Depois de um ano de incertezas e de dificuldades financeiras para alguns de seus maiores players, o setor de distribuição de insumos agrícolas começa 2025 com uma movimentação de impacto.

Na manhã desta segunda-feira, 6 de janeiro, a Synap, holding que administra a rede de varejo construída nos últimos seis anos pela gigante química Syngenta, protocolou no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) um documento informando transferência de 18 de suas mais de 90 unidades para o controle do grupo gaúcho Olfar, controlado pela família Weschenfelder.

Assim que a operação, realizada em um modelo inédito, receber sinal verde das autoridades, as lojas passarão a ostentar a bandeira Olfar Agro, criada há cerca de um mês pelo conglomerado bilionário com sede em Erechim (RS) e especializado no processamento de grãos, sobretudo soja, e na produção de biodiesel.

A comunicação sobre a transação foi informada também nesta segunda-feira a cerca de 150 funcionários de 13 unidades da Atua Agro no Rio Grande do Sul e cinco lojas da Agrocerrado em Goiás, que, a partir da efetivação do negócio, serão transferidos da Synap para a Olfar Agro.

Detalhes financeiros da negociação não foram revelados. Ao AgFeed, André Savino, presidente da Syngenta no Brasil, Ricardo Perez, presidente da Synap, e André Zimmerman, gestor da Olfar Agro, apontaram que o formato da “aliança comercial” entre os dois grupos se assemelha a um arrendamento mercantil ou a uma espécie de “licenciamento”, embora ressaltassem que os termos não se aplicavam corretamente ao caso.

A cessão das lojas à Olfar Agro é por um prazo determinado (também não revelado) e estabelece que a marca passa a trabalhar como distribuidora dos produtos Syngenta, podendo trabalhar com outras marcas nas linhas não cobertas pelo portfólio da multinacional.

“Não se trata de uma aquisição”, afirmou Savino.

“A gente inova ou procura inovar em tudo que a gente faz, seja em uma agenda de tecnologia, de querer trazer sempre novos produtos, mas também em modelos de acesso ao mercado, em parcerias e inovações nesse sentido. E aqui não é diferente”.

O movimento é o primeiro em que a Syngenta faz uma conta de subtração desde que lançou sua estratégia de formar uma rede própria de distribuição, em 2019.

Na ocasião, a companhia formou a rede de lojas da Atua Agro na região Sul. Depois dela, em 2021,

Dois anos depois, adquiriu a Dipagro – com atuação no Mato Grosso e, depois, em Rondônia – e a Agro Jangada, na região central do Mato Grosso do Sul.

Em 2023, expandiu os negócios para Minas Gerais e Goiás, com a Agrocerrado, e reuniu as diferentes bandeiras debaixo da holding Synap.

E parecia disposta a continuar somando, com a compra, há apenas nove meses, da Produtécnica, com unidades nas novas fronteiras do Mapito.

Estratégia de defesa

“Nossa estratégia foi desenhada quando começou todo esse movimento de transformação do acesso no mercado brasileiro”, disse Savino.

Naquele momento, segundo ele, a Syngenta entendeu que a transformação do sistema de distribuição de insumos – com a formação de grandes grupos consolidadores como AgroGalaxy, Lavoro e Nutrien, por exemplo – poderia “colocar em risco a nossa estratégia de ter poucos distribuidores semiexclusivos que representassem a Syngenta no campo, juntamente com as cooperativas aliadas”.

“Aí a gente lançou uma estratégia de defesa, que é a nossa plataforma comercial, que é a Synap”.

De acordo com o executivo, a Synap foi posicionada para atuar de forma complementar ao sistema de distribuição, mas sem participar do “jogo de consolidação” – ou seja, sem depender ou sofrer pressões nas negociações com grandes distribuidores.

“Agora, a gente viu que essa transformação já tem um outro contexto, ela não aconteceu”, analisou, citando o momento complexo do setor de distribuição, com as dificuldades financeiras enfrentadas pelas concorrentes nos últimos anos.

“Então, essa estratégia de defesa, de uma maneira ou de outra, deu certo. E aí chegou o momento agora de a gente escrever uma segunda página”.

Modelo mais leve

A transação com o grupo Olfar seria, de acordo com Savino, a primeira ação desse novo período, que prevê trazer parceiros que contribuam para ampliar o acesso aos produtores rurais em regiões em que o sistema de distribuição já está mais estabelecido.

Nesse sentido, explicou, empresas com poder econômico, experiência na originação de grãos e forte relacionamento com produtores nas suias regiões de atuação, como a Olfar, poderiam entrar como aliados relevantes no acesso ao mercado.

“A Olfar é uma empresa muito sólida, que traz uma participação muito forte na originação de grãos, uma visão muito semelhante à nossa em termos de tecnologia e vai conseguir levar soluções para o agricultor em harmonia com o sistema de distribuição atual da Syngenta”, afirmou Savino.

“A única coisa que muda é a maneira com que a gente estabeleceu essa aliança comercial”, disse Ricardo Perez, presidente da Synap.

“A Olfar assume toda a responsabilidade operacional e financeira das lojas, as licenças, as lojas, os carros, a estrutura física e as equipes também”.

A transição começa a ser feita em paralelo ao trâmite de aprovação no Cade, com os RHs dos dois grupos trabalhando em conjunto para fazer a transferência dos funcionários quando houver a autorização oficial para o prosseguimento do negócio.

O objetivo, segundo Perez, é não haver uma parada nas operações das unidades, que envolvem todo o relacionamento com os produtores, com a venda do insumo e a originação de grãos.

O executivo acredita que o processo no Cade deve ser rápido, “já que não existe nenhum tipo de concentração de mercado”.

Com 18 lojas e duas regiões a menos sob seu guarda-chuva, a Synap fica mais leve, mas, segundo Perez, mantém todas as suas marcas e a estratégia de atuação nos mercados onde já está presente.

A Atua Agro, por exemplo, continuará operando nos estados do Paraná e Santa Catarina. A Agro Cerrado, da mesma forma, mantém as lojas em Minas Gerais.

“A Synap fica mais leve, mas nem tanto”, disse. “De cerca de 90 unidades de negócio, ficamos ainda com mais de 70, com a chegada da Produtécnica. É um business que continua sendo muito forte e também com um crescimento muito considerável”.

Questionado pelo AgFeed sobre a possibilidade de se replicar o modelo adotado na aliança com a Olfar em outras regiões, André Savino não fechou questão, nem afirmativamente, nem descartando.

“Primeiro, a gente tem que ver se estrategicamente faz sentido, porque a Synap sempre foi uma estratégia de defesa”, disse.

“Depois, ver se tem parceiros que tragam essa característica também, porque não se trata de uma operação financeira, mas de um movimento estratégico pra assegurar a longevidade do que é o nosso core business”.

A ambição da Olfar

Do outro lado da transação, a incorporação das unidades que pertenciam à Synap deve dar visibilidade nacional ao grupo Olfar. Criado há 36 anos, ele se tornou um dos maiores do País na produção de biodiesel e, ao longo das décadas, foi incorporando novos negócios, dentro de um modelo verticalizado de atuação, que lembra o de outras gigante gaúcha dos biocombustíveis e dos insumos, a 3tentos.

Assim, passou a fazer a originação dos grãos que processa em suas agroindústrias e, a partir do relacionamento com mais de 10 mil produtores, incorporou serviços de venda de insumos e assistência técnica.

O faturamento do grupo é estimado em R$ 5 bilhões em 2024.

“No ano passado, dentro do nosso planejamento estratégico, colocamos um foco ainda maior nas operações de insumos, com a criação, em dezembro, da marca Olfar Agro, para dar uma roupagem maior dentro do grupo para esse segmento”, afirmou André Zimmerman.

Sem contar as novas unidades da Synap a serem incorporadas, a bandeira deve ser implementada em 37 unidades no Norte do Rio Grande do Sul em que a empresa já realiza as operações de insumo e recebimento de grãos.

No Cerrado, a Olfar já havia aberto uma unidade no município goiano de Porangatu, onde possui uma usina de biodiesel.

A Olfar Agro, agora constituída, já soma, assim, uma receita superior a R$ 600 milhões, oriunda da comercialização de cerca de 4,5 milhões de sacas de grãos e de algo como R$ 200 milhões com insumos.

“Nosso planejamento prevê, até 2030, termos uma representatividade cada vez maior, com investimentos na expansão e na capilaridade de silos nas regiões onde estão as unidades da Agrocerrado e da Atua Agro”, disse.

“Nosso investimento, em 2025, será muito voltado a essa aliança”.

Já o grupo como um todo, afirmou, tem a expectativa de crescer até quatro vezes até 2030, já contando com investimentos iniciados em indústrias e modais logísticos a serem entregues nos próximos anos, com a Olfar Agro representando até 15% da receita total.

“Somente na região de Goiás, onde ainda não peramos com capacidade máxima, podemos dobrar a receita da indústria em um ano e meio”, disse.