A agricultura só vicejou no Brasil, especialmente no Centro-Oeste, à base de fertilizante, que vem de fora. Isso porque o solo brasileiro, com PH acido e pouca oferta de nutrientes, exige muito NPK (sigla para nitrogênio, fósforo e potássio) para ser produtivo.
Nos últimos anos, no entanto, uma alternativa nacional – e já conhecida há décadas – vem ganhando espaço no campo como forma de corrigir solos em diversas regiões: o pó de rocha, que pode ser extraído de pedreiras de basalto.
Já era sabido que a chamada rochagem pode substituir parte do uso de fertilizantes químicos e que melhora a saúde da terra. O fato novo é que a técnica também é vista como uma prática capaz de contribuir para remoção de CO2 da atmosfera, atendendo à demanda mundial de diminuição das emissões de gases do efeito estufa.
Esta é a tese que tem feito uma startup nascida na Universidade de Stanford, localizada no coração do Vale do Silício e uma das mais prestigiadas nos Estados Unidos, chamar a atenção de investidores graúdos e voltar suas atenções para o Brasil como foco principal de seus negócios.
A Terradot acaba de fechar uma rodada série A de US$ 58 milhões (cerca de R$ 353 milhões), que contou com a participação de grandes nomes como Google, Microsoft, o investidor John Doerr, presidente da gestora de venture capital Kleiner Perkins e financiador original de empresas com Amazon, Google e Twitter, e Sheryl Sandberg, ex-diretora de operações da Meta, além de Floodgate, Platforms Valor Capital, Gigascale Capital e Acre Venture Partners.
No ano passado, a startup já havia captado US$ 4,3 milhões em uma rodada do tipo seed no ano.
Além de investidor, o Google também é cliente da Terradot e fechou um contrato para a compra de 200 mil toneladas de créditos de remoção de carbono.
A startup também fechou outro contrato com outro gigante, a Frontier, coalizão de remoção de carbono que reúne empresas como Alphabet, dona do Google, o e-commerce Shopify, a Meta, dona de Facebook, Instagram e WhatsApp, e a consultoria McKinsey. O consórcio vai pagar US$ 27 milhões para a remoção de 90 mil toneladas de CO2 entre 2025 e 2029.
Assim, a operação é mezzo norte-americana, mezzo brasileira, com escritórios em San Francisco, na Califórnia, e em São Paulo.
Por aqui, a Terradot é comandada pela economista e cientista política Julia Sekula, que é a CFO da startup. Antes de trabalhar na Terradot, Sekula havia atuado no Instituto Igarapé, think tank fundado pela cientista política Ilona Szabó, como coordenadora do Programa de Clima e Segurança, estando em contato direto com a Amazônia.
"Depois de muitos anos trabalhando na região, me deparei com o fato que não tinha soluções em escala. Tinha pessoas incríveis, fazendo projetos incríveis, mas pouca escala. E nesse processo, percebi que o agro estava totalmente fora da discussão climática", afirma.
Sekula foi parar na Universidade de Stanford, onde foi bolsista da Stanford Sustainable Finance Initiative, e buscou compreender como o Brasil poderia encontrar uma solução climática escalável e integradora.
A economista queria responder à seguinte pergunta: "Onde o Brasil poderia encontrar uma resposta de escala que trouxesse o agro para a discussão?".
A resposta veio através da ciência do intemperismo acelerado de rochas, uma forma natural, porém acelerada, de capturar e armazenar carbono de forma permanente no solo.
O processo de interperismo de rocha já é algo que acontece naturalmente ao longo de milhares de anos. O desafio, no entanto, é acelerar esse fenômeno, tendo em vista as necessidades impostas pelas mudanças climáticas.
O intemperismo acelerado consiste em triturar rochas silicáticas que estão em pedreiras e espalhar esse pó-de-rocha em terras agrícolas - justamente como agrocultores brasileiros já fazem há algum tempo com a rochagem.
Em contato com a chuva, a reação química entre a água e o solo com a rocha forma bicarbonatos, que são levados até o fundo de rios e oceanos, onde permanecem estocado por milhares de anos.
De Stanford para o Brasil
Em Stanford, Julia Sekula se juntou aos pesquisadores James Kanoff, que é CEO da Terradot, e Sasankh Munukutla, que criaram a startup no fim de 2022.
"O James foi chegando na conclusão de que não adianta ter soluções só de carbono orgânico: você precisa ter uma solução que é carbono inorgânico, ou seja, carbono permanente", afirma.
E o país escolhido para adotar a solução acabou sendo o Brasil, pelas condições físicas – clima tropical, chuvas e muita rocha – e pela força da agricultura nacional.
“A ciência e muito da tecnologia nasceram lá fora, mas se você quer começar em um lugar que tenha a potência de levar isso numa escala relevante para o mundo, era óbvio que tinha que ser no Brasil”, afirma Sekula.
De acordo com a CFO da startup, o Brasil tem o potencial de capturar mais de um gigatonelada de CO2 por ano adotando essa tecnologia.
A startup afirma que as altas temperaturas e a umidade do solo brasileiro podem acelerar o processo de intemperismo em 200% em comparação à zonas temperadas.
No momento, a Terradot espalhou 48 mil toneladas de pó de rocha em 2 mil hectares de propriedades de estados como Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Maranhão.
Ao todo, 26 pessoas – principalmente geólogos, cientistas de dados e time operacional – trabalham na startup, metade no Brasil e a outra, no exterior. A intenção da Terradot é dobrar a equipe até o fim do ano que vem.
Hoje, a startup obtém as rochas de pedreiras de basalto, aplica o pó no campo e faz todo o processo de cálculo de remoção – ao menos por enquanto.
A ideia, no futuro, segundo Sekula, é que a Terradot possa fornecer a tecnologia para que os produtores possam aplicar e fazer o processo por conta.
Por isso, no Brasil, a empresa mantém contrato com a Embrapa Cerrados, unidade de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), para desenhar pilotos de um protocolo de aplicação do pó de rocha por parte dos produtores rurais.
“A Embrapa já vem estudando isso há 10, 15 anos, e tem testes de utilização há mais de oito anos. O conhecimento agronômico do benefício de pó de rocha é uma coisa única do Brasil. Nos Estados Unidos, ninguém entende”, afirma Sekula.
A Terradot ainda não gerou nenhum crédito de carbono a partir da estocagem via pó-de-rocha, mas a ideia é começar a gerá-los já no ano que vem, com aplicações feitas a partir do fim de 2023 e ao longo de 2024.
É que a estocagem de carbono – e consequentemente geração de créditos – tem um ciclo próprio, que dura cerca de cinco anos ao todo, de acordo com Sekula.
“É uma curva. No primeiro ano é menos, no segundo e terceiro anos é basicamente 70%, e no quarto e quinto anos, um pouquinho mais”, afirma a CFO da Terradot. “Provavelmente o maior volume de carbono dessa primeira aplicação venha em 2026 e 2027.”