O último fim de semana foi intenso para os executivos e advogados do grupo AgroGalaxy. Eles correram contra o relógio para definir os pontos derradeiros de um plano de recuperação judicial que deve ser apresentado nesta segunda-feira, 2 de dezembro, à 19 Vara Cível e Ambiental de Goiânia (GO).
A entrega da proposta, que deve estabelecer os prazos e as condições com que a empresa pretende quitar uma dívida superior a R$ 4,1 bilhões, está prevista no despacho da juíza Alessandra Gontijo do Amaral.
Ao deferir o pedido de proteção judicial à companhia, no dia 1 de outubro passado, havia dado 60 dias para que o AgroGalaxy elaborasse sua estratégia para honrar compromisso com mais de 2,5 mil credores listados no processo.
Uma fonte ligada à empresa informou ao AgFeed que a companhia prevê protocolar o documento ao longo da segunda-feira, primeiro dia útil após o decurso do prazo, que aconteceu no fim de semana.
As normas que regem a recuperação judicial permitem, entretanto, que a empresa solicite à juíza uma prorrogação da data de entrega do plano.
De acordo com um executivo do setor, que acompanha de perto o processo, a intenção de Eron Martins, CEO do AgroGalaxy, é cumprir o cronograma judicial.
Sua intenção é mostrar que a empresa está disposta a dar um novo passo em direção à normalização de suas atividades, depois de quase dois anos lidando com imensas dificuldades provocadas pela conjunção de um quadro de alto endividamento e de contração do mercado.
Os desafios a serem enfrentados por Martins não são pequenos. A empresa que apresenta hoje seu plano é substancialmente menor à que ingressou, no dia 18 de setembro passado, com o pedido de RJ.
Desde então, cerca de metade das lojas que a empresa mantinha foi fechada – restaram 74 de um total de 149 – e mais de 40% da força de trabalho foi demitida.
Em entrevista exclusiva ao AgFeed em meados de outubro, a primeira depois da RJ, Martins afirmou que as unidades que foram mantidas eram as consideradas “estratégicas para esse desenho de AgroGalaxy que a gente está aportando, de venda com valor agregado e de clientes com menor risco de crédito”.
“Nos últimos doze meses a gente tem buscado tomar medidas para aumentar a nossa eficiência profissional, por um lado, diminuindo o custo fixo e, por outro, melhorando o nosso mix de produtos”, disse Martins.
“É a única forma de assegurar um futuro de médio e longo prazos sustentável”.
A empresa reduziu, por exemplo, o esforço de venda de fertilizantes, que oferece margens baixas nas operações, para concentrar esforços na melhoria do mix co produtos com maior valor agregado, como defensivos, semente e especialidades.
Além do enxugamento, determinou uma reorganização administrativa. Antes dividida em cinco vice-presidências regionais, passou a contar com três.
O principal efeito colateral dos cortes é um brutal encolhimento de receita, admitido pelo próprio CEO.
“Naturalmente, a gente não é inocente. Quando você decide focar no mix de maior valor agregado, quando você decide vender para clientes que representam menor risco, menor risco climático, você vai ter naturalmente uma redução do seu volume de venda”.
O plano de recuperação judicial deve dar uma pista do tamanho desse impacto, que deve, obviamente, ditar o ritmo de pagamento dos débitos pendentes.
Uma vez apresentada, a proposta precisará ser levada à apreciação dos credores. Martins afirmou que tem mantido conversas frequentes com muitos deles desde o momento do pedido da RJ. Sobretudo com fornecedores, fundamentais para manter a operação do grupo.
Outra preocupação, de acordo com Martins, foi explicar o processo aos produtores clientes, pegos de surpresa pela decisão em pleno início de uma nova safra, momento em que contavam em receber insumos já comprados da companhia.
Muitos desses clientes não tiveram suas encomendas entregues. “A gente entregou o que era possível entregar até o dia 18 de setembro. E vem trabalhando com os clientes, desde então, indicando o que a gente tem de produto, o que é possível entregar, o que não é possível entregar, facilitando para que esse produtor possa buscar alternativas no mercado e usar o seu produto”.
Cronologia da crise
As dificuldades do AgroGalaxy coincidem com a mudança de humor do mercado de commodities. A empresa viveu um período de forte expansão até o fim de 2022, embalada por anos em que o agronegócio brasileiro surfou uma maré positiva com safras recordes e mercados favoráveis para seus principais produtos agrícolas.
Esse quadro mudou ao longo da safra 2022/2023 e as vendas de fertilizantes e defensivos, principal fonte de receita do grupo, entraram em declínio, ao mesmo tempo em que seus estoques atingiam níveis altos.
Embora esse problema atingisse todo o segmento de distribuição de insumos agrícolas, o AgroGalaxy esteve sempre na vitrine da crise.
Uma das poucas companhias do setor a ter capital aberto – assim como a Lavoro e a 3tentos –, a empresa adotou uma estratégia de tratar publicamente das suas dificuldades. Já no início de 2023, por exemplo, admitiu que teria de enfrentar um período de retração no caixa das empresas.
Em julho do ano passado, anunciou sua primeira tentativa reestruturação. A então CEO, Sheila Albuquerque, havia se afastado em função de uma licença médica, e a gestora Aqua Capital, controladora da empresa decidiu trazer de volta Welles Pascoal, executivo que havia liderado o processo de abertura de capital da companhia.
Pascoal deu início a um processo que visava equacionar o endividamento e redimensionar a empresa à nova realidade de mercado, com fechamento de lojas e demissão de funcionários.
Para ajudá-lo, chamou à AgroGalaxy o antigo parceiro Axel Labourt, ex-diretor comercial da Dow Agrosciences e com passagem pela Corteva, e Eron Martins.
Pascoal ficou no posto até fevereiro deste ano, passando então o posto de CEO a Labourt. "Concluímos a primeira etapa de um plano que foi executado para construir uma empresa com estrutura capaz de atravessar esses períodos conturbados que o agro tem enfrentado", disse na época.
Nessa primeira etapa, a reorganização do grupo resultou na criação de uma estrutura de negócios em cinco vice-presidências regionais, a redução de dois níveis hierárquicos entre o CEO e as equipes de vendas e a supressão de 80 posições dentro das equipes. No total, 19 lojas do grupo foram fechadas.
Mas as dificuldades não cessaram e o endividamento continuava a pressionar as contas da empresa. Em março, a companhia precisou negociar com credores um waiver, mecanismo que a dispensou formalmente de cumprir todos os indicadores exigidos em operações de CRAs, evitando, assim, que eles solicitassem o vencimento antecipado de dívidas.
No mês seguinte, ao divulgar o balanço anual da empresa com os resultados de 2023 - que apontou queda de 19% na receita (R% 9,4 bilhões) e de 36% no lucro ajustado (R$ 1 bilhão), Labourt e o então CFO Eron Martins pontuaram ao AgFeed que o pior havia ficado para trás e que o momento era de olhar para frente e buscar melhores resultados.
Ao longo de toda a gestão, o Aqua Capital aportou recursos que ajudaram a recompor o capital de giro da empresa. Um aumento de capital de R$ 162 milhões (sendo R$ 150 milhões do controlador) e uma sequência de operações de mútuo (renovados três vezes) foram importantes para reequilibrar as finanças da empresa.
Em agosto, um mês antes de entrar com o pedido de recuperação judicial, a empresa procurava mostrar otimismo com a chegada de uma nova safra.
Mesmo com números negativos no balanço do segundo trimestre de 2024 (queda de 42% da receita), Labourt e Martins falavam em recuperação do mercado e ressaltavam que as economias com a reestruturação já somavam R$ 180 milhões e que visualizavam uma retomada das vendas.
E sinalizavam aos credores terem condições de saldar todos os compromissos de curto prazo. Um desses credores, entretanto, decidiu não pagar para ver e decidiu exercer o direito de exigir o vencimento antecipado de seus créditos.
Isso debilitou o caixa da empresa. No dia 18 de setembro passado, o AgroGalaxy deveria saldar um montante estimado em R$ 70 milhões como amortização a investidores de um CRA de R$ 500 milhões emitido pela companhia, com vencimento em 2027.
Com dificuldades de caixa para saldar o compromisso, os sócios do Aqua Capital, controlador da empresa, que durante meses buscaram saídas financeiras, decidiram buscar o caminho jurídico.
A decisão dividiu o grupo de gestores da empresa e resultou na renúncia do CEO, Axel Labourt, e de cinco dois sete integrantes do Conselho de Administração da companhia, entre eles Welles Pascoal, homem de confiança do Aqua e por duas vezes CEO da empresa.
Eron Martins, até então CFO, assumiu o comando e a missão de resgatar a companhia, que chegou a ter uma carteira de 30 mil clientes, somando mais de 8 milhões de hectares cultivados. A receita líquida, em 2023, foi de R$ 9,3 bilhões.
O impacto no mercado
As ações do AgroGalaxy iniciam a semana negociadas a R$ 0,65, depois de uma leve reação nos últimos dias – na terça-feira, 26 de novembro, chegaram a R$ 0,39, uma mínima histórica.
Os papeis – que tiveram seu pico em fevereiro de 2022, quando atingiram R$ 12,72 – vêm sofrendo um processo consistente de baixa desde o início de 2023, quando ficou evidente o impacto da virada do mercado de commodities para o setor de insumos.
Há exatos doze meses, no início de dezembro de 2023, o valor das ações já estava em R$ 3,65. Em 17 de setembro passado, véspera do anúncio do pedido de RJ, marcavam R$ 1,13, caindo para R$ 0,98 no dia seguinte.
Mais do que o impacto para os acionistas, no entanto, a RJ promoveu um “efeito AgroGalaxy” na indústria de fundos, que também sofria com a desvalorização dos Fiagros em função de um mercado mais desafiador para produtores, indústria e varejo do agronegócio.
A decisão do grupo de pedir a suspensão de suas dívidas na justiça ampliou o baque, justamente em um momento em que esse segmento ensaiava uma recuperação.
Um levantamento feito pelo AgFeed na ocasião apontou que pelo menos seis Fiagros tinham papéis emitidos pelo AgroGalaxy em suas carteiras. São eles:
• XPCA11, da XP Investimentos: 8,2% do patrimonio líquido está distribuído em 3 CRAs do AgroGalaxy. O PL do fundo é de R$ 431,6 milhões, segundo o último relatório gerencial;
• JGPX11, da gestora JGP: 8% do patrimônio líquido de R$ 203,7 milhões vêm de um CRA do AgroGalaxy;
• CPTR11, fundo agro da Capitânia Investimentos tem um PL de R$ 405 milhões e 7% de exposição a AgroGalaxy;
• XPAG11, outro Fiagro da XP, que possui 3 CRAs do AgroGalaxy, compondo 6,2% do PL de R$ 1,4 bilhão;
• BBGO11, Fiagro do Banco do Brasil de R$ 391 milhões e 4,7% de exposição em quatro CRAs do AgroGalaxy;
• AAZQ11, fundo da gestora AZ Quest, investiu em um CRA do AgroGalaxy. O PL é de R$ 208 milhões e a exposição ao papel da distribuidora de insumos é de 0,39%.
A teia de influência dos negócios da empresa, entretanto, vai muito além. Segundo levantamento de Tiago Gil, economista e diretor da gestora Cordiant Capital, as interações dos diversos CRAs emitidos pelo AgroGalaxy apontam que ela é uma das empresas mais conectadas ao ecossistema financeiro ligado ao agro.
Por isso, as atenções dessa segunda-feira, novamente, estarão voltadas para a justiça de Goiânia.