Problemas de inadimplência que afetaram Fundos de Investimentos em Cadeias Agroindustriais (Fiagros) afastou instituições financeiras de títulos do agronegócio e obrigou a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) a um movimento de “educação” com gestores do setor de crédito.
Além da doutrinação da Faria Lima, esse movimento do setor produtivo tenta evitar a contaminação em outros títulos de captação privada, como os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs).
"A fuga dos Fiagros é porque a Faria Lima está aprendendo sobre o agro. Mas estamos conversando com vários fundos e há melhoria de entendimento dos gestores. É um primeiro ajuste, algo compreensivo, e a CNA tem feito reuniões para acertar isso e explicar que o setor é naturalmente instável”, disse o diretor técnico da CNA, Bruno Lucchi, durante entrevista a jornalistas sobre o balanço de 2024 e as perspectivas para 2025 nesta quarta-feira, 11 de dezembro.
O ápice da desconfiança do mercado com os Fiagros - fundos com recursos de vários investidores para a aplicação em ativos de investimentos do agronegócio - teve início em setembro deste ano com o colapso da Agrogalaxy, rede de revendas de insumos.
Com R$ 4,1 bilhões em dívidas, a companhia pediu recuperação judicial e os Fiagros que tinham seus papéis apresentaram forte queda, o que também contaminou e desvalorizou outros fundos.
Dados do governo federal apresentados hoje mostraram um crescimento da inadimplência no crédito privado, que saiu de 1,8% em meados de 2024 para 3,6% em outubro. Para o diretor técnico da CNA, o aumento preocupa, mas o porcentual está dentro da média histórica e o produtor seguirá recorrendo ao setor privado.
O presidente da CNA, João Martins, classificou com um momento delicado pelo setor a busca pelo crédito privado, já que o produtor “tem buscado se libertar da ajuda entre aspas que o governo dá, de menos de um terço dos recursos, para o financiamento público via plano safra”.
A CNA avalia também que o ciclo de alta da taxa básica de juros - frente aos desafios fiscais e às expectativas inflacionárias - deve levar a Selic a 13,50% ao ano ao final de 2025 e frear as concessões de crédito.
Em 2024, o ciclo de aperto monetário elevou a taxa Selic, pressionou o custo de equalização do crédito rural e aumentou as taxas de juros com recursos livres, informou a entidade.
Forte crescimento
A tempestade no crédito privado não impedirá, no entanto, um crescimento expressivo para o agronegócio em 2025. A CNA estima que o Produto Interno Bruno (PIB) do setor avance até 5%, ante uma alta estimada de 2% para este ano e que o Valor Bruto da Produção (VBP) salte 7,4% no próximo ano, com alta prevista de 0,3% em 2024.
Segundo a CNA, o avanço do PIB do agronegócio no próximo ano será puxado pelo aumento da produção primária agrícola, com destaque para os grãos e pelo crescimento da indústria de insumos e da agroindústria exportadora.
Já a alta deste ano reverte a perspectiva de queda de 3% no indicador e ocorre após a melhora nos preços de alguns produtos agropecuários, como carne, e pelo aumento do consumo interno, com queda no desemprego e alta na renda.
O segmento agrícola deve faturar R$ 937,55 bilhões em 2025, alta de 5,75% sobre este ano, e a pecuária deve seguir em alta e crescerá mais 9,2%, para R$ 495,13 bilhões. Destaque para a bovinocultura de corte, que deve registrar, puxada pelos preços, crescimento de 20,9%, segundo a CNA. No total, o crescimento de 7,4% significaria uma receita de R$ 1,43 trilhão no próximo ano.
A pecuária deve trazer o VBP, que considera a receita dentro da porteira, para o campo positivo em 2024. O faturamento da agropecuária deve encerrar o ano em R$ 1,34 trilhão. A receita pecuária deve crescer 6,2%, atingindo R$ 453,3 bilhões e a receita agrícola deve recuar 2,5%, a R$ 886,55 bilhões.
Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra de grãos 2024/2025 será recorde em 322,53 milhões de toneladas, alta de 8,2% ou 24,6 milhões de toneladas em relação à safra 2023/2024. A produção nacional de leite deve crescer 1,5% e a produção de carne bovina deve cair de 3,3% em 2025, em razão da virada do ciclo pecuário.
Desafios
Com o aperto dos juros e a recuperação na oferta, a CNA projeta desaceleração nos preços dos alimentos, com alta de 5,75% em 2025, ante 8,49% em 2024. Mesmo com a ajuda dos alimentos, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve finalizar 2025 acima do teto da meta, de 4,50%, de acordo com a CNA.
Além do crédito caro, o seguro rural deve seguir como um problema recorrente para os produtores em 2025. Segundo a CNA, o orçamento do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) deve ficar em R$ 1,06 bilhão no próximo ano, insuficiente diante da demanda do setor por R$ 4 bilhões.
No entanto, o agro aposta em novas alternativas para modernizar o seguro, como o projeto de lei que traz mudanças no fundo catástrofe e outros pontos que devem consolidar a ferramenta.
Para a CNA, o dólar valorizado favorece as negociações antecipadas das principais commodities agrícolas e as exportações de proteínas animais. Mas a alta na moeda norte-americana atingirá os custos de produção da pecuária para os insumos importados, e agricultura, como fertilizantes e pacotes tecnológicos.
“Dólar alto pode favorecer as exportações, no caso de grãos. Mas dólar alto não é bom para boa parte das cadeias que dependem de importações e tem seu custo elevado. Bom é um dólar equilibrado”, afirmou Lucchi
Comércio Exterior
No mercado externo, mesmo com o novo passo do acordo Mercosul-União Europeia anunciado semana passada, o cenário continuará desafiador e conturbado, segundo a CNA. A entidade espera o acirramento das tensões entre as principais economias mundiais e o principal fator de mudança será o retorno de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos.
As medidas propostas para a economia americana, como taxação de produtos importados de até 20%, se cumpridas, terão alto grau de influência sobre o cenário global em aspectos cambiais, políticos e macroeconômicos, de acordo com a entidade.
“Esperamos o enfraquecimento do multilateralismo no comércio internacional com essa ação dos Estados Unidos. Na China, com a redução das importações de alguns produtos, a opção é a diversificação”, afirmou a diretora de Relações Internacionais da CNA, Sueme Mori.
No Brasil, o comércio internacional de produtos do agro ficou estável, em valor e volume, se comparado com o ano passado. Até novembro, foram exportados US$ 152,6 bilhões em bens derivados do setor, variação negativa de apenas 0,3% em relação ao mesmo período de 2023.
A estimativa é que o valor alcance cerca de US$ 166 bilhões até o fim do ano. A participação do agronegócio na pauta das exportações também esteve em patamares parecidos com 2023, em 49%.