No mercado de fertilizantes, todos sabem que o Brasil é muito dependente das importações de matérias-primas. E quando se fala de um nutriente específico, o potássio, a fatia que vem de fora é mais preocupante: 95% de importação.

Para produzir mais dentro do Brasil, o ponto de partida é ter as jazidas para explorar, algo que já na década de 1970 foi descoberto. Quando a Petrobras pesquisava petróleo e gás na bacia amazônica identificou minas de potássio na região.

O engenheiro de mineração Adriano Espeschit acompanhou a história de perto, trabalhou em diferentes empresas do setor e estava no projeto que tentou comprar da Petrobras dois ativos na região, mas sem sucesso.

Foi então que o empresário canadense Stan Bharti, nascido na Índia, resolveu apostar na exploração de potássio no local começando “do zero”, como contou Espeschit, ao AgFeed.

Hoje ele é o presidente da Potássio do Brasil, uma subsidiária da Brazil Potash, empresa criada oficialmente em 2009 que, desde novembro do ano passado, tem ações negociadas na bolsa de Nova York.

“O minério está a 800, mil metros de profundidade e você tem que ir lá confirmar isso. Então, só para fazer um furo de pesquisa de mil metros de profundidade, você gasta algo em torno de 2 milhões de dólares. Nós fizemos 60, então foram 120 milhões de dólares já investidos só na perfuração dos poços”, contou Adriano.

Dos 60 poços, 43 estavam em Autazes, município do Amazonas, onde hoje está sendo desenvolvido o principal projeto da Brazil Potash.

Nos últimos anos, foram diversas batalhas para que o projeto se tornasse realidade. A empresa diz que já foram investidos US$ 250 milhões. O projeto total, porém, prevê investimentos de mais US$ 2,5 bilhões.

Segundo o executivo, os gastos foram com engenharia, aquisição de terrenos, licenciamento ambiental e questões jurídicas.

O maior desafio foi enfrentar os questionamentos de ONGs e Ministério Público sobre impactos ambientais e sociais. O argumento era de que o projeto estaria numa área indígena.

Depois de muitas idas e vindas na justiça, com apoio do governo federal e um posicionamento do próprio Ibama, houve o entendimento de que a competência para liberar a licença seria do órgão estadual, o IPAAM, Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas. As autorizações já foram concedidas, segundo a Potássio do Brasil.

“A alegação é tão ruim que, se fosse em terras indígenas, teria que ter autorização ou regulamentação do Congresso Nacional de acordo com a Constituição de 1988. Em termos de Estado, IBAMA e IPAAM, que são os dois órgãos ambientais envolvidos, estava claro que não era em terra indígena, então era estadual”, afirmou.

Em janeiro de 2025, a Potássio do Brasil assinou um Acordo Preliminar de Cooperação com o Conselho Indígena Mura (CIM) de Autazes. O acordo estabelece uma estrutura inicial para colaboração entre o projeto e as comunidades indígenas Mura, incluindo um programa de desenvolvimento sustentável, além de investimentos em iniciativas sociais e culturais para as aldeias.

Em maio de 2024, o Ministério Público Federal entrou com uma ação para suspender o licenciamento da mina de potássio, argumentando que a consulta prévia aos Mura não foi realizada adequadamente e que o licenciamento deveria ser conduzido IBAMA, o que acabou não ocorrendo.

Espeschit diz que faz reuniões regulares com a comunidade e que, na aprovação do projeto estavam presentes 32 das 34 aldeias, alcançando 90% de aprovação, mas o debate ainda gera controvérsias entre as entidades que se opõem à exploração da mina.

Agora, a empresa diz que venceu a etapa de licença prévia, que provou a viabilidade ambiental do empreendimento. Depois disso, solicitou e obteve a licença de instalação, por isso começou a implementação do projeto. “Nós estamos já começando a obra para poder instalar a mina, a planta, a estrada e o porto”.

O AgFeed apurou que nos próximos dias devem ser divulgados os detalhes do contrato, que já foi assinado, com o parceiro que fará o trabalho para a retirada de todos os animais do terreno. Com o sinal verde para a remoção da fauna e supressão vegetal, a empresa avança na fase de escavação e instalação de dois poços profundos no local.

“A gente vai anunciar em breve algumas assinaturas de contratos com prestadores de serviços que vão estar colocando maquinário lá no campo, pé no chão mesmo”, diz.

A empresa que acaba de ser contratada está com 10 funcionários no local que, neste início, se somam a cerca de 50 pessoas. “Durante a obra, nós vamos chegar a ter, em média, 2.600 funcionários trabalhando lá e vai chegar a um pico de 4 mil”, estimou.

O projeto de Autazes prevê a produção de 2,2 milhões de toneladas de potássio. Os acionistas já sinalizam que, futuramente, pode haver uma “segunda fase”, de expansão para os demais pontos, o que levaria a um volume de 5 milhões de toneladas.

Adriano Espeschit, presidente da Potássio do Brasil

O início da produção está previsto para 2029 ou 2030. Este ano “é mais de preparação” segundo Espeschit, onde estão sendo feitas “as manobras do navio”. Já para 2026 ele prevê capacidade total em termos de implantação, quando já teria 2,6 mil funcionários na obra.

O Brasil consome, atualmente, cerca de 14 milhões de toneladas de potássio. O produto é importado principalmente do Canadá, Rússia, Bielorrússia, Alemanha e Israel.

“Tirando os 2,2 milhões de toneladas que a gente vai produzir made in Brasil, a gente cai essa dependência para algo em torno de 80%”, afirma.

Caso novos projetos sejam implantados nas áreas já mapeadas, compatíveis com Autazes, seria possível reduzir a importação para 40%. “O Plano Nacional de Fertilizantes (liderado pelo governo) coloca em termos de meta para 2050, uma redução para 50%”, diz ele.

A empresa garante que poderá oferecer o potássio a preços muito competitivos. “O nosso custo entregue no Mato Grosso é menor do que só o custo de logística para vim do Canadá para o Brasil”.

Além disso, é considerado um diferencial a entrega muito mais rápida do adubo ao produtor rural. “Ele vai deixar de fazer uma compra com mais de 100 dias de antecedência, que é o tempo médio que demora quando ele coloca uma ordem de compra para receber o potássio na fazenda dele”. Na Potássio do Brasil seria possível receber “em 5 dias ou menos”, promete.

Também favoreceria a empresa uma menor interferência das oscilações na taxa de câmbio, que costuma ser importante na formação dos preços à medida que quase todo o potássio é importado.

Desafios atuais

Quando perguntado sobre quais os fatores que ainda poderiam “segurar” o avanço do projeto, o presidente da Potássio do Brasil disse que são questões físicas e financeiras. Ou seja, é preciso ter pessoas capacitadas para trabalhar no local e também ter recursos que viabilizem a implementação.

De qualquer forma, ele garante que explorar e produzir potássio na Amazônia é hoje algo real, que vai acontecer. Até anos atrás alguns analistas consideravam essa possibilidade uma “utopia” em função da forte resistência por parte, principalmente, das ONGs ambientalistas e também pelos altos custos envolvidos.

“Nós estamos fazendo a produção do potássio mais verde do mundo, focado na segurança alimentar do Brasil e do mundo e qualquer coisa que possa ser objeto de dúvida a gente quer que seja levantado para analisar e buscar uma forma melhor de ser feita”, ressalta.

O executivo lembra que boa parte do potássio produzido em outros países – e importado do Brasil – leva a um adicional de 1,2 milhão de toneladas de carbono equivalente a mais, porque se trata de um processo que utiliza carvão como fonte de energia.

Espeschit conta que, ao longo dos últimos anos, vários detalhes do projeto já foram revisitados, seguindo sugestões que foram feitas. Um exemplo disso é o fato de que, no projeto original, haveria captação de água dos aquíferos da Amazônia, que são rios subterrâneos.

“O órgão ambiental demonstrou que seria mais viável captar a água do próprio rio Madeira. Isso vai custar mais caro do que os poços, mas a gente implementou o que o órgão ambiental sugeriu para se adequar”.

Resta, portanto, o desafio financeiro. Espeschit disse ao AgFeed que cerca de 70% dos US$ 2,5 bilhões virão de financiamentos, em conversas que estão ocorrendo com várias entidades de crédito, incluindo o próprio BNDES.

Uma outra parte virá em equiity. A Brazil Potash, controladora da Potássio do Brasil, fez um IPO na Bolsa de Nova York (NYSE) no ano passado, que viabilizou a captação de US$ 30 milhões.

A opção pela bolsa de Nova York teria sido em função do forte mercado de mineração e de um mercado de capitais mais tradicional.

Segundo executivo, um follow on nos EUA deve ser feito “provavelmente até o ano que vem” e novas estratégias, inclusive na bolsa brasileira, não estão descartadas.

“Você pode fazer o que o mercado chama de dual listing, ou seja, listar em mais de uma bolsa. E isso está no nosso planejamento estratégico como uma alternativa. Então nós podemos vir a listar tanto aqui no Brasil, quanto em outras bolsas do mundo, como, por exemplo, a bolsa de Toronto. Mas nada impede de listar também em Londres ou em Sydney, na Austrália”, explicou, destacando que estes países têm destaque no mercado de mineração.

Embora a empresa reforce o otimismo, suas ações em Nova York vêm acumulando forte desvalorização, de mais de 80%, desde o IPO. O papel da Brazil Potash era cotado a cerca de US$ 2,30 nesta quinta-feira, 10 de abril, enquanto em novembro de 2024 valia mais de US$ 13.

“Isso é comum em lançamentos de bolsas, principalmente quando um projeto tem 15 anos de vida e você teve investidores que entraram em chamadas de capital com valores bem baixos”, explicou o presidente. Ele alerta também que os volumes negociados são insignificantes, o que contribui para criar uma certa “máscara”.

Ele ressalta que, de qualquer forma, segue “muito otimista” com o que chama de “navio saindo do porto”, com início das atividades no local. “Vai se enxergar isso e a expectativa é de que quem vendeu, vendeu errado”.

Para este ano, com ações como às relacionadas a fauna e flora, questões jurídicas e início de alguns trabalhos, além de um mapeamento arqueológico, estão previstos investimentos de US$ 10 milhões.

Já em 2026, os aportes necessários devem ficar entre US$ 400 milhões e US$ 500 milhões, em função de equipamentos que começam a ser comprados, segundo Espeschit.

Os recursos ainda estão sendo captados e seguirão de forma escalonada. Ele diz que um equipamento importado, por exemplo, poderá ser financiado por uma agência de crédito do país fabricante. O mesmo ocorre com demandas do Brasil que, dependendo do caso, poderiam acessar até mesmo o Finame, do BNDES.

Para conquistar investidores, a Potássio do Brasil conta não apenas com sua “tese” de que o Brasil poderá se tornar no futuro autossuficiente no potássio ou até exportador do fertilizante, mas também com alguns contratos já assinados.

Um dos acordos foi feito com a gigante dos grãos Amaggi, que poderá comprar 500 mil toneladas de potássio da Brazil Potash anualmente, ao longo de 17 anos. Ao mesmo tempo, a empresa de Stan Bharti usaria o transporte fluvial da Hermasa, que pertence ao grupo da família Maggi.

“E nós temos um terceiro acordo onde eles (Amaggi) poderiam fazer a comercialização de valores acima das 500 mil toneladas que a gente fechou com eles”, revelou Espeschit.

Cálculos feitos pela consultoria CRU, especializada em fertilizantes, indicam que a Potássio do Brasil poderá gerar um Ebitda de US$ 1 bilhão quando estiver operando com capacidade total, entre 2031 e 2032.

Os valores podem mudar, dependendo também das condições geopolíticas internacionais que costumam influenciar as cotações dos fertilizantes. Problemas em relação à Bielorrússia e o próprio conflito entre Rússia e Ucrânia ajudaram a provocar picos de preço nos últimos anos.

Analistas de mercado também já questionaram no passado a qualidade das jazidas da região em que foi instalado o projeto da Potássio do Brasil, alegando menor concentração do nutriente, por exemplo.

O CEO da empresa garante que é mais um caso de “fake News”. “Não existe isso, o produto é standard, você só entra com o produto no mercado se você atingir uma especificação mínima”.

“O nosso produto tem 95% de KCL e o nosso minério, a nossa matéria-prima, tem 30% em média de teor, você enriquece ele numa planta de beneficiamento para esses 95%”, acrescentou. Segundo a empresa, o potássio do Canadá, por exemplo, teria essa mesma condição, com 30%.