A reforma tributária, já prevista para ser implementada a partir de 2026, representa uma virada de página para o Brasil. Prefeitos recém-eleitos de todo o País terão que encarar um cenário que promete mexer profundamente com a autonomia municipal e com o principal motor econômico de boa parte dos municípios: o agronegócio.

A pergunta que fica é: estamos prontos para essa transição?

O agronegócio, responsável por cerca de 30% do PIB brasileiro e até 70% da balança comercial de algumas regiões, tem sido o pilar sobre o qual muitos municípios sustentam suas economias. No entanto, com a substituição de cinco tributos — incluindo o ICMS, IPI e o ISS — por um novo modelo de arrecadação baseado na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o cenário mudou drasticamente.

O ISS, uma das principais fontes de receita municipal, deixará gradativamente de existir. Isso significa que os prefeitos não só perderão a autonomia plena de uma fatia significativa de sua arrecadação, como também a capacidade de gerenciar os tributos locais com maior discricionariedade.

Após anos debruçados sobre a tributação brasileira é impossível não questionar: qual será o verdadeiro impacto da centralização da arrecadação nas mãos da União?

Em um país de proporções continentais, onde as realidades de pequenos e grandes municípios variam tanto quanto a geografia, retirar dos municípios a responsabilidade sobre uma de suas principais fontes de receita não parece apenas uma mudança administrativa, mas uma alteração profunda na essência do pacto federativo.

As regiões “agrodependentes”, que já convivem com a volatilidade de preços e o clima, terão que lidar com uma dependência maior do repasse federal — uma corda bamba onde a política se tornará ainda mais decisiva.

Enquanto isso, o agronegócio, que tem sido um dos motores mais resilientes da economia, também enfrentará um desafio de magnitude sem precedentes: o aumento expressivo da carga tributária. Estimativas indicam que a tributação sobre o setor pode mais que dobrar.

E aqui, uma segunda reflexão se impõe: se a atividade agrícola representa uma arrecadação municipal bastante equilibrada (não raras vezes deficitária), como estes entes lidarão com a perspectiva de menor arrecadação somada aos elevados custos?

A discussão que se apresenta não é meramente técnica. Há uma narrativa que precisa ser construída em torno da reforma tributária que vai além de números e projeções fiscais. É uma questão de preservação de identidades regionais e da sustentabilidade econômica de municípios que fazem do agro o seu sustento.

Mais do que isso, trata-se de uma reflexão sobre até que ponto a centralização da arrecadação não contraria a essência de um país que sempre se orgulhou de ser uma federação.

A reforma não pode ser apenas um ajuste fiscal. Ela precisa vir acompanhada de um debate mais profundo sobre o papel dos municípios e do agro na construção de um Brasil que, mais do que sobreviver, precisa prosperar.

Prefeitos e gestores municipais, agora mais do que nunca, terão que ser estrategistas. O fim do ISS poderá obrigá-los a encontrarem novas formas de garantir a saúde fiscal de suas cidades. Em muitos casos, será necessário recriar um modelo econômico local, apostando em inovação e em parcerias estratégicas com o setor privado.

Isso exigirá criatividade e, sobretudo, liderança. O agronegócio, por sua vez, precisará se preparar para um futuro de maior tributação, enfrentando o desafio de continuar crescendo em um ambiente cada vez mais oneroso e juridicamente incerto.

A reforma tributária votada a “toque de caixa” nos obriga a enfrentar as consequências que ela trará para os municípios e para o agronegócio. O futuro desse setor, que sustenta não só nossa economia, mas também a identidade de boa parte do interior brasileiro, está em jogo. E a forma como os prefeitos e empresários do agro lidam com essa nova realidade será determinante para o Brasil.

Enquanto muitos estão nos redutos políticos, no aquecimento para o 2º turno, o país segue para um momento decisivo: manter o protagonismo no cenário global ou perder a oportunidade de transformar esse momento de transição em uma verdadeira alavanca de desenvolvimento.

Eduardo Berbigier é presidente da Berbigier Sociedade de Advogados