Nas próximas semanas, representantes de grandes montadoras como Volkswagen, Scania e Volvo, além de fabricantes nacionais de equipamentos para transbordo nas lavouras de cana de açúcar, devem receber notificações encaminhadas pelos advogados da Grunner, indústria de máquinas agrícolas com sede na cidade de Lençois Paulista, no Interior de São Paulo.

Nos documentos, a empresa paulista comunicará oficialmente ter obtido na semana passada junto ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi) a patente por “modelo de utilidade” da tecnologia utilizada nos diferentes modelos de suas “smart machines”.

É assim que a Grunner denomina seus produtos, montados sobre a plataforma de caminhões Mercedes Benz. Seu pulo do gato foi o conjunto de soluções utilizadas para adaptar esses caminhões para executar, nas lavouras, trabalhos que antes exigiam tratores.

Ajuste automático de bitola, piloto automático e capacidade de direção autônoma, entre outras inovações, foram combinadas de forma única, reconhecida pelo Inpi como de uso exclusivo da companhia até 2033.

O depósito do pedido de patente foi feito em 2018, mas o registro definitivo foi concedido apenas agora. Nesse intervalo, segundo Denis Arroyo, CEO da Grunner, a empresa já identificou “cópias muito fiéis” de suas inovações de diversas “concorrentes”, inclusive as multinacionais citadas.

“Na Agrishow do ano passado já havia dois desses modelos expostos por marcas diferentes”, afirmou Arroyo ao AgFeed. “Algumas empresas já desenvolveram conceitos semelhantes para alguns tipos de operação”.

O executivo cita os casos de Scania, Volvo e Volkswagen como exemplos e diz que elas já haviam sido notificadas anteriormente, com base na proteção garantida à propriedade intelectual da Grunner pelo depósito do pedido de patente.

Isso porque elas estariam entre companhias que podem ter infringido esse direito e utilizado uma combinação de tecnologias idênticas à da Grunner. “A Scania desenvolveu um modelo, mas está desenvolvendo para fazer algo com gás e biometano, um projeto muito específico”, conta.

A Volvo, por sua vez, teria feito uma primeira tentativa de desenvolvimento, desistiu e agora, segundo Arroyo. teria sido procurada para uma nova incursão nesse segmento em parceria com uma fabricante de equipamentos para transbordo.

Já a Volkswagen seria a companhia que mais preocupação causa à Grunner. “É o maior concorrente nosso, desde o início tentaram acelerar nesse mercado”, afirma Arroyo. “Nós já temos uma briga jurídica vencida só com o depósito da patente e agora, com a patente registrada, vamos voltar para cima”.

De acordo com o executivo, a montadora alemã já teria produzido em torno de dez equipamentos, a princípio para testes e desenvolvimento.

“Já tínhamos feito notificações na época do depósito e agora, com a patente registrada, faremos novamente. Dependendo da reação de cada um deles, vamos tomar as medidas necessárias. Não é algo para se criar uma guerra, mas é o direito de quem saiu na frente”, diz.

Outra ação da Grunner, de acordo com Arroyo, é comunicar aos clientes a conquista da patente. A ideia, além de informar que a empresa paulista é a única a poder comercializar esse tipo de solução no País, seria alertá-los para potenciais prejuízos no caso de compra de equipamentos concorrentes, que podem vir a ser alvo de busca ou apreensão em caso de uma ação da fabricante.

Da lavoura própria à exportação

A existência de modelos inspirados nas suas máquinas tem, na visão do executivo, um lado positivo para a Grunner: a confirmação de que o caminho seguido pela empresa, em cinco anos de vida, é “sólido” e de que os seus fundadores – a família de produtores de cana Belei – foram “muito inteligentes” em buscar a patente.

Eles enxergaram que o sistema desenvolvido por eles para resolver o problema de pisoteio, que reduzia a produtividade nos canaviais, poderia se transformar em um novo negócio. E, mais que isso, que essa inovação não se encaixava nas tradicionais categorias de máquinas e que poderiam ser os únicos donos dessa ideia por algum tempo.

“Eles não sabiam se iam vender uma, dez ou mil dessas máquinas, mas foram felizes ao entender isso logo de início”, avalia Arroyo.

Hoje, o conceito desenvolvido inicialmente para uso nas lavouras de cana já é usado em equipamentos criados para aplicação também em outras culturas, como as de grãos e de florestas plantadas. Em todas elas, a proteção da patente é válida, segundo o CEO da empresa.

Da mesma forma, por conta de acordos internacionais assinados pelo Brasil na área de propriedade intelectual, o registro é reconhecido em vários países. Com isso, a empresa ganha segurança e tempo para trabalhar o mercado de exportação de suas máquinas, que começa a entrar no radar.

Denis Arroyo conta que a Grunner já iniciou conversas com potenciais clientes internacionais, sobretudo em países produtores de cana. “O pessoal da Flórida teve bastante interesse no equipamento e na Austrália tem gente discutido bastante”, afirma.

A oportunidade é vista como uma alternativa para diversificar fontes de receita, com a possibilidade de entrada de novas moedas e de driblar eventual sazonalidade de mercado. Mas está longe de ser o foco principal da companhia, já que a demanda interna tem garantido a ocupação quase total da capacidade de produção da fábrica da empresa.

No ano passado, a Grunner produziu cerca de 400 equipamentos e faturou cerca de R$ 600 milhões. Com isso, hoje existem em torno de mil máquinas da marca atuando no campo. “Temos apenas 13% de marketshare de transbordos, com muito espaço para seguir crescendo”, diz ele.

Isso, de acordo com Arroyo, significa um incremento de cinco pontos percentuais no mercado em 2023, um ano em que as vendas de máquinas agrícolas caíram de forma significativa – cerca de 30%, segundo ele – e a Grunner conseguiu repetir a performance de 2022.

Parte do desempenho foi garantida pelo lançamento de novos produtos para a cultura de cana, um para aplicação de fertilizante líquido da vinhaça, outro de aplicação de corretivos como calcáreo, nas lavouras.

Na Agrishow do ano passado, a empresa chegou a apresentar também uma primeira versão de máquina voltada para o mercado de grãos. O protótipo mostrado foi um veículo voltado para a aplicação de corretivos com abafador, com motorização com potência de 510 cavalos, enquanto os modelos para cana têm motores de 300 cavalos.

Modelo Grunner para o mercado de grãos apresentado na Agrishow 2023

A máquina chegou a ser colocada em comercialização, mas segundo Arroyo, a empresa decidiu tirar o pé e reavaliar alguns pontos e fazer melhorias antes de investir de fato no mercado de grãos.

“Entendemos que para esse mercado seria mais interessante um produto multifunção, que troca parte do equipamento e a transforma para outras atividades, não apenas a aplicação de corretivos”, diz.

O relançamento, já com esse novo conceito, deve acontecer na feira Tecnoshow, em Rio Verde (GO), que acontece em março próximo, com as vendas sendo iniciadas efetivamente em 2025. Antes disso, a empresa deve colocar alguns equipamentos em operação junto a clientes selecionados para ajudar no desenvolvimento.

A cautela para colocar as máquinas nas lavouras de soja e milho, por exemplo, deve-se também à necessidade de estruturar melhor áreas como a comercial e de pós-venda. Isso porque há grandes diferenças entre o perfil dos produtores de cana e de grãos.

“Vamos sair de um mercado de poucos CNPJs, concentrado em cerca de 60 usinas, para um pulverizado em milhares de CPFs, com área sete vezes maior”, diz. “Para isso, o modelo de negócios tem de ser diferente”.

De Grunner na Faria Lima

Com ambiente menos favorável, em função dos juros altos, a Grunner também desacelerou nos planos de fazer uma captação de recursos no mercado de capitais.

No ano passado, durante a Agrishow, Arroyo disse ao AgFeed que a empresa deveria buscar algo em torno de R$ 100 milhões a serem usados para financiar o crescimento da companhia.

“A captação saiu de nossa frente”, afirma agora o CEO. Segundo ele, a revisão nesses planos se deveu à evolução positiva da relação com bancos e fundos, que permitiu que a empresa encontrasse outras soluções e postergasse a necessidade de um investimento mais pesado.

No ano passado, Arroyo chegou a fazer um roadshow, apresentando a empresa a mais de 15 instituições diferentes. “Entramos na Faria Lima de Grunner”, diz.

Ao longo das conversas, diz ter ouvido dos interlocutores que o momento ainda não era o ideal e que era possível acessar, de forma mais vantajosa, outras fontes de recursos com juros mais baixos.

“A gente aprendeu muito e vimos que não era hora de CRA, de emissão, de M&A ou IPO. Eles nos ajudaram a enxergar isso. Disseram: ‘tem muito dinheiro na mesa que vocês conseguem pegar sozinhos’”.

Com a mudança de estratégia financeira, Arroyo disse ter conseguido conquistas importantes, como a redução de 35% nas taxas de juros para capital de giro e o alongamento das dívidas, que deixaram de ser majoritariamente de curto prazo para ficarem quase que integralmente com um perfil de mpedio e longo prazos.

“A nossa relação, que era de poucos bancos, virou de muitos bancos. Há vários fundos querendo avançar, mas vamos estudado com cuidado. Antes, tínhamos necessidade de ter onde captar recursos. Hoje, vemos que precisamos saber para que usar o recurso, porque capacidade de captação nós temos”.

Expansão e parcerias

Com a questão financeira equilibrada, a Grunner deve concentrar seus investimentos em incrementar a operação na fábrica, hoje com capacidade de montar 800 equipamentos por ano, e na expansão geográfica de sua clientela.

Em cana, a ideia é continuar conquistando novos contratos com grupos que ainda não usam Grunner. Em 2023, a empresa saltou de 14 para 40 grupos em carteira.

Para atingir mais mercados, a empresa deve reforçar suas equipes comerciais. A ideia é crescer rumo ao Paraná e ao Centro-Oeste, mas a demanda de clientes do setor sucroenergético já indicam que haverá negócios também no Nordeste. “Eles bateram na nossa porte e vêm com apetite”, diz Arroyo.

Ainda em 2024, a Grunner projeta ampliar o leque de empresas parcerias, que permitirão embarcar ainda mais tecnologia em suas máquinas. Ele diz que deve anunciar nas próximas semanas um acordo com uma empresa do setor.

“Chamamos nossas máquinas de smart machines porque temos o conceito de embarcar cada vez mais coisa nelas. Esse será o primeiro passo para demonstrar isso”, diz.

Outra parceria já definida é para o fornecimento de pneus para as máquinas. Nos últimos meses, Arroyo conta que recebeu visitas de equipes globais da francesa Michelin, interessada em se tornar a fornecedora oficial da marca paulista.

O contrato acaba de ser selado e a partir deste ano os equipamentos da Grunner já passam a sair de fábrica equipados com os pneus da companhia europeia. Segundo Arroyo, o volume justificará inclusive a nacionalização da produção por parte da Michelin.

Além disso, a montadora vai investir no desenvolvimento de motores movidos a combustíveis renováveis. Esse trabalho é feito em uma linha paralela ao realizado pela Mercedes, com quem a Grunner tem uma parceria estratégica de exclusividade.

Enquanto o grupo alemão prioriza uma opção com motorização a hidrogênio verde, usando o etanol como fonte, a Grunner, por demanda de seus clientes do setor sucroenergético, tem focado principalmente em biometano.

Além disso, a empresa espera testar esse ano um motor de etanol, que Arroyo espera ter disponível para mostrar na Agrishow, no final de abril.

“A segunda maior conta das usinas é o diesel”, afirma ele. “Eles nos dizem que não faz sentido produzirem combustível limpo mas usar grandes quantidades de diesel na produção. E apesar do Grunner gastar menos que o trator, ainda é diesel”.