Sem muito alarde – e simultaneamente ao acirramento da à guerra tarifária com os Estados Unidos – a China apresentou nesta semana o seu plano diretor decenal para o desenvolvimento agrícola.
A potência econômica oriental - maior cliente do Brasil com cerca de 40% das exportações do agronegócio e tendo gerado até US$ 65 bilhões em divisas anuais para nós - segue em busca de garantir segurança alimentar para 1,4 bilhão de habitantes.
Entre outros pontos do plano para os próximos dez anos, o governo chinês defende a inovação tecnológica no campo e os aumentos da produtividade agrícola e da renda de agricultores para atingir 700 milhões de toneladas produzidas, com um ambicioso ganho de 50 milhões de toneladas de grãos por ano.
Para isso, o programa anunciado em conjunto pelo Gabinete Geral do Comitê Central do Partido Comunista da China e pelo Conselho de Estado, vai estimular investimentos em tecnologias que permitam o cultivo em áreas hoje não aproveitadas em regiões mais frias.
Segundo informações do jornal chinês Global Times, haverá também esforços para promover o desenvolvimento da indústria suína de alta qualidade, ampliar a competitividade do setor de laticínios, e melhorar a produtividade e a qualidade das indústrias de carnes.
"Isso significa que o nível estável de produção necessário não se limita a grãos, mas se expande para incluir carne, ovos, leite e outros subprodutos agrícolas", disse Wang Gangyi, professor da Universidade Agrícola do Nordeste, ao Global Times.
Outro ponto destacado será a revitalização da indústria de sementes, com a aplicação de recursos avançados de biotecnologia. Wang compara as sementes a "chips" da agricultura.
De acordo com o plano, a China acelerará os esforços para alcançar a independência tecnológica no desenvolvimento de sementes e garantir o controle sobre os principais recursos genéticos.
O plano foca a prioridade na produção dos quatro grãos essenciais para o país - trigo, arroz, soja e milho - mas mantém a necessidade de abertura comercial e de negociações com outros países. E entre esses clientes, o Brasil é um dos maiores fornecedores de grãos e de proteína para os chineses e só tem a se beneficiar desse projeto, segundo especialistas ouvidos pelo AgFeed.
Consultor e especialista em mercados orientais, Eduardo Caldas destaca as tecnologias e inovações defendidas no plano decenal, como edifícios para produção de proteínas e da agricultura verticalizada, “Me parece que estão tendo ação inteligente com mosaico produtivo”, disse.
Para Caldas, outro destaque no programa é o conceito de produção com menor preço e com o auxílio do comércio internacional. “Isso traz uma perspectiva para a China muito interessante, porque não fica focada simplesmente no ganho produtivo dentro do País”, afirmou o consultor.
Dentro dessa “diretriz de perspicaz” de focar em tecnologia sem deixar o suporte de fornecedores globais de lado, segundo Caldas, o Brasil pode ampliar a parceria comercial e tecnológica com a China.
“Nesse intercâmbio, mais do que na produção, o Brasil pode se inserir como parceiro para trocas de tecnologias amigáveis ao meio ambiente”, disse Caldas. Ele cita as dificuldades da China em conseguir atingir a autossuficiência alimentar, já que boa parte daquele país tem clima e solos desfavoráveis para o cultivo de alimentos.
Mas o consultor alerta para o temor que “a rapidez das respostas” da China para atender a demanda possa trazer para o mercado exportador brasileiro. Por isso, segundo ele, é hora de o Brasil ampliar a presença naquele mercado não só com commodities, marcas, mas com produtos acabados, de valor agregado, e com marcas.
Já Marcos Jank, professor de agronegócio global do Insper, destaca as alterações nos planos para a agricultura desde meados do século passado, na China.
“No começo, era autossuficiência a qualquer custo. Mas, a partir dos anos 90 do século passado, quando entraram na OMC, os chineses passaram a falar em segurança alimentar estratégica com foco no mercado”, afirmou.
O Brasil ganha espaço no mercado chinês com a soja e a partir da primeira guerra comercial do presidente norte-americano, ainda em seu primeiro mandato, com aquele país. “O Brasil passou a ser o maior fornecedor e chegou a 60% de toda a soja importada pela China, com os Estados Unidos com apenas 30%”, explicou.
Jank lembra que a China reduziu a dependência de grãos e de carnes, principalmente suína, ao longo dos anos, com as políticas de fomento à produção local e adoção, por exemplo, do uso de transgênicos, da biotecnologia, movimento que foi marcado pela compra da gigante Syngenta pelos chineses.
O professor do Insper é cético em relação aos planos chineses de ampliar a oferta como sinalizado no plano decenal para a agropecuária, apesar da revolução no campo que conseguiu reduzir a independência dos chineses nos últimos anos.
“Mudanças como essas de ampliar em 50 milhões de toneladas a oferta por ano não acontecem tão facilmente e eles não serão autossuficientes nos quatro grãos”, concluiu.
Guerra comercial
Tanto Caldas como Jank acham prematuro falar em benefícios ao Brasil com a guerra comercial aberta entre Estados Unidos e China e diante da avaliação prévia de que o país oriental possa comprar mais soja brasileira em detrimento da norte-americana.
Segundo Caldas, a China ampliará o comércio com os parceiros tradicionais para suprir a oferta que eventualmente deixasse de vir dos Estados Unidos, mas os dois países devem avançar na negociação em busca de um acordo comercial que evite a perda de mercado.
Para Jank, a atual segunda guerra comercial entre Estados Unidos e China abre caminho para o mercado oriental ao Brasil. Mas, qualquer movimento de paz norte-americano, aliado ao avanço da produção chinesa como previsto no plano decenal pode acabar com o otimismo do produtor daqui.
“Guerra comercial não é assunto para ser comemorado, é um problema. Se amanhã ou depois os chineses fazem grande acordo com os Estados Unidos, o Brasil toma uma meia trava e, por isso, é importante diversificar produtos e países”, avaliou o professor do Insper.