz ter sido pioneira no desenvolvimento de um motor a combustão interna – chamado super – que seria “o mais atualizado do mundo”. É um motor a diesel que oferece entre 8% e 10% de economia, por isso, segundo Nucci, reduz as emissões de CO2 na mesma proporção.

Na sequência, a empresa vem trazendo as apostas ao mercado na linha de combustíveis renováveis, para substituir os fósseis.

O diretor comercial diz que, de 2018 para cá, quando foram lançados os primeiros caminhões a gás, já foram comercializados cerca de 1,5 mil caminhões.

“Só esse ano nós temos um projeto de vender 700 caminhões do tipo. Então nós vamos superar as duas mil unidades comercializadas”, afirma.

O salto mais significativo agora seria resultado de uma infraestrutura mais consolidada e de novas parcerias para ampliar um projeto que a Scania desenvolve chamado de “corredores azuis”, para viabilizar a logística de caminhões abastecidos a gás atendidos por uma rede de abastecimento.

No caso do biometano, ele lembra que há alguns anos havia apenas projetos para construção de plantas e hoje muitas já estão prontas e produzindo. Por isso, dentro das parcerias, estarão com certeza as agroindústrias que estão produzindo o biometano a partir de subprodutos ou dejetos.

Em paralelo, a Scania aguarda mais interessados para vender caminhões movidos com 100% de biodiesel. O negócio mais emblemático foi fechado na safra 2023/2024, quando a Amaggi comprou 101 unidades para operar no chamado B100.

A montadora vendeu modelos do tipo para mais três clientes que, juntos com a Amaggi, contabilizaram mais de 120 unidades comercializadas.

Nucci admite que não há expectativa de vendas em volume expressivo para o biodiesel, por enquanto. Lembra que grandes exportadoras como Cargill, Bunge, Louis Dreyfus, “estão falando em projetos que podem alavancar vendas de veículos a biodiesel, mas ainda não há volumes certos”.

A ressalva, no caso do biodiesel, é que o produto de origem animal não é recomendável, por ter uma tolerância menor de temperatura, criando uma “borra” e “danificando rapidamente”. Nesse caso, serviria apenas para a mistura com o diesel comum.

Os ganhos ambientais, mais uma vez, são argumento de venda. “O gás reduz (as emissões) entre 10% e 12%, mais que o diesel. Quando você vai para o gás biometano, reduz até 90%. Quando você vai para o biodiesel até 77%. E quando você vai para o elétrico 100%”.

Na Agrishow 2025, realizada no início de maio, em Ribeirão Preto, a Scania lançou mais um modelo, o caminhão 6x4, movido à gás, que antes não estava no portfólio.

Antes, a empresa só oferecia modelos a gás que tinham uma autonomia mais baixa, por isso as vendas ficavam mais restritas a operações entre uma fábrica e um centro de distribuição, por exemplo. Agora, expandindo para 650km de autonomia, Nucci diz que já consegue atingir “qualquer segmeno, inclusive o agro, com 58 toneladas e 4 eixos”.

As vendas do modelo podem chegar a 1 mil no ano, embora a meta seja 700. “Já tem na carteira 400 unidades”.

“Agora expandiu pra defensivo, fertilizante e combustível, mas ainda o mais representativo é carga industrializada”, disse ele.

Quantos aos caminhões elétricos, já foram vendidas as primeiras unidades no Brasil, que serão entregues em 2026, mas o produto ainda é importado da Europa.

Os executivos garantem que, no elétrico, “a ideia é fazer mesmo trabalho que fizemos no gás, sentar com grandes embarcadores, provedores de energia elétrica, governo, para gente caminhar na construção da infra”.

Para o CEO Simone Montagna, o elétrico depende desse trabalho em conjunto com governos e envolve investimentos em infraestrutura (pontos de recarga, por exemplo) e incentivos tributários que ajudem a viabilizar economicamente.

“Se você olhar para uma jornada de 15 a 20 anos, nós começamos com o diesel, que é o que é vivo. Ele vai migrar uma parte do gás, que pode representar 10, 15% de uma produção da Scania. Daqui a pouco você tem o HVO, que é o diesel sintético. Depois você tem o biodiesel, que pode representar mais 10, 15, 20%. E o elétrico. Então daqui a 15, 20 anos nós teremos 4 grandes matrizes trabalhando para o transporte. Visto que o Brasil, na verdade, é uma Europa. Ele é um país continental”, avaliou Alex Nucci.

Investimentos no Brasil

O CEO disse ao AgFeed que o Brasil já representa 22% do Ebitda da Scania globalmente e que a contribuição, em termos de rentabilidade, para o negócio tem sido ainda mais importante do que o resultado em unidades vendidas. Anos atrás, o Brasil representava cerca de 10%.

Ele cita a maior conexão entre as áreas industrial e comercial como um dos diferenciais que tem levado ao melhor resultado. Seria mais fácil atender necessidades específicas, como para o agro, por exemplo.

Ao trazer essa maior rentabilidade, Montagna diz que fica mais fácil ter visibilidade e garantir mais investimentos.

Nos últimos anos, os principais investimentos tiveram como foco o incremento da produção na fábrica brasileira. De 30 mil caminhões produzidos, 20 mil ficaram no mercado nacional e o restante foi para países da América Latina, África do Sul e Austrália, por exemplo.

O ciclo mais recente de investimentos no Brasil é de R$ 2 bilhões, que começam a ser aplicados este ano e vão até 2028. Segundo os executivos, também já foram feitos aportes de R$ 1,4 bi entre 2020 e 2024.

“São investimentos para fazer melhorias em todo o processo produtivo da Scania”, disse Nucci. Além do incremento em maquinário da fábrica, estaria na conta um investimento focado na linha de ônibus elétricos.

“Esse ciclo de investimento agora que vai até 2028 prevê todas as melhorias necessárias na linha de produção para veículos a diesel, para veículos a gás e para veículos elétricos”.

A Scania no Brasil exporta atualmente entre 25% e 30% do volume de veículos produzidos. A empresa, globalmente, tem meta de ser net zero até 2050, por isso deverá investir cada vez mais em combustíveis alternativos.

As rotas, no entanto, são diferentes na Europa, com mais foco em elétricos, por exemplo. Dificilmente o Brasil exportará caminhões a biodiesel, mas diz que já está vendendo a outros países unidades movidas a gás.

Sobre “surpresas” do mercado, como o tarifaço de Donald Trump, a Scania não vê impactos significativos.

A montadora não produz caminhões nos Estados Unidos e a unidade brasileira também não vende veículos para lá. No entanto a Scania faz parte do grupo Traton (subsidiária da Volkswagen AG), que nos EUA é dona da Navistar, dos caminhões da marca International.

Resumo

  • Após um recorde histórico em 2024, a Scania projeta estabilidade ou queda de até 10% nas vendas de caminhões em 2025
  • O agro, que caiu de 45% para 30% nas vendas em 2024, deve retomar participação com safra recorde e melhora gradual do frete, mas investimentos só devem aumentar no segundo semestre
  • A Scania investirá R$ 2 bilhões até 2028 em sua operação brasileira, que já representa 22% do Ebitda global

Alex Nucci, diretor de Vendas de Soluções da Scania Operações Comerciais Brasil

Caminhão a gás RH 460 6x4, lançado na Agrishow 2025