A mais recente estimativa feita pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontou que a produção brasileira de grãos na safra 2024/2025 de grãos deverá chegar a 322,4 milhões de toneladas.

Se confirmado no campo, o volume representa um aumento de 8,2% na produção brasileira. Serão 24,5 milhões de toneladas a mais de milho, soja, arroz, trigo e feijão para serem processados e armazenados.

A perspectiva traz. por um lado uma boa notícia. Por outro, lembra ao produtor brasileiro das dificuldades enfrentadas com a infraestrutura, especialmente para armazenagem de grãos.

O problema não é novidade para o setor, mas a tendência é que a situação fique ainda mais crítica em 2025.

“Temos a perspectiva de ultrapassar os 120 milhões de toneladas de déficit, podendo chegar a 130 milhões de toneladas, já que as condições são boas para as lavouras", avalia a Assessora Técnica da Comissão Nacional de Infraestrutura e Logística da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Elisangela Pereira Lopes.

A título de comparação, a capacidade de armazenagem do Brasil cresceu apenas 5,4% no primeiro semestre de 2024, chegando a 222,3 milhões de toneladas, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Hoje, o Brasil só tem capacidade de armazenar 70% da colheita. Nos Estados Unidos esse percentual varia entre 130% a 140%", analisa o pesquisador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-Log), Fernando Pauli de Bastiani.

Com o maior volume de safra previsto para o próximo ano, Bastiani explica que muitos produtores terão que recorrer ao silo-bolsa como uma alternativa para contornar o problema ou até mesmo caminhões. “Com safra recorde, caminhão vira armazém”, afirma.

Além dos transtornos para o produtor, o déficit da capacidade de armazenagem no país no longo prazo, podem fazer com que o Brasil perca competitividade.

“Somando os gargalos de armazenagem e logística, o custo do Brasil pode deixar de ser atrativo para o mercado internacional", avalia o gerente de consultoria agro do Itaú BBA, César de Castro Alves.

Na prática, o produtor que não tem como armazenar a produção já arca com custos maiores. “Ele não consegue escoar a produção de soja e milho em uma janela de preços melhores e tem de escoar no pico da safra, com os fretes mais caros”, pondera Elisangela.

O atraso no plantio da safra de soja no Mato Grosso e o adiantamento em outros estados deve causar outro problema em 2025, com a sobreposição de colheita e escoamento das safras de diferentes regiões.

“A expectativa é de que a colheita fique concentrada em um curto período, com a briga para manter os caminhões ‘fidelizados’ no transporte", avalia Bastiani.

O clima também pode complicar ainda mais a vida do produtor. Caso chova acima do volume médio em algumas regiões do Centro-Oeste e Norte, os produtores precisarão retirar imediatamente grandes quantidades de grãos do campo e transferir para os secadores e silos.

Alves, do Itaú BBA, explica que caso isso cenário se confirme, mesmo o produtor que tem alguma estrutura para armazenar poderá ficar sem “margem de manobra”, já que precisará retirar o milho estocado para entrar com a soja.

"Se isso acontece em um momento de excesso de oferta, muitas vezes o produtor acaba ficando sem opção a não ser vender pelo preço que estiver, para não perder a produção", avalia.

Como consequência, ele explica que acontece uma reação em cadeia, já que com maior oferta de grãos no mercado, além da queda nos preços, há aumento da demanda logística, que também fica estrangulada e acaba custando mais caro para o produtor.

Para Elisangela, o caminho para solucionar essa equação passa por investimento e planejamento. “Há a necessidade de se criar um programa para aumentar a oferta de armazenagem de grãos no Brasil. A cada ano, o déficit só aumenta".

Uma das commodities que mais sofrem com o déficit de armazenamento é o milho. Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), falta linha de crédito suficiente para atender a demanda.

“A produção de grãos cresce em média 10 milhões de toneladas ao ano, enquanto a capacidade de armazenagem cresce 5 milhões de toneladas. Para acompanhar o crescimento da agricultura brasileira, seria preciso investir R$ 15 bilhões ao ano somente em armazenagem”, calcula.

Mas esse valor está aquém do disponibilizado pelo poder público. Em julho, durante o lançamento do Plana Safra 24/25, o governo federal anunciou R$ 7,8 bilhões em linhas de crédito dentro do Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA).

Com taxas de juros de 7% ao ano para projetos até 6 mil toneladas e taxa de 8,5% ao ano para demais projetos, o volume é considerado insuficiente por muitos.

As altas taxas de juros também têm desmotivado os produtores a investir em armazenagem. Pelo menos é o que mostra o "Diagnóstico da Armazenagem Agrícola no Brasil" publicado em 2023.

O levantamento feito pela CNA ouviu 1.065 produtores rurais de todas as regiões do país. No estudo, 72,7% dos entrevistados se mostraram interessados em investir em infraestrutura de armazenagem caso as taxas fossem mais atrativas, algo que não deve acontecer tão cedo.

O Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central em dezembro, trouxe a estimativa de que a Selic, a taxa básica de juros, deve chegar a 14% em 2025. Além disso, a expectativa é de que o dólar também continue em alta.

“Essa perspectiva de juros altos e de dólar valorizado nos próximos meses deve inibir ainda mais os investimentos em infraestrutura", pondera Alves, do Itaú BBA.

Apesar da perspectiva, iniciativas de investimentos do setor privado trazem alguma luz para o horizonte, como mostrou o AgFeed.

Em janeiro de 2024, a multinacional canadense AGI, em parceria com a gestora OPEA, criou um fundo para financiar a construção de armazéns em propriedades rurais.O fundo com captação de 250 milhões tem taxa mínima de CDI mais 1,51% ao ano.

Em outubro, o AgFeed contou a história da gestora Multiplica, que tem mais de 60% dos negócios voltados para o agronegócio e anunciou que vai investir na construção de silos compartilhados. A estratégia passa por investir em regiões consideradas fundamentais para o setor, como nas cidades à beira da BR-163.

Já a Kepler Weber, maior empresa do segmento de soluções pós-colheita do País, nunca esteve tão ativa. A companhia gaúcha informou esta semana que encerrou o ano de 2024 com um recorde de 306 obras em andamento, numa demonstração da demanda por equipamentos de armazenagem.

Em dezembro passado, em um encontro com investidores, o CEO da empresa, Bernardo Nogueira, havia anunciado a formação de um fundo com valor inicial de R$ 500 milhçoes para financiar a construção de estruturas para aluguel. Segundo a Kepler Weber, o investimento se justificaria pelo déficit de armazenagem, estimado pela empresa em 123 milhões de toneladas de grãos.