Santa Rosa (RS) - O município gaúcho de Santa Rosa é conhecido por muitos brasileiros por ser a terra natal da apresentadora Xuxa Meneghel e de um dos heróis do tetracampeonato de futebol brasileiro, o ex-goleiro Taffarel.
O que poucos sabem, no entanto, é que o pequeno município no noroeste gaúcho é também o berço da revolução agrícola que mudou os rumos do agronegócio brasileiro.
Foi ali que, em 1924, o pastor norte-americano Albert Lehenbauer plantou os primeiros grãos de soja do Brasil. Líder religioso da igreja Luterana na então colônia de Santa Rosa, ele há tempos buscava uma maneira de auxiliar os colonos a enfrentar os desafios do cultivo da terra.
"Meu avô jamais imaginou a revolução que aquele punhado de sementes causaria", diz o pastor Walter Lehenbauer, também pastor e neto de Albert.
Morador do estado americano do Missouri, ele está no Brasil com a família para acompanhar as festividades dos 100 anos da soja no Paísl, que acontecem nesta semana durante a Feira Nacional da Soja (Fenasoja), na mesma cidade em que seu antepassado plantou as sementes do futuro do agro brasileiro.
Filho de Siegfried, o primogênito de Albert, Qalter nasceu em Porto Alegre, viveu no Brasil até os 20 anos e conhece bem a região de Santa Rosa. Ao retornar para os Estados Unidos ele entrou na faculdade de Medicina, mas abondonou o curso logo depois para seguir os passos do avô missonário.
"A motivação dele era contribuir para que a comunidade pudesse ter uma vida melhor. Ele via muita pobreza e dificuldade na região e buscava maneiras de ajudar essas famílias a terem uma vida melhor", pondera Walter.
O primeiro "carregamento” de soja trazido dos Estados Unidos foi literalmente um punhado, transportado em uma garrafa de vidro. Os cerca de 160 grãos chegaram às mãos do pastor durante uma viagem de férias para visitar a família, por meio de sua irmã Catarina, que já cultivava soja em uma fazenda no interior dos EUA.
De volta ao Brasil, o pastor Albert logo plantou os grãos em uma pequena área para testar a eficiência da planta. Ele destinou 50% da primeira produção para dividir com quatro colonos: Johan Müller, Emanuel Brachman, Bruno Schwarz e Gustavo Bessel.
O intuito era que os vizinhos cultivassem os grãos em seus quintais e, assim como Albert, partilhassem a produção com outros vizinhos, até que todos da comunidade pudessem colher os benefícios daquele grão dourado.
O efeito cascata da ação de compartilhamento entre vizinhos deu tão certo que, um século depois, o Brasil é o maior produtor de soja do mundo. Da pequena Santa Rosa, a produção se espalhou para outras regiões do Brasil.
O pastor Albert não pode ver o tamanho da revolução que sua iniciativa causou no agronegeocio brasileiro, já que faleceu em 1955, em Buenos Aires, Argentina, anos antes do início da expansão agrícola para outras regiões, especialmente no Centro-Oeste.
Nos últimos 50 anos, avanços da biotecnologia, liderados pela Embrapa, permitiram a adaptação da planta, que antes era típica dos climas temperados do Sul, ao calor e os solos mais pobres do Cerrado. Com isso, os 16 grãos se tornaram o centro de uma economia estimada em R$ 422 bilhões em 2024, segundo cálculos de um estudo realizado pelo Cepea/USP e pela Abiove sobre a cadeia da soja.
O mesmo estudo aponta que essa cadeia empregou, em 2023, mais de 2,3 milhões de trabalhadores, sem contar os empregos indiretos gerados nos mais de 2 mil municípios onde o cultivo e o processamento do grão é realizado.
Atualmente o Mato Grosso é o maior produtor, seguido pelo Rio Grande do Sul. A produção brasileira que inicialmente era voltada para a subsistência dos colonos deve chegar a 166,14 milhões de toneladas na safra 2024/2025, plantados em 47 milhões de hectares segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
O volume é 12,5% superior à safra 23/24, quando foram colhidos 147,72 milhões de toneladas. Segundo a Aprosoja, cerca de 243 mil produtores se dedicam ao cultivo da commoditiy em todo o país.
Fonte de nutrientes para o solo
Nelson Bessel é neto de um daqueles primeiros colonos a receber os grãos. Ele conta que, no início, a soja foi vista como uma alternativa para melhorar a qualidade do solo, que naquela época sofria drasticamente com a falta de nutrientes.
“O intuito do plantio era utilizar o nitrogênio armazenado nas raízes da planta para enriquecer o solo e prepará-lo para outros cultivos", explica ele.
Naquele período, no início da década de 20, a maior parte dos colonos da região era composta por imigrantes vindos de países como Polônia e Alemanha, que sofriam os horrores da primeira guerra mundial.
Ao chegarem ao Brasil, muitos se estabeleceram em cidades do interior de São Paulo e Rio de Janeiro, onde trabalharam por alguns anos até chegarem ao Rio Grande do Sul.
"Muitos deixaram tudo para trás e chegaram ao Brasil apenas com a roupa do corpo", explica Walter. Segundo ele, as dificuldades pelas quais a comunidade passava e a falta de recursos para investir na terra tiravam o sono do pastor Albert, que além das obrigações religiosas, se sentia chamado a auxiliar a comunidade na busca por alternativas.
Quem também conhece essa história é Hildegard Schwarz. Ela é neta de Bruno Schwarz, um polonês que chegou ao Brasil com os pais e irmãos no final do século 19, aos três anos de idade.
Hildegard conta que a família se estabeleceu inicialmente no Rio de Janeiro e o avô só chegou ao Rio Grande do Sul aos 23 anos, por conta de um problema de saúde de um de seus irmãos, que recebeu dos médicos a orientação de mudar para outra região.
Ao chegar, Bruno adquiriu 25 hectares de terra e passou a cultivar feijão, mandioca e outros alimentos para a subsistência da família.
Bruno plantou os primeiros grãos de soja recebidos das mãos do pastor Albert no quintal de casa, em uma pequena horta.
“Os primeiros grãos colhidos foram divididos com os vizinhos e usados principalmente como ração para alimentar os porcos", relembra. Ela conta ainda que a avó costumava usar os grãos para preparar pães, bolos e até café para a família.
Aos poucos, conforme a produção foi aumentando, a família Schwarz passou a plantar também em outras áreas da pequena propriedade, ainda com foco na alimentação dos animais.
Quando Bruno faleceu, em 1972 aos 84 anos, a família já cultivava áreas de soja com foco comercial e as primeiras colheitadeiras já faziam parte do cenário agrícola da região.
O trabalho pioneiro com o plantio da soja foi passando de geração em geração e Hildegard conta que, além dos tios, ela e os irmãos também cultivaram soja durante alguns anos. "Vendi a minha área de 18 hectares há uns quatro anos, já estava morando na cidade", relembra.
Atualmente, poucos membros da família ainda cultivam a soja, mas a história do legado que os pioneiros deixaram para o agronegócio e a economia brasileira seguem vivos na memória da família Schwarz. “Para nós é motivo de orgulho fazer parte dessa história", finaliza.