A comercialização de CBios (créditos de descarbonização) vem diminuindo ao longo desse ano, tanto em preço quanto em volume. Os números em queda fizeram disparar um alerta entre os especialistas sobre as perspectivas de liquidez desse ativo, que nasceu para ser um precursor do mercado regulado de carbono do Brasil.

O CBio, que chegou a ser negociado a R$ 99,45 em abril, estava cotado a R$ 75 na terça-feira (23), de acordo com dados da consultoria Datagro – um recuo de quase 25% em apenas três meses. Em junho, segundo cálculos do Itaú BBA, o preço estava 21% abaixo da média do ano, tendo atingido em 10 de junho o menor valor desde setembro de 2022.

E os volumes também estão recuando. Mesmo com aumento de 5% das negociações em junho – para 6,1 milhões de créditos – o volume ficou 11% abaixo do negociado no mesmo mês do ano passado – e menor que os 7,9 milhões de janeiro, conforme noticiou o AgFeed no começo do ano.

“Esse cenário é reflexo tanto do pessimismo do mercado quanto da tolerância do governo com as distribuidoras que judicializam e descumprem as metas individuais de CBios”, alertaram os analistas do Itaú BBA em relatório.

Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em 2023, as distribuidoras cumpriram 81% do total das metas fixadas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), cujo prazo final foi março de 2024. Das 145 distribuidoras, apenas 74 cumpriram integralmente o combinado para o ano.

Em 2022, a meta também deixou de ser cumprida e a solução encontrada pelo governo foi flexibilizar os prazos para permitir que as empresas inadimplentes pudessem se ajustar. Mas não foi o que aconteceu.

“Essa revisão de metas vem ocorrendo há alguns anos e a lei prevê punição e multa para quem não cumpre o combinado”, explica Leandro Gilio, pesquisador sênior do Insper Agro Global, para quem essa leniência das autoridades abre espaço para a judicialização, reduz a credibilidade, pois desestimula quem cumpre a regra a continuar investindo nos créditos, e impacta a previsibilidade dos produtores que passaram a contabilizar a receita de CBios em seus planejamentos de safra.

Afeta ainda o investidor que vê o ativo como opção para começar a apostar no mercado de carbono.

Dados preliminares do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), citados pela agência Reuters, apontam que pelo menos 28 empresas contestam na Justiça a obrigatoriedade da compra de CBios.

Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), existem ao menos 12 liminares vigentes na Justiça autorizando empresas a depositar os valores em juízo ao invés de investir nos créditos de descarbonização.

“Foi gerada uma grande insegurança jurídica depois que distribuidoras regionais entraram com liminares na Justiça contra as obrigações de aquisição de CBios”, explica a advogada Maria Amélia Braga, sócia da área de petróleo e gás da TAGD Advogados. “Caso as distribuidoras obtenham decisão favorável, isso acarretará em sérios problemas ao programa [Renovabio]”.

A meta de 2023 era retirar de circulação 37,47 milhões de CBios – número não atingido, pois as distribuidoras recolheram 33,1 milhões de créditos de descarbonização no ano.

Além disso, em 2022 foram registrados 33,2 milhões de títulos. A meta era de 36,7 milhões – diferença que havia sido transferida para 2023, elevando a meta a 40,9 milhões de CBios – também não cumpridos.

Para a advogada Maria João Rolim, sócia do Rolim Goulart Cardoso Advogados, o fato de algumas distribuidoras não estarem cumprindo a meta mostra que há necessidades de reajuste no Renovabio, seja na implementação ou na aplicação.

“Se as metas não forem adequadas e forem descumpridas, elas podem afetar a concorrência no setor e isso não é saudável”, afirma.

Estudo encomendado pela Brasilcom, federação que reúne mais de 40 distribuidoras regionais de combustíveis, e desenvolvido pela PUC-Rio apontou que o programa causou em 2023 um aumento médio de 14 centavos de real por litro no preço do diesel na bomba e de 12 centavos na gasolina, devido ao repasse de custos com compra de CBios pelas distribuidoras.

Chamada de “Impactos econômico e social dos créditos de descarbonização (CBios)”, a pesquisa conclui que o Renovabio causa perda de competitividade das distribuidoras de menor porte – grupo onde estão as empresas inadimplentes.

O vice-presidente-executivo da Brasilcom, Abel Leitão, afirmou ao comentar o estudo que o Renovabio amplia o desequilíbrio entre as distribuidoras de médio e pequeno porte com as grandes do setor (Vibra Energia, Raízen e Ipiranga) e questionou o fato de não haver metas de volumes de produção para os produtores de biocombustíveis, que são a ponta vendedora de CBios para o mercado.

“O RenovaBio é o programa de descarbonização mais amplo do mundo, sendo capaz de reduzir efetivamente as emissões de gases de efeito estufa do setor de transportes”, defende a advogada Maria Amélia Braga.

Na visão dela, existem ainda desafios. Ela cita alguns: ganho de eficiência; aumento da cogeração de energia; maior controle das atividades produtivas devido ao processo de certificação; desenvolvimento de mercados mais abertos, competitivos e dinâmicos, tendo em vista que colaboram com a sustentabilidade econômica, social e ambiental.

Gilio, do Insper, lembra que o Renovabio é um incentivo à descarbonização e para que o Brasil atenda às exigências do Acordo de Paris.

“Em lugar nenhum, o mercado de carbono ainda está 100% desenvolvido e resolvido. No Brasil não é diferente”, diz, ao explicar que o mercado de carbono no Brasil – incluindo o papel do Renovabio nessa construção – tende ainda a passar por ajustes. A torcida é para que eles sejam ágeis.

“O Brasil tem potencial para ser um hub do mercado de carbono global, que é muito recente e com dificuldades de regulamentação”, diz Gilio.