Até poucos anos atrás, o biochar, condicionador do solo gerado a partir de biomassa formada por resíduos da produção agrícola, não estava na agenda do dia de novos investimentos. Mas ganhou outro status com a evolução do mercado de carbono e o potencial ambiental que traz consigo.

Não à toa, a startup NetZero, criada há apenas quatro anos e que vinha produzindo o fertilizante orgânico utilizando cascas de café, planeja dar mais tração aos seus negócios ao longo deste ano, adicionando outras biomassas de outras culturas como cana-de-açúcar, arroz, açaí, cacau e coco.

Dessa forma, a empresa projeta encerrar 2025 com nove fábricas produtoras de biochar operando ou em fase de construção e, se tudo der certo, poderia chegar ao fim do ano com uma produção anual no Brasil em uma faixa entre 40 a 50 mil toneladas de biochar por ano.

Para dar sustentação ao pipeline, a startup abriu, em janeiro passado, uma rodada de investimentos de US$ 30 milhões (cerca de R$ 176,9 milhões, no câmbio atual) que, no cenário “mais otimista”, nas palavras de Ricardo Figueiredo, diretor de excelência industrial e ESG da NetZero, se encerra em junho.

Até o momento, a startup já somou 36 milhões de euros (R$ 237,8 milhões) em diferentes rodadas, com investidores de peso como a montadora Stellantis, a indústria de comésticos L’Oréal, a empresa de transporte marítimo CMA CGM e o o fundo francês de investimentos de impacto STOA.

A NetZero projeta alcançar o seu breakeven entre 2026 e 2027. “A gente vai ainda torrar bastante capital nos próximos dois anos para fazer essa virada”, afirma Figueiredo.

Hoje, a startup possui duas plantas no Brasil nas cidades de Lajinha (MG), inaugurada em abril de 2023, e Brejetuba (ES), inaugurada em junho do ano passado – além de uma outra unidade em Camarões, país de origem de um dos sócios da empresa. Ao todo, essas fábricas produzem 7 mil toneladas de biochar por ano.

Até a metade do ano, outras duas fábricas devem se somar às que já estão em operação, nas cidades de Paraguaçu e de São João do Manhuaçu, ambas de Minas Gerais. Dessa forma, a NetZero conseguirá alcançar uma produção de 14 mil toneladas de biochar até o meio do ano.

"Temos uma estrutura pesada de pesquisa e desenvolvimento, engenharia a projeto que precisamos suportar. O capital que está vindo é para sustentar esse crescimento e a escala de produção das plantas", afirma Figueiredo.

A equipe também deve aumentar, passando dos atuais 154 funcionários para cerca de 250 – há pouco mais de dois anos, no fim de 2022, eram 10 pessoas.

Até o momento, segundo o executivo da NetZero, a startup vinha desenvolvendo fábricas próprias, mas a ideia é que a empresa, daqui para frente, construa plantas de biochar sempre em parceria com terceiros.

A planta de São João do Manhuaçu, que está sendo desenvolvida com uma montadora que a NetZero prefere não identificar, inaugura esse novo modelo.

"O plano de negócio da empresa é totalmente baseado na venda de tecnologias e nos royalties de crédito de carbono. Ao mesmo tempo em que fornecemos a nossa tecnologia, junto com ela, vai um pacote de serviços e, nesse pacote, a base é a certificação e comercialização dos créditos de carbono", afirma.

Além das duas fábricas prestes a serem inauguradas, há outros projetos em negociação para a instalação de mais unidades também em Minas Gerais e em São Paulo e Goiás. “Nós temos pelo menos quatro contratos em negociação para serem fechados em 2025”, diz Figueiredo.

O mais avançado desses é com uma grande empresa do setor sucroalcooleiro, com quem a startup está prestes a fechar acordo nas próximas semanas, segundo o diretor da NetZero.

Figueiredo afirma que não pode revelar a identidade dessa companhia por questões de confidencialidade, mas adianta alguns detalhes à reportagem.

"É uma sucroalcooleira muito grande, que vai iniciar um modelo de escalada do biochar na cana, sendo um divisor de água para o mercado da cana", afirma.

Até então, a NetZero vinha trabalhando apenas com a casca do café, que é obtida em parceria com a Coocafé, cooperativa de cafeicultores de Lajinha, e foi uma escolha feita a partir da experiência que a empresa teve com essa cultura em Camarões.

“O primeiro laboratório para a consolidação da primeira geração tecnológica da Net Zero foi a palha do café. Já estamos com a tecnologia 100% desenvolvida para operar com palha. No segundo semestre de 2024, iniciamos a escala da empresa para outros resíduos diversos”, afirma Figueiredo.

Por isso, além da cana, a startup negocia com arrozeiras do Rio Grande do Sul, empresas do setor de açaí da região Norte, de cacau, da Bahia, e de coco, de Pernambuco.

“Cada uma dessas culturas tem um processo diferente de geração de resíduos agrícolas, que são a base do biochar”, explica Figueiredo.

Uns são menos complexas, como é o caso da cana. Ele diz que a cultura gera grande volume de resíduos no mesmo local, com capacidade de aplicação na mesma fazenda que gera o resíduo. "São modelos 100% circulares e centralizados", diz Figueiredo.

Já o resíduo do açaí, o caroço, é mais difícil de ser obtido pelo fato de o mercado de processadores da fruta ser bastante pulverizado. "No Pará, existem grandes processadores, que são as empresas que produzem a polpa para exportação e consumo interno, mas também existem o que eles chamam de batedores, que processam pequenas quantidade de açaí para consumo local", afirma.

Como o processo de obtenção nem sempre é fácil e também a fabricação do próprio biochar não é o negócio central de produtores rurais e empresas agrícolas, a ideia de Figueiredo é de que as fábricas de biochar sejam no formato “plug and play”.

“Queremos vender uma planta que funcione automaticamente para facilitar. A produção de biochar não é um business do fazendeiro. É por isso que a gente quer que funcione do modo o mais fácil possível, para que ele possa operar e manter”, diz.

A integração entre a geração de biomassa e as plantas em si, diz o executivo, é outro ponto relevante no modelo de negócio, que trabalha com a ideia de circularidade – o que explica, também, o grande pipeline de projetos a serem executados pela startup.

“Quanto mais próxima a fábrica de produção estiver da cadeia do agro, mais lucrativa ela fica. A empresa é dona da biomassa utilizada para o biochar e também é a dona da plantação onde vai ser utilizado o biochar, melhorando a produtividade e a qualidade de seu próprio solo. E também é proprietária do crédito de carbono”, afirma.

O preço dos créditos gerados pela NetZero, que já foram adquiridos anteriormente por empresas internacionais como Rothschild & Co e Boston Consulting Group, é mais alto do que a média, segundo Figueiredo.

“Hoje nós vendemos créditos no mercado que variam de 160 a 220 euros a tonelada”, diz. “É muito mais valorizado que créditos como o do RenovaBio, que não deve pagar mais que 10 dólares por crédito. Nós estamos falando de créditos quase 20 vezes mais valorizados que esses.”

E o motivo de o crédito gerado pela NetZero ser mais valorizado está em suas características, diferentes do crédito de carbono mais conhecido no mercado, de redução de emissões.

“Nós estamos falando de um crédito de carbono totalmente diferente desse crédito carbono de redução de emissões de gases do efeito estufa. É um crédito de carbono de remoção definitiva de carbono atmosférico e, por isso, possui valor agregado completamente diferente”, diz Figueiredo.

Somente na planta de Lajinha, por exemplo, a startup diz já ter gerado 3 mil créditos de carbono. Cada planta pode gerar 5 mil toneladas de créditos por ano.

A cada unidade, a NetZero promete a capacidade anual de remover de forma líquida 12 mil toneladas de carbono que estava estático na atmosfera.

“É o processo inverso do óleo e gás, em que a Petrobras vai lá, pega o carbono estocado no fundo do mar na forma de carbono estável, retira para usar como combustível, queima e joga o CO2 na atmosfera. A NetZero faz o inverso: pega o carbono que está na atmosfera, transforma em biochar e fixa de novo no solo”, explica o executivo.

Os conceitos são novos até mesmo para Figueiredo, executivo mineiro com mais de duas décadas de experiência no setor de siderurgia, e que entrou na NetZero em 2022, após o convite de Pedro Figueiredo, um dos sócios da startup, que tem donos brasileiros e franceses. “Eu vim para estruturar a empresa”, diz o executivo.