"Pense em Star Wars, com um exército de clones, só que de vacas.” A frase é de Carlos Pinzón-Arteaga, pesquisador da Harvard Medical School, citando um clássico do cinema norte-americano.

A analogia futurista foi a maneira que encontrou para exemplificar uma pesquisa inovadora que tem mobilizado cientistas de todo o mundo e que pode transformar o mercado de genética bovina, de US$ 6,4 bilhões em 2024, segundo dados da Mordor Intelligence, empresa global de consultoria e pesquisa de mercado.

Trata-se da possibilidade de gerar embriões bovinos sem o uso de óvulos ou espermatozoides, utilizando células-tronco de vacas em um processo feito em laboratório e que pode ser replicado em massa.

Pesquisadores já avançaram em experimentos voltados para a criação de modelos em humanos. Um exemplo é o trabalho realizado pelo Instituto Weizmann, em Israel, que há dois anos anunciou a criação de um “clone” com características semelhantes às de um embrião real de 14 dias de idade.

A novidade mais recente é que experimentos científicos semelhantes estão sendo conduzidos na academia para explorar a aplicação dessa tecnologia na agropecuária.

Há dois anos, Pinzón-Arteaga e outros 13 pesquisadores de universidades dos Estados Unidos e da China publicaram um artigo científico na revista acadêmica Cell Stem Cell em que descreviam um modelo de embriões criados em laboratório a partir da utilização de células-tronco pluripotentes bovinas.

A ideia é que esses embriões possam ser escaláveis, sem a necessidade de extrair óvulos de uma vaca-mãe, o que baratearia o custo, especialmente para os pequenos produtores, que não conseguem ter acesso ao material genético de boa qualidade como os grandes pecuaristas.

“Você não está preso a um número limitado de embriões”, disse Jun Wu, professor associado do departamento de biologia molecular da Universidade do Texas, que é um dos autores do artigo, ao site Ambrook Research.

“Com células-tronco, essencialmente toda semana podemos produzir centenas de milhares delas.”

Mas, na prática, o processo ainda está muito no começo, a começar até mesmo pela terminologia.

Inicialmente, esse tipo de experimento foi apresentado como “embrião sintético”, controvertido dentro da comunidade científica.

A International Society for Stem Cell Research, maior e mais respeitada instituição que reúne pesquisadores de células-tronco, prefere stem cell-based embryo models (modelo de embrião baseado em células-tronco, em português).

Outro ponto relevante é que nem todas as células-tronco têm as mesmas características e podem ser utilizadas nesse experimento com as vacas.

As células hematopoiéticas, por exemplo, dão origem às células do sangue e seu transplante é utilizado no tratamento de cânceres como leucemias e mielomas.

Apenas células pluripotentes conseguem gerar qualquer tecido do organismo, explica Ana Elisa Ribeiro Orsi, pesquisadora brasileira que fez seu mestrado na Universidade do Texas e é uma das autoras do estudo, ao AgFeed.

"As células-tronco pluripotentes podem já ser diferenciadas em células do coração, do cérebro, do sangue e assim por diante. É por isso que elas são tão especiais."

Essas células fazem parte do primeiro ciclo de desenvolvimento do embrião, que dura 7 dias – desde o zigoto, que é a célula-ovo formada pela união de gametas masculinos e femininos após a fecundação, até o blastócito, em que já há um número maior de células.

O que os pesquisadores fizeram, segundo Orsi, foi isolar as células pluripotentes do blastócito e colocá-las em culturas.

“Essa estrutura artificial, que não é um embrião, mas foi que gerada a partir de células tronco, é o que a gente chama de blastoide”, afirma a pesquisadora.

Nos experimentos, blastoides e embriões foram, então, inseridos nas vacas pelos pesquisadores na tentativa de gerar seres vivos.

Nas vacas que receberam os blastoides, segundo a pesquisadora, houve a produção de um hormônio chamado interferon tau. “Isso seria uma indicação de que a vaca que recebeu o blastoide reconheceu uma gravidez.”

“Se fosse um embrião no caso, ele vingaria, o útero iria perceber e a vaca começaria a produzir o interferon tau. A gente conseguiu que esse mesmo processo acontecesse, só que sem o embrião”, compara a pesquisadora.

Mas, até aqui, os pesquisadores não conseguiram chegar a um nascimento a partir da utilização de blastóides.

“Nós nunca recuperamos nenhuma estrutura viável”, disse Carlos Pinzón-Arteaga ao site Ambrook. “Uma vez que eles entram na vaca, eles simplesmente morrem.”

Para Orsi, a explicação mais provável para as vacas não terem de fato engravidado está nos blastócitos, cujo comportamento ainda necessita de mais estudos, na sua percepção.

“Uma boa parte dos esforços que estão sendo feitos agora é para a gente tentar entender exatamente como os blastóides são diferentes dos blastócistos e, talvez, como conseguir diminuir esse gap ainda que a gente observa”, afirma.

“Mas os blastóides com certeza não são embriões e ainda falta bastante pra gente conseguir chegar lá.”

Em seu laboratório na Universidade de Flórida, o pesquisador Zongliang Jiang, outro dos autores do artigo, segue com suas pesquisas.

De um lado, ele vem recebendo atenção da iniciativa privada, como a empresa de genética animal Genus plc, que subsidia as pesquisas de Jiang. De outro, entretanto, enfrenta dificuldades para acessar recursos do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos).

“Eles são muito cautelosos e não apoiam esse tipo de projeto de alto risco e alta recompensa — o que eu acho que eles deveriam fazer, mas até agora não tive sorte nisso”, disse Jiang ao site Ambrook.