No ano passado, o diretor da Fundação Mundial do Cacau (WCF), Chris Vincent, passou alguns dias na Bahia para conhecer de perto a produção de cacau no estado, que é majoritariamente feita pelo sistema cabruca - em que as árvores de cacau são plantadas em meio à vegetação nativa da mata Atlântica.

O executivo, que entre outros atuou no banco norte-americano Merril Lynch e na Principle Capital desenvolvendo projetos no setor de investimentos em energias renováveis e sustentabilidade, está há cinco anos à frente do WCF com uma missão: fomentar o cultivo global do cacau de forma sustentável, promovendo a cooperação do setor e a melhora da eficiência no campo.

E nesse caminho, o Brasil pode virar o jogo e voltar até a exportar. Depois de passar por um período de decadência e falta de incentivos, o cacau agora vive tempos de prosperidade. E isso não tem a ver só com a alta dos preços, que no ano passado bateram recordes e chegaram a US$ 13 mil a tonelada.

“É um momento de oportunidade para o Brasil de aumentar sua produção e sua produtividade e com isso passar de importador para exportador de cacau, contribuindo com a oferta global de cacau”, pondera Vincent.

Não à toa, desde 2018 o WCF tem como braço o CocoaAction Brasil, uma iniciativa público-privada, que reúne representantes da cadeia para fomentar a produção de cacau. E a meta é clara: até 2030, criar condições para que o Brasil produza 400 mil toneladas de cacau por ano.

O volume seria suficiente para atender à demanda interna da indústria, que é de cerca de 300 mil toneladas, e ainda garantiria um excedente de 100 mil toneladas a ser exportado.

Na safra 2023/2024, o Brasil sofreu com os efeitos climáticos e a produção ficou abaixo de 200 mil toneladas. Com isso, o País precisou importar cerca de 25,5 mil toneladas em 2024 para atender à demanda da indústria processadora e das chocolateiras, segundo dados da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC).

Para que a meta da auto-suficiência seja cumprida, no entanto, é preciso dobrar a produtividade das lavouras brasileiras. Enquanto a média de produtividade por hectare das propriedades é de 350 quilos, existe potencial para quase triplicar esse volume, chegando a 1 tonelada por hectare.

“Do ponto de vista agronômico, não é um volume difícil de se alcançar, desde que haja investimentos em assistência técnica e manejo”, explica o diretor do CocoaAction Brasil, Pedro Ronca.

Engenheiro agrônomo e produtor de café, ele se inspira justamente no modelo que transformou a cafeicultura brasileira em uma potência mundial. E enxerga que o mesmo pode acontecer com o cacau brasileiro.

Os primeiros resultados já começam a aparecer. Em 2018, ano em que a iniciativa iniciou suas atividades no Brasil, apenas 300 produtores recebiam assistência técnica em suas propriedades, de um universo de 95 mil produtores.

“Hoje são 5 mil produtores e a meta é chegarmos a 30 mil até 2030”, afirma.

Para o Secretário Executivo do Consórcio da Amazônia Legal, Marcello Brito, poucas culturas perenes têm a capacidade de promover um ciclo de desenvolvimento socioeconômico na região Amazônica como a produção de cacau.

“A Amazônia já viu inúmeros casos de boom de investimentos, seguidos de colapsos causados pelos mais variados motivos e nós perdemos o timing da evolução”.

Segundo ele, dessa vez, no cacau, o trabalho está sendo diferente. “Temos visto o trabalho de revitalização na Bahia e as iniciativas de valorização do cacau nativo amazônico, que resultaram no desenvolvimento do bean to bar e o surgimento de centenas de empresas e marcas de chocolate. É um ciclo virtuoso”, avalia.

O acesso ao crédito é outro pilar para viabilizar o alcance da meta produtiva. Ronca explica que, em 2018, o crédito acessado pelos produtores de cacau passou de R$ 19 milhões para R$ 150 milhões no ano passado.

Até 2030 a meta é chegar a R$ 250 milhões em crédito concedido via Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), já que 70% dos produtores são de pequeno porte.

Ele conta que muitos bancos sequer contemplavam o cacau na lista de culturas, por falta de conhecimento ou mesmo por não confiarem no potencial de retorno da atividade.

“Sentamos com essas instituições, apresentamos o estudo de viabilidade e mostramos que o cultivo do cacau pode ser mais rentável que a pecuária na região Amazônica, por exemplo”.

Ele explica que, enquanto a pecuária na região amazônica gera uma renda média de R$ 300 por hectare ao ano, o cacau na mesma região pode gerar cerca de R$ 5 mil por hectare ao ano. “Em tempos de alta dos preços, como estamos vivendo, esse valor chega a R$ 20 mil. Mas para que essa rentabilidade aconteça, é preciso melhorar a eficiência”, pondera

A alta dos preços da commodity é, inclusive, um fator que deve dar um empurrãozinho a mais para os produtores. Isso porque a maior rentabilidade deve gerar um movimento de mais investimentos na lavoura.

“Esse momento é importante, para que os produtores aproveitem o ciclo de alta para investirem na melhora da produtividade. Dessa forma, eles terão condições de manter a saúde do negócio em tempos de alta ou de baixa dos preços”, pondera Vincent.

Outro aspecto que favorece a produção cacaueira no Brasil é a expansão do cultivo fora da Bahia e do Pará, principais regiões produtoras. Nos últimos anos, investimentos em novas áreas surgem no Cerrado baiano, Minas Gerais e até no noroeste do estado de São Paulo, onde o cacau é plantado consorciado com a seringueira.

Ronca explica que muitos desses investimentos são feitos por produtores que veem no cacau um investimento para a diversificação. Segundo ele, muitos trazem a expertise de outras commodities, são mais capitalizados e já investem em assistência técnica e tecnologia.

“Isso é positivo para o setor, pois eles promovem o intercâmbio de conhecimento, contribuindo para a profissionalização do setor. É um ganha-ganha”, avalia.

Outro ponto destacado por Ronca como um atrativo para novos investimentos é o fato de o Brasil ser o único país produtor de cacau que possui todos os elos da cadeia produtiva.

“Do produtor à processadora, passando pela indústria e por um mercado consumidor que ainda consome apenas 3,5 quilos de chocolate per capita por ano, mas pode crescer ainda mais, a exemplo da Alemanha, onde esse volume chega a 9 quilos per capita”.

Demanda global crescente

Apesar das perspectivas de crescimento para a produção cacaueira no Brasil, o volume é pequeno perto do tamanho da demanda global. Vincent explica que a demanda anual de cacau cresce cerca de 3% ao ano, o que corresponde a cerca de 150 mil toneladas a mais a cada ciclo.

“Ainda assim, o Brasil poderia contribuir no mercado, já que há demanda crescente por cacau, especialmente no momento atual”, avalia Vincent.

O momento atual a que ele se refere está relacionado às perdas na produção, causadas, entre outros fatores, pelos efeitos climáticos. Na última safra, Costa do Marfim e Gana, que juntas respondem por cerca de 65% da produção global de cacau, viram suas plantações serem dizimadas por conta da seca prolongada.

Assim, a produção de Gana, que chegou a 1 milhão de toneladas no passado, caiu para 530 mil toneladas na safra 2023/2024, com perspectivas de chegar a 600 mil toneladas na safra 2024/2025, segundo dados do International Cocoa Organization (ICCO).

Já a produção de Costa do Marfim passou de 2,2 milhões de toneladas na safra 2022/2023 para 1,6 milhão de toneladas na safra 2023/2024 com perspectivas de 1,8 milhão de toneladas para a safra 2024/2-25.

Vincent explica que a falta de chuvas é apenas um dos fatores que vem comprometendo a produção cacaueira nas regiões produtoras africanas, cujas propriedades têm em média entre 2 e 3 hectares.

Ele destaca que a falta de investimentos em assistência técnica, somada a lavouras com plantas velhas e pouco produtivas, fez com que as áreas de cacau sofressem com a proliferação de pragas e doenças.O golpe final foi a seca.

“A perspectiva é de que o clima seja mais favorável para as lavouras nesse ano, mas a recuperação da produção nesses países é algo demorado e complexo, que não vai ser resolvido com apenas um ano de clima favorável”, pondera.