Rio Verde (GO) - Quem passeia pela cidade goiana de Rio Verde às vésperas do aniversário do município, que completará 176 anos no próximo dia 5 de agosto, encontra um elemento curioso em diversos cruzamentos e rotatórias da cidade: pilhas de abóboras gigantes.
Espalhadas por diferentes bairros, elas remetem a um tempo em que o ambiente rural dominava a cena local, mas estava bem longe de dar ao município o status de uma das capitais do agronegócio brasileiras, ostentando o posto de segunda maior produtora de soja do Brasil.
Rio Verde já foi conhecida como “cidade das abóboras”. O apelido, antes visto como pejorativo pelos seus habitantes, foi dado por alguns soldados que acamparam na região na época da Guerra do Paraguai, nos anos 1840.
Na ocasião, a tropa ficou acampada no então Arraial de Nossa Senhora das Dores de Rio Verde, e tinha no fruto, abundante na região, sua principal fonte de alimento.
Hoje, quase 200 anos depois, a planta foi ressignificada e é vista como motivo de orgulho e pertencimento para habitantes locais. “Aqui já foi a cidade da abóbora. Hoje é da soja e do milho… do agro”, resumiu um motorista de aplicativo que transportou este repórter, enquanto passava por uma rotatória repleta de frutos.
O município goiano tem aprendido, ao longo do tempo, a se reinventar e buscar o desenvolvimento através de novos ciclos econômicos. Nas últimas décadas, viveu pelo menos três fases de impulso rápido promovidos pela atividade agroindustrial.
Agora, como outras cidades do agro do Centro-Oeste, sente os efeitos da perda de rentabilidade da produção de grãos na última safra. Ao mesmo tempo, já vislumbra novos tempos a partir da atração de empresas de biotecnologia e da transformação da região em um polo de agricultura regenerativa.
Em 2022, último ano com os números fechados, Rio Verde produziu 1,5 milhão de toneladas de soja e 2,5 milhões de toneladas de milho. Na ranking brasileiro da produção de soja, só fica atrás de Sorriso (MT), que colheu 2,1 milhões de toneladas da oleaginosa no mesmo período.
O município é líder em exportações em Goiás, representando 30% do que é vendido pelo Estado para fora do País. Em cifra, isso significa algo em torno de US$ 4 bilhões em 2023.
Além da soja, são 2,5 milhões de toneladas de milho por ano, numa área plantada que passa dos 830 mil hectares somando as duas safras, sendo 450 mil hectares de soja no primeiro plantio.
O PIB da cidade bateu R$ 16,3 bilhões no ano passado, um salto de quase 40% em comparação com 2022. Hoje, Rio Verde é a quarta maior economia do estado, com um PIB menor apenas que a capital Goiânia, Anápolis e Aparecida de Goiânia.
O novo ciclo econômico de Rio Verde
O futuro de Rio Verde também depende do agro. Em entrevista ao AgFeed, Denimarcio Borges, secretário municipal de Desenvolvimento Econômico Sustentável, afirmou que espera que a cidade seja uma referência quando o assunto é agregação de valor às commodities agrícolas.
Segundo Borges, o que se vê por ali é um movimento de empresas diversificando a atuação com a soja, além da chegada de novas companhias ao município.
Como exemplo, cita o Grupo Cereal, que atua como indústria de processamento de soja desde os anos 2000. Recentemente, aumentou sua planta e está investindo na produção de biodiesel. O que começou com uma capacidade de 440 mil litros por dia deve chegar aos 600 mil litros em breve.
Outro movimento visto nos últimos anos foi a compra pela goiana Milhão Ingredientes de uma planta da LDC em fevereiro deste ano. A empresa transforma milho in natura em mais de 40 produtos, com exportações para 60 países.
“A onda dos ingredientes é um plus no agro. Ao invés de vender grãos, vamos vender produtos, seja biodiesel, lecitina de soja ou etanol de segunda ou terceira geração”, projetou Denimarcio Borges.
Além disso, a projeção é que Rio Verde se torne uma referência no agro brasileiro quando o assunto é biotecnologia e agricultura regenerativa.
A vocação para isso vem de uma particularidade própria da cidade. Ele relembra que, historicamente, o grande desafio do agro local são as margens dos produtores.
Diferentemente do Mato Grosso, onde existem os grandes grupos agrícolas, Goiás se caracteriza por ter um perfil de produtores de porte médio, que, sem a escala de uma Amaggi ou uma Bom Futuro, precisam, segundo o secretário, de um empenho extra para serem mais produtivos e eficientes.
Na opinião de Luciano Guimarães, produtor rural local, os agricultores de Rio Verde têm se entusiasmado com mais tecnologias no campo, bem como iniciativas de agricultura regenerativa. “Vejo muita utilização de compostos orgânicos de dejetos de confinamentos e uso de pó de rocha para condicionar melhor o solo”, afirma.
Esse tipo de produto, segundo ele, tem ajudado a diminuir os custos de produção. Ele mesmo já utiliza produtos biológicos em diversas aplicações de sua lavoura há alguns anos.
Borges acredita no fomento de novas tecnologias e cita a criação do Ceagre (Centro de Excelência em Agricultura Exponencial), uma parceria entre a prefeitura, o governo estadual e o Instituto Federal (IF) goiano.
No centro, pesquisadores estão trabalhando no desenvolvimento de novas tecnologias. “Estamos estudando para popularizar o uso do led em estufas na produção de mudas e sementes. Outro foco está na pesquisa climática”, comenta.
Rio Verde também deve receber em breve uma nova indústria de fertilizantes biológicos da empresa Bioma Verde, que foi criada dentro do Simple Agro, um hub de inovação municipal. A tecnologia, desenvolvida por duas pesquisadoras do IF da cidade, envolve a produção de biológicos em meio líquido.
Borges revelou que a cidade deve receber o anúncio de novos investimentos ainda este ano, um uma empresa de biocombustíveis e outro na área de gás. A cidade, disse, tem conversado com diversas companhias para instalar usinas de etanol de milho no futuro.
“Na bioenergia, existem projetos pilotos de biometano, que queremos viabilizar junto com as granjas da cidade”, afirmou.
No viés de um agro mais ecológico, Borges cita o programa Produtores de Água, instalado há alguns anos na cidade pela prefeitura e que remunera produtores que possuem nascentes em suas propriedades.
O projeto engloba 60 nascentes locais e Borges afirma que, com um melhor trabalho de conservação, a capacidade de captação de água saltou de 170 litros por segundo no passado para um patamar atual de 400 litros.
“Com as nascentes mapeadas e os produtores convidados, eles recebem um pagamento pelo serviço ambiental, e atuam na recuperação e preservação da nascente”. Só em 2024, foram mais de R$ 200 mil destinados ao programa.
Os três ciclos econômicos que impulsionaram Rio Verde (até agora)
O caminho para chegar até aqui contou com o impulso de diversos players. Denimarcio Borges relembrou que o desenvolvimento da cidade passou por uma série de ciclos econômicos que foram impulsionados por empresas do agro.
Entre os anos 1980 e 1990, a instalação da cooperativa Comigo posicionou o município como um grande produtor de grãos e de produtos derivados da soja e do milho. A cooperativa faturou R$ 13 bilhões no ano passado.
Nos anos 2000, a produção de grãos atraiu para o unicípio a maior planta de processamento de aves e suínos da Perdigão (hoje BRF), que trouxe a agroindústria para Rio Verde.
A unidade rioverdense da BRF é a maior empregadora de todo estado do Goiás, com 8 mil funcionários. Focada na exportação de frangos e suínos, foi inaugurada em 2003.
A capacidade atual permite abater 5,2 mil suínos e 420 mil aves por dia. O que representava 50% da Perdigão, hoje é responsável por algo em torno de 15% de toda produção nacional da BRF.
Mais recentemente, a instalação de um terminal logístico pela Rumo interligou de vez o município no mapa do agro nacional. Segundo Borges, a prefeitura não mediu esforços para trazer o pólo para a cidade e chegou a doar diversos terrenos para a construção.
“A ferrovia Norte-Sul já passava aqui no município, mas não ganhávamos nada com isso, porque o trem literalmente só passava e de vez em quando escutávamos o apito”, brincou o secretário.
Desde que assumiu a concessão arrematada em leilão, em 2019, a Rumo executou uma série de obras na infraestrutura ferroviária e investiu R$ 4 bilhões em obras e novos terminais.
Passam pela instalação, anualmente, 6 milhões de toneladas de soja, milho e farelo, que, em sua maioria, vão para o Porto de Santos. Os trens que chegam no local ainda trazem gasolina e diesel de Paulínia (SP) e levam etanol e biodiesel para outros estados.
Desde a instalação do Terminal Rio Verde em 2020, indicadores sociais e econômicos dispararam na cidade. Segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), empresas instaladas na cidade criaram, respectivamente, 2,9 mil, 4,5 mil, 3,8 mil e 2,9 mil empregos de 2020 a 2023,.
A desaceleração vista no ano passado reflete a safra difícil que o município encarou. Contudo, de acordo com Borges, os números deste ano até abril já superaram os registrados no ano passado.
A chegada de grupos privados têm impulsionado investimentos públicos, segundo o secretário. Ele estima que R$ 500 milhões dos cofres públicos locais foram aplicados na cidade nos últimos dois anos.
A maior parte do montante vai para serviços urbanos e saúde, que receberam R$ 143 milhões cada.
O secretário ressaltou que o município tem aumentado as vagas escolares, construído novos hospitais e também investido em segurança pública. Nesse mesmo período, foram quase R$ 4 milhões investidos em “infraestrutura rural”.
Rio Verde possui cerca de 225 mil habitantes segundo o IBGE. Nas contas do governo local, baseadas em estimativas que levam em consideração a quantidade de casas que estão nas granjas locais, seriam algo mais próximo aos 250 mil munícipes.
O município também contabiliza uma crescente de arrecadação e acumulou R$ 1,8 bilhão em receitas em 2023, avanço de 20% frente a 2022 e 38% acima de 2021. Borges projeta que Rio Verde arrecade R$ 2 bilhões neste ano.
Os desafios de uma safra difícil na lavoura…
Rio Verde vive para e do agronegócio, segundo descreveu há alguns meses o prefeito local, Paulo Vale. Quando os eventos climáticos extremos do final do ano passado começaram a dar as caras, os agricultores perceberam que iam enfrentar meses difíceis à frente
O produtor rural Luciano Guimarães, que já foi presidente do sindicato rural da cidade, percebeu essa realidade tanto em suas fazendas quanto pelas suas andanças pelo município.
Nascido em Rio Verde, quarto filho de um produtor rural, Guimarães cultiva soja e milho. Depois do falecimento de seu pai, nos anos 1980, ele e seus irmãos assumiram as terras da família e migraram da pecuária para a produção de grãos.
Hoje, ele toca 1,2 mil hectares de fazendas na região, com parte em terras próprias e parte em áreas arrendadas. “Sempre estive dentro da fazenda e, em toda a vida, fui um apaixonado por máquinas agrícolas. Quando tinha um trator rodando, eu sempre estava ‘beirando”, disse Guimarães, que conversou com o AgFeed na sede da Simple Agro, onde atua como head de relacionamento.
A safra de 2023/2024 foi marcada por prejuízo com a soja e uma tentativa de recuperação no milho, resumiu Luciano Guimarães. Ele acredita que quem plantou o milho com mais antecedência garantiu resultados melhores.
No início do plantio da soja, Rio Verde registrou temperaturas elevadas e acima de 40 graus, sem esfriar de madrugada, relembra o produtor. “Quando chovia, os volumes não eram expressivos”.
Ele conta que alguns produtores do entorno da cidade chegaram a replantar duas vezes a soja, enquanto outros desistiram da oleaginosa e anteciparam o ciclo do milho de segunda safra.
Em suas terras, Guimarães estima que plantou 40% de sua área com milho na safrinha. “Se eu plantasse nas outras áreas, estaria muito fora da janela de plantio, e as que plantei já estavam no limite da janela”.
Na soja, ele conta que alguns produtores chegaram a perder metade da produção, com a maioria registrando quedas na produtividade. Em sua fazenda, o ex-presidente do sindicato rural teve uma produtividade quase 20% menor que na temporada 2022/2023 e estima que colheu uma média de 66 sacas por hectare na soja.
Com a colheita do milho chegando ao fim, ele estima uma produtividade de 75 sacas por hectare. Os grãos colhidos são vendidos para tradings, cooperativas ou para indústrias. “Quem estiver pagando melhor”.
Ele estima que encerrou a colheita de soja com cerca de 7 mil sacas para vender. Na safra passada foram 10 mil sacas.
…E na cidade
O resultado de uma safra difícil tem reflexo direto no movimento econômico da cidade. “Rio Verde é uma cidade do agro. Então, quando o campo não entrega resultados, você deixa de rodar dinheiro dentro do município, pois os produtores consomem o dinheiro deles na cidade, seja na borracharia, na farmácia, na oficina, trocando o carro, comprando um terreno”, afirmou o produtor.
Em conversas com empresários locais, entre revendedores de máquinas e de insumos e outros profissionais, fica claro como os investimentos foram reduzidos neste ano.
Na edição deste ano da Tecnoshow, tradicional feira agrícola de Rio Verde, organizada pela cooperativa Comigo, o balanço final dos negócios realizados no evento foi 15% menor do que em 2023, atingindo R$ 9,3 bilhões.
Na época da feira, em abril, o presidente do Conselho de Administração da Comigo, Antonio Chavaglia, afirmou que ficou positivamente surpreso com o volume de negócios feitos durante o evento.
“Nós chegamos a pensar em uma queda de 50% em relação aos negócios feitos em 2023", disse Chavaglia durante entrevista coletiva para apresentar balanço da Tecnoshow.
Luciano Guimarães acredita que, com o boom do preço da soja há dois anos, o preço de insumos e de máquinas subiu em consonância. A queda da cotação da oleaginosa, contudo, não pressionou o preço dos insumos de imediato e o dos tratores até hoje não baixou, avalia o produtor.
Clodomar Luiz Magnabosco, empresário dono da Trans Magnabosco, conta que, em momentos difíceis do agro, a transportadora e o segmento de transporte “sentem muito”.
“Vemos muitos caminhões à venda por aí, sem contar uma mudança grande que vemos de trocar caminhões grandes para veículos mais leves”, afirmou.
A Trans Magnabosco presta serviço para gigantes do agro como Nestlé, BRF, Seara, Vigor, MCcain e LDC.
A empresa é catarinense e possui 43 anos de vida. Clodomar conta que abriu a filial de Rio Verde no final dos anos 1990, alguns anos antes de a Perdigão instalar sua unidade no município.
Na época, a BRF chamou transportadoras do Sul para atender algumas demandas da nova fábrica. Uma delas era a Trans Magnabosco. O que eram algumas empresas e poucos caminhões cresceu ao longo dos anos, com a compra de novos caminhões e transportadoras menores focadas no agro.
Com uma operação focada em grãos nos primeiros anos, a companhia também entrou no negócio de câmaras frias. Hoje a frota de caminhões da Magnabosco, que ainda mantém sua operação no Sul, conta com mais de 400 caminhões, sendo ,mais de 200 veículos frigoríficos.
Ele estima que só da BRF, um dos principais clientes, são 600 cargas retiradas por mês pela companhia. Por alguns anos ele manteve uma operação de transporte de animais vivos, mas pela complexidade do negócio, decidiu vender os caminhões há alguns meses.
Os demais transportam grãos, rações, produtos manufaturados da M. Dias Branco como bolachas e até cargas líquidas, como sucos e água de coco. Hoje a operação de Rio Verde é a maior da empresa, e representa cerca de 65% do faturamento nacional da Magnabosco.
“Mudei para cá em 2010. Antes eu ia e voltava a cada 60 dias. Hoje é o inverso: meus filhos cuidam da operação do Sul e eu vou para lá eventualmente”, contou.
O empresário vê com bons olhos o futuro da cidade, e vê uma grande diferença da Rio Verde que encontrou há quase 30 anos e agora. “Chegamos aqui nos anos 1990 e eram menos de 100 mil habitantes, hoje são 250 mil e a projeção é bater 500 mil em 10 anos”.
Ele ressalta, no entanto, que esse avanço vai demandar mão-de-obra no município. “Falta mecânico, borracheiro e frentista. Tudo que você pensar não se encontra aqui. Isso acaba aumentando os custos de manutenção e o transporte se torna mais caro”.