Já faz tempo que o agricultor brasileiro não consegue comemorar “com gosto”, como dizem os gaúchos que desbravaram o Centro-Oeste e ajudaram a transformar o Brasil no maior produtor e exportador mundial de soja.
Na safra 2023/2024, mesmo aqueles que colheram bem, como no estado de Goiás, o problema foi o preço em patamar mais baixo.
Já em Mato Grosso, líder nacional da soja, a dor de cabeça foi uma quebra de safra histórica, em função da falta de chuva, que deixou produtores em situação financeira muito delicada, já que os investimentos haviam sido altos nos anos de bonança.
Para saber o cenário em 2025, o AgFeed ouviu especialistas no setor. Todos têm uma única certeza: “safra cheia”, “muito grande”, “potencial gigantesco” e “muita soja” foram expressões repetidas inúmeras vezes ao longo das entrevistas.
Dos mais conservadores aos mais otimistas, a conclusão é de haverá uma safra recorde, superior a 170 milhões de toneladas de soja no Brasil. Resta saber quanto acima desse patamar será a produção. O fato é que mesmo que fique exatamente neste volume, ainda assim, significa cerca de 20 milhões a mais do que os brasileiros colheram na safra passada.
Ismael Menezes, sócio fundador da MD Commodities, explica porque, nas suas contas, há possibilidade até mesmo de ultrapassar 180 milhões de toneladas.
“A gente acha que o potencial da safra 24/25 vai ser gigantesco, o clima está sendo bem favorável, nós tivemos um início um pouquinho mais complicado, mas o potencial dessa safra é muito grande, muitos não estão conseguindo enxergar esse potencial de produtividade que nós temos”, alertou o analista.
Ele lembra que na safra 22/23 foram plantados 44 milhões de hectares e havia um “potencial produtivo” de 175 milhões de toneladas. Mas aí houve interrupção das chuvas no Rio Grande do Sul e no oeste do Paraná e a produção naquele ciclo, fechou em 162 milhões de toneladas, segundo a MD.
Na safra seguinte, a área subiu para 46,1 milhões de hectares, o “potencial”, de novo, estava alto, de até 183 milhões de toneladas. Foi então que depois de décadas sem problema climático relevante, o estado de Mato Grosso registrou fortes perdas por causa da seca e a quebra chegou a quase 30 milhões de toneladas. Saldo da safra: foram colhidas 153 milhões de toneladas, pelos dados da consultoria.
E agora em 2024/2025? Ismael Menezes diz que a área plantada é de 47,7 milhões de hectares e que o potencial produtivo beira 187 milhões de toneladas. E qual será a quebra de safra? Até agora está difícil identificar perdas significativas, e mesmo que houvesse uma quebra de 10 milhões de toneladas, o volume “gigantesco” se confirmaria.
Matheus Pereira, fundador da Pátria Agronegócios, nos ajudou a entender o motivo.
“Temos uma safra saudável sendo construída. Os dois principais estados, Mato Grosso e Paraná, já batem os níveis máximos, recordes, para a saúde vegetal, medido por NDVI. Quando a gente pega os nossos satélites aqui, olhamos a nível fazenda. Todos os demais (estados) estão com níveis acima da média. Goiás acima do ano passado, que já foi uma produtividade recorde para o estado. O Mato Grosso do Sul, também muito acima do ano passado, acima da média”, descreveu o analista.
Preços podem cair
Neste cenário de safra abundante na América do Sul – vale lembrar que a Argentina, embora plante mais tarde, também vem registrando clima favorável até o momento – reforça a expectativa entre os analistas de que os preços têm grande chance de sofrer pressão para baixo.
Matheus Pereira, da Pátria, lembra que o preço que o produtor brasileiro recebe em reais pela saca de soja é uma combinação do que ele chama de 4 pilares: cotação na Bolsa de Chicago, prêmio de exportação (o diferencial portuário que pode ser positivo ou negativo em relação à Chicago), basis (o custo da logística interna) e a taxa de câmbio.
Neste mês de dezembro, por exemplo, o produtor foi favorecido pela alta na cotação do dólar, que ultrapassou o patamar de R$ 6. “O dólar é uma variável financeira, não existe nenhuma correlação significante com o mercado de grãos na variação cambial. Mas as outras três variáveis que olham a fundamentação do mercado de grãos, as três estão sob pressão”, alertou Pereira.
Guilherme Britzki, sênior broker da McDonald Pelz, uma das principais corretoras internacionais da soja, confirma os efeitos já percebidos entre as tradings, que trabalham com a hipótese de uma safra de 175 milhões de toneladas.
Perguntado sobre uma possível tendência de que o prêmio nos portos brasileiros passe a operar como “desconto” em relação ao preço de Chicago, em 2025, ele respondeu: “é difícil falar porque temos de ver como CBOT (Bolsa de Chicago) vai andar, mas a tendencia é que (os prêmios) fiquem entre levemente positivos a negativos. Tem muita soja para vir e a China sabe disso”.
A menção da China é pelo fato do país asiático continuar sendo disparado o maior mercado para a oleaginosa. De janeiro a outubro de 2024, segundo a Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais) os chineses compraram 76% da soja brasileira que foi exportada.
Ismael Menezes, da MD Commodities, diz que até mesmo em Chicago, na cotação em dólar, pode haver “um impacto muito forte sobre preços porque os estoques finais mundiais podem ficar muito maiores do que estão sendo projetados”.
Ele ressalta que os Estados Unidos já produziram esse ano 8 milhões de toneladas a mais e que o Brasil deverá colocar no mercado até 25 milhões de toneladas adicionais, o que impactará nos estoques finais.
Segundo o último relatório do USDA, os estoques globais de soja devem subir de 112,2 milhões de toneladas em 23/24 para 131,87 milhões de toneladas em 24/25. O motivo é o aumento na oferta em proporção bem maior que o crescimento da demanda.
A China seguirá aumentando as importações de soja. A MD Commodities e a Pátria Agronegócios projetam que os chineses comprem 109 milhões de toneladas no ano que vem, volume que deve ficar acima dos 105 milhões de toneladas vistos este ano. Porém, não é o suficiente para compensar o aumento da oferta global.
“A China não deixou de consumir, é o maior importador de soja, mas o ritmo de crescimento foi bem menor do que nos anos anteriores”, explicou Ismael Menezes.
A expectativa para 2025, na MD, é de que Chicago siga operando no patamar de US$ 9 por bushel, cenário que pode mudar pontualmente em função do que os analistas chamam de “mercado climático” quando preocupações pontuais ao longo do desenvolvimento da safra americana, por exemplo (ocorre de abril a setembro), o preço sobe um pouco e aparecem “janelas de oportunidade” para comercialização.
A Pátria Agronegócios ressalta ainda que por enquanto não há previsão de problema climático para a safra brasileira. As lavouras se desenvolvem em momento de “neutralidade”, ou seja, sem fenômenos com El Niño ou La Niña, que costumam castigar algumas regiões. Ainda há chances pequenas da chegada do La Niña, porém com pouca probabilidade de afetar a safra em momentos cruciais para a produtividade.
“Na nossa percepção, Chicago por agora está equilibrado entre US$ 9,50 e 10 em praticamente todos os contratos hoje, de agora (dezembro 24) até novembro de 28, estamos falando de 4 anos de contratos, é o equilíbrio que o mercado encontrou para a safra cheia em nível global. A gente vê o Chicago mais lateralizado por agora”, explicou Matheus Pereira.
Quando se analista o preço em reais, que considera os outros itens, como o prêmio, a maior probabilidade, segundo o analista, é de níveis “em média bem piores” em 2025, na comparação com 2024.
“Se não houver uma anomalia cambial, o mercado em fevereiro e março deve ser uma sangria total”, disse.
Guilherme Britzki, mais próximo do universo das tradings, também vê problemas para março e abril, em função do aperto na logística e pressão nos prêmios. Ele diz que os dois vencimentos já vem operando próximos do patamar negativo no caso do prêmio da soja em Paranaguá .
“Maio, junho e julho estão mais suportados no positivo”, descreve. “Mas o mercado deve trabalhar em carry novamente”. O termo é usado quando o prêmio de maio é mais alto que abril, junho é mais alto que em maio, e assim por diante.
Outra marca de 2025 deve ser a disputa entre tradings e empresas de ferrovias, como a Rumo, no chamado “take or pay”. As empresas querem evitar prejuízos que foram contabilizados em 2024, como mostrou o AgFeed em reportagem recente, afetando os seus planos na questão logística.
Matheus Pereira alerta para mais uma peculiaridade do ano. Ao contrário de anos anteriores, haverá pouquíssima soja para ser colhida em janeiro, o que está fazendo o preço do primeiro mês do ano ficar bem mais alto do que fevereiro, em reais por saca. “Está gigante o ágio para janeiro porque não tem soja originável”.
Efeito Trump
Em 2025 um outro fator entra em cena no mercado da soja. Donald Trump toma posse em 20 de janeiro e, se cumprir promessas de campanha, poderá aplicar tarifas no comércio com a China.
Esse ano as consultorias calculam que o Brasil encerre exportando entre 97 milhões e 99 milhões de toneladas de soja, um patamar abaixo do recorde registrado em 2023. Já para 2025 o cenário mais provável é de um novo recorde nos embarques, que poderá chegar a pelo menos 105 milhões de toneladas – de novo, o maior volume da história.
Uma das questões importantes nessa projeção tem a ver com Trump. Se ficar caro, em função das tarifas, comprar soja americana, os chineses tendem a comprar mais a commodity do Brasil.
Ismael Menezes considera que, dependendo do ímpeto da China e da intensidade da guerra comercial com Trump, o Brasil pode exportar até 108 milhões de toneladas de soja.
O analista traça dois cenários possíveis a partir de 20 de janeiro. Se Trump cumprir promessa de campanha e taxar em 60% os produtos chineses, preços em Chicago tendem a cair muito, porque a China deve cancelar compras de soja dos Estados Unidos. Enquanto isso, o prêmio da soja no Brasil tende a subir, com a expectativa de maior demanda pelo produto daqui.
“Agora se nós tivermos um acordo comercial (entre EUA e China), e isso não se pode descartar, porque já aconteceu no passado, nós podemos ver as cotações de Chicago subindo, dos US$ 10 em para os US$ 12 e a demanda vai para lá. Na dança das cadeiras, a gente fica sem cadeira pelo menos para um volume interessante. Isso faria com que os prêmios aqui desabassem, com uma safra de 170 milhões de toneladas. seria algo bastante complicado no Brasil”, alertou Menezes.
Em resumo, o analista vê grande chance de endurecimento na relação comercial entre os dois países, inicialmente. Porém, diferente do primeiro governo Trump, hoje a China teria uma maior influência global, por isso a hipótese de um acordo também seria factível ao longo do tempo.
“Produtor brasileiro teria que ficar atento, não achar que situação (endurecimento) vai durar muito tempo, pode ser que venha o acordo depois. Um país depende do outro. A gestão de preço precisa ser muito bem compreendida”, ressaltou.
O lado positivo, em termos de demanda chinesa, é que na visão de Matheus Pereira, por exemplo, o país asiático tem capacidade de ter um rebanho de suínos maior em 2025, o que reforça o consumo de soja para ração.
“Isso deve aquecer bastante a demanda. São metodologias diferentes de análise, a gente não compactua com a visão de que a economia chinesa se fragilizando reduz o consumo de soja”, afirmou.
Gestão de risco
Tanto Menezes quanto Pereira, concordam que, apesar da sinalização de uma produção recorde, a comercialização da safra está abaixo dos níveis históricos, o que aumenta a preocupação para o próximo ano.
A Pátria calcula que 44% da safra 2025/2026 tenha sido comercializada até 20 de dezembro, contra uma média de 56% nos últimos cinco anos.
Cenário semelhante era visto pela MD Commodities, que até início de dezembro sinalizava 30% já comercializados.
“Na safra 21/22 na mesma época estava em quase 38%, na 20/21 era 48%, então nesse número causa um conforto para o comprador”, disse Menezes.
“O produtor precisa ficar atento porque é um cenário de grande pressão e detalhe, na minha visão o frete pode ter um potencial muito grande de aumentar em virtude da situação logística tanto de escoamento quanto de armazenagem”.
Esse é mais um elemento de pressão em 2025: a logística. Houve atraso no plantio e a maior parte da safra foi semeada na mesma época, por isso a colheita será concentrada num período menor, o que não apenas pressiona preços pra baixo (muita oferta), mas também pressiona fretes e custo de armazenagem pra cima (muita demanda por esses serviços).
O problema são os prêmios, com o o excesso de produção no Brasil, a concentração de janela de colheita, não tem como medir, mas eu acredito que seja a safra mais homogênea da história do Brasil, a gente plantou muita soja no período muito pequeno, adensou em 21 dias, 70% da área total nacional semeada, então uma safra muito regular, muito padronizada, é um problema, a gente não tem logística para tirar a soja do campo”, afirmou Matheus, da Pátria.
“Vai engasgar armazenagem, vai engasgar frete rodoviário. Se der uma chuvinha em regiões portuárias, durante fevereiro e março, é que a coisa fica caótica mesmo”, alertou Pereira.
“A recomendação que temos dado aos nossos clientes é, se você está pouco comercializado, aproveite o câmbio (acima de 6) e Chicago próximo de 10 por bushel e escalone vendas. Faça gestão de risco, porque o preço poderá ter pressão forte se não houver problema climático”, reforçou Menezes.
O analista da MD já fala na safra 2025/2026, afinal a compra de insumos ocorre já nos primeiros meses do ano. “É momento propicio para travar o custo, o mercado de insumos roda agora, vá aproveitando as janelas e fazendo a gestão de risco e de preço”.
Com a soja em patamares mais baixos, ele alerta que o produtor americano poderá optar por plantar mais milho e reduzir área destinada a oleaginosa. Menezes explica que o americano costuma ver como está a relação entre o preço da soja e do milho. Hoje estaria em 2,29x mais a soja perante o milho. “Quando está próximo de 2,3, ele tende a plantar milho”.
Para quem investe em fundos do agronegócio e quer saber como estará a saúde financeira do produtor brasileiro de soja em 2025, o analista destaca que varia muito, é caso a caso. Mas é fato que a receita tende a ser menor no próximo ano. “Para pagar o seu custeio, o produtor já deveria ter comercializado próximo de 50% da safra”.
Matheus Pereira, da Pátria, diz que o produtor conscientizado, que comercializou soja no mercado futuro, vai passar o ano com margem maior do que teve no último período. Mas aquele que deixa pra comercializar na colheita “infelizmente vai sofrer de um mercado muito mais sangrento”, disse ele.
“O processo de conscientização deveria ser dobrado agora, aqueles que têm crédito na praça, devem ajudar a conscientizar o produtor sobre a necessidade de travamento antecipado”, afirmou.