O engenheiro Pedro Fernandes atua há mais de 20 anos no Itaú BBA e, desde 2017, é diretor de Agronegócios do banco, uma área que deu saltos significativos nos últimos anos, acompanhando o crescimento do setor no País.

É experiência suficiente para lidar com o período mais desafiador do agro brasileiro, em que preços mais baixos dos grãos e produtividades menores em algumas regiões fazem o produtor adiar investimentos e reduzir a demanda por crédito.

Mas não é tão simples assim. Os grandes bancos financiadores do agronegócio no País, nesta safra, foram obrigados também a enfrentar um aumento significativo no número de recuperações judiciais entre produtores rurais, o que terá reflexos no financiamento do setor.

Nesta entrevista ao AgFeed, o diretor do Itaú BBA, revela uma outra face do problema. “Nessas recuperações judiciais, na maior parte dos casos que nós observamos, há importantes indícios de fraude”, afirma Pedro Fernandes.

O executivo alerta para RJs desnecessárias que, no caso de bancos como o Itaú BBA, podem ser resolvidas com a execução das garantias, mas que trazem uma série de consequências negativas para a cadeia como um todo.

“São centenas de milhares de devedores pagando por algumas centenas de malandros”, disse ele, ao descrever um ambiente “mais inóspito de crédito ao produtor”.

Segundo Fernandes, atualmente a carteira agro do Itaú BBA está em R$ 95 bilhões e deve fechar o ano em R$ 103 bilhões. Será mais uma vez um avanço em relação ao ano anterior. Em 2023 estava em R$ 87 bilhões.

“Estamos mantendo o ritmo de crescimento, mas com uma mudança de perfil”, ressaltou. A expectativa é de uma redução de 30% no “número de clientes novos”. Ou seja, o banco estará bem mais seletivo na hora de escolher o produtor que vai receber o crédito.

Na entrevista a seguir, Fernandes falou também das inovações recentes como um FIDC para financiar manutenção de máquinas agrícolas usadas e da meta de chegar a R$ 1 bilhão em crédito “com selo verde”.

Outro destaque é a expectativa de que possa “acelerar” o número de fusões e aquisições no agronegócio, em função da representatividade global do Brasil neste segmento.

Confira os principais trechos da conversa de Pedro Fernandes com o AgFeed.

O AgFeed mostrou recentemente o lançamento do FIDC da Maqnelson, uma das maiores concessionárias da John Deere, em parceria com o Itaú BBA. Por que optaram pela criação deste fundo?
Linha para financiar trator todo mundo tem. Mas tem linha para financiar serviço, para financiar a peça, ou coisas pequenas em que não faz sentido você fazer um financiamento de BNDES? Não tem. Decidimos resolver essa dor. As máquinas, ao longo dos anos, foram ficando cada vez maiores. O preço de máquina mudou muito durante a pandemia. Nos bons anos de preço da soja, especialmente, todo mundo renovou muito a sua frota de máquinas. Qual a necessidade de caixa que existe 2, 3 anos depois dessa renovação? É de refazer o motor, é de fazer uma revisão completa. Nos preocupamos em resolver as dores que não estão tão bem endereçadas. Teve esse FIDC que fizemos para os clientes e com suporte da Maqnelson e também uma parceria com a Maqcampo, para financiar a máquina em troca de grãos, que é uma prática muito comum aqui quando se fala das necessidades de custeio, mas não para investimento em maquinário. Essa nós lançamos no ano passado.

Mas o setor de máquinas vive um momento difícil, de queda nas vendas. Realmente está precisando de mais financiamento?
O momento de preço de grãos, em especial, e, também contribuindo para esse cenário, a heterogeneidade de produtividade que tivemos são fatores que têm tornado o agricultor menos propenso a investimentos. Quando se olha a produção Brasil, a quebra não foi grande, mas quando se vê regionalmente ou no nível do indivíduo, do empresário, pode ter sido grande. Nós já vimos a soja R $200 (por saca), a R $150, estamos vendo a R $100. Tem muita incerteza se esse preço vai reagir para a próxima safra. E, nesse cenário de menor disponibilidade de recurso, a atitude de minimização de risco do agricultor é fazer o básico bem feito.

O produtor deve investir menos em todas as áreas?
Ele opta por fazer um pacote de fertilização bom, mas sem excesso. Prefere confiar nos produtos que já consumia, na tecnologia que já assumia e vai postergando os planos de investimento. Acho que esse momento do produtor é o principal causador dessa redução na venda de máquinas. Não é juros, não é o financiamento, a razão disso. É essa propensão, é esse comprometimento de sacas futuras, ou de fluxo de caixa futuro que o agricultor, corretamente, acha que não é o melhor momento para fazer. É hora de dar uma boa manutenção na máquina que ele comprou 3 anos atrás.

O nível tecnológico das lavouras vai diminuir?
Na nossa leitura, esse é o grande motivo, tanto da queda do mercado de máquinas, mas também um menor nível de adoção de novas tecnologias. Por mais que essas novas tecnologias, ao longo do tempo, representem economia, no instante zero, eventualmente, elas representam gastos. O produtor tende a jogar de maneira segura. Usando uma imagem futebolística aqui, o ano de preço baixo é o jogo fora de casa. Aqui é onde um empate parece um bom resultado. Quando o cenário está melhor, é o momento em que o produtor tira da gaveta os projetos de expansão e de novas tecnologias.

Algum setor está diferente?
Talvez a única exceção que estamos vendo a essa regra é no tema de armazenagem. Se na adoção de novas tecnologias, incluindo biológicos e automação no campo, tem um cenário mais desafiador, o gap de armazenagem é tão grande que acho que, dentro das prioridades dos produtores, temos visto que este investimento tem se mantido.

Há linhas específicas para isso?
A nossa filosofia é que a melhor pessoa para decidir aonde aloca sua dívida é o agricultor. Disponibilizamos linhas de longo prazo e cabe ao agricultor definir se isso vai ser utilizado simplesmente para reperfilar as obrigações financeiras, se vai ser usado para comprar alguma área ou se vai ser utilizado para a construção da armazenagem. Não procuramos delimitar as nossas linhas. Mas, obviamente, conversamos muito com a indústria de armazenagem e a gente vê um humor diferente do que quando conversamos com os outros fabricantes de maquinário.

Você vê sinais de retomada no agro?
Tivemos até março um pessimismo grande. Sentimos uma queda na demanda por tomada de recursos, quando se fala do negócio de produção agrícola. E agora o ritmo de negócios começa a retomar. Acho que a produtividade da soja não foi tão ruim quanto se anunciava. O desenvolvimento da safra de milho vai bem, de maneira geral. E, com isso, os custos para a próxima safra têm sido feitos. Até pela desestruturação de alguns grupos, especialmente aqueles novos entrantes que chegaram na época de bonança, eles acabaram saindo, o que é uma oportunidade de expansão para os grupos tradicionais. Temos visto as compras de terra voltando a acontecer, mas a compra de insumos ainda está num ritmo historicamente mais lento do que em outros anos. Nessa época, já se via o pacote tecnológico ser contratado. No ano passado essa compra foi muito retardada. Este ano, para 2024/2025, temos essa mesma leitura de que a compra de insumos será lenta.

Mais lenta do que na safra passada?
Será similar ao ano passado do ponto de vista de ser lenta, o que foge da média. O produtor já aceitou o que são os preços das commodities depois de um primeiro trimestre negacionista. Acho que esse preço está aceito e a relação de troca está boa para a próxima safra. Ele voltou a fazer negócio. Dado que o preço de insumos agrícolas está numa descendente, assim como esteve na safra passada, cada semana que o produtor espera o negócio fica melhor. Por isso, a nossa leitura de cenário de que essa compra do pacote tecnológico tende a se estender até o início do plantio.

Dos R$ 95 bilhões de carteira agro no Itaú BBA, que fatia está relacionada ao mercado de grãos?
Cerca de R$ 40 bilhões são da produção agrícola primária, sem industrialização. Deste total, mais de 80% está ligado a soja e milho.

E qual foi o efeito para o banco desta onda de recuperações judiciais no setor de grãos?
Dentro dos nossos modelos de crédito, enfrentar cenários de preço mais desafiadores e quebra de safra, para tudo isso os modelos já são ajustados. E isso não afeta nem o nosso apetite, nem a nossa precificação. É natural, temos que ver ao longo do ciclo, as variabilidades. O que os nossos modelos não refletem é um cenário endêmico de RJs. Nessas recuperações judiciais, na maior parte dos casos que nós observamos, há importantes indícios de fraude.

Que tipo de indício?
Requisitos mínimos, como apresentação de livro caixa digital, que têm sido ignorados. Temos planos aprovados em cima de planilhas de Excel, sem nenhuma consistência de dados. Temos visto cada vez mais RJs que têm sido negadas pela justiça, pelo nível de precariedade de documentação que é apresentado e pelo nível de falsificação de documento.

Como assim?
Tivemos um caso onde, curiosamente, 51% dos créditos que o quorum necessário para aprovar o plano estavam no nome de três pessoas físicas, que não têm nenhuma atividade empresarial conhecida. Teoricamente, esse produtor devia mais de R$ 250 milhões para três pessoas físicas absolutamente desconhecidas, que não são de nenhuma empresa na junta comercial, não são produtores rurais, não têm mídias sociais. É para isso que os modelos não estão preparados. É para fraude.

Como lidar com essa questão?
Nós consideramos que qualquer atividade deve ter garantido o direito ao recurso de Recuperação Judicial, quando o ritmo das cobranças e da geração de caixa está descasado. Então, vamos parar e organizar, assim como o resto do mundo. Vamos organizar quem tem patrimônio suficiente para pagar os passivos e o acionista vai sair de lá com o patrimônio. Mas, se for feito de forma desorganizada, vai destruir o valor para todo mundo. Esse é o grande princípio. O que tem acontecido nas recuperações judiciais é que os financiadores, sejam eles bancos, sejam revendas, tradings ou químicas, têm o valor dos seus ativos reduzidos em 80% e o empresário saindo com muito mais riqueza do que entrou. Não foi para isso que a recuperação judicial foi criada, mas é para isso que está sendo utilizada.

É a pior onda de RJs já vista no agro?
Tivemos a onda inicial de pedidos de grandes produtores, que tinham um baixo nível de governança. O que nos preocupa agora é que o número aumentou demais. Hoje em dia, a gente tem recuperação judicial onde o passivo total é de R$ 10 milhões ou R$ 15 milhões.

"Há uma série de repercussões (das RJs) que tornam o ambiente de crédito, hoje em dia, muito mais inóspito para o produtor rural"

Quando nós conversamos com os devedores,ou com quem entrou em recuperação judicial, a gente vê um baixo nível de entendimento do que está sendo feito. O Itaú BBA tem uma base de capital e paciência para enfrentar um ciclo de uma execução de garantias. E, notadamente, nós operamos com garantias que não estão sujeitas à recuperação judicial. Então, a gente consegue enfrentar esse ciclo entre o momento do default e a execução da nossa garantia. Não é um problema. Poderia estar gerando retorno com esse dinheiro ao longo desse período de execução, mas temos capital e paciência. Não necessariamente todos os entes dentro da cadeia de financiamento do agronegócio têm essa base de capital.

Qual a consequência?
Uma recuperação judicial fraudulenta, eventualmente, pode levar uma boa revenda a sair do negócio ou a caminhar para uma situação de fragilidade econômica. Pode prejudicar a performance financeira eventualmente de um Fiagro que tem cotas marcadas diariamente. Há uma série de repercussões que tornam o ambiente de crédito, hoje em dia, muito mais inóspito para o produtor rural. São centenas de milhares de devedores pagando por algumas centenas de malandros.

Os reflexos no crédito já estão ocorrendo?
Já estão acontecendo. Estávamos vendo, gradativamente, o risco dos produtores rurais caminharem corretamente do balanço das revendas e das químicas para os financiadores. Agora, a gente vê uma reversão dessa tendência. Se antes era muito mais fácil o produtor rural acessar os recursos financeiros diversos, hoje em dia ele depende de um aval de uma revenda, depende do crédito de uma (indústria) química, depende de um barter. Toda evolução que vem sendo construída de instrumentos financeiros, de criação de Fiagros, de fintech, a gente volta no tempo, por causa da recuperação judicial.

Tem um lado positivo aqui. Talvez até um ano atrás, a preocupação com a recuperação judicial era um tema muito circunscrito à Faria Lima. Eu acho que o setor, de maneira geral, mostrou uma capacidade de união para enfrentar esse tema muito forte. As associações de classe, os bons produtores, a indústria como um todo e o governo também, onde o Ministério da Agricultura se mostrou muito sensível a esse tema, inclusive o ministro (Carlos) Fávaro foi ao CNJ. Isso mostra que, ainda bem, não achamos normal esta situação.

O alerta é que este não seria o melhor caminho...
Na maior parte dos casos de RJ, algum problema financeiro há. E na maior parte dos casos, existiam outras soluções que não era a recuperação judicial. A RJ, de alguma maneira, passa uma borracha neste problema, mas ela não muda as causas dele. Começamos a ver que os grupos que entraram na recuperação judicial há muitos anos voltam a apresentar os mesmos problemas, só que agora sem acesso a crédito. Eles decrescem ao longo do tempo. Em empresas, onde é muito mais fácil a gente obter dado, já se consegue observar isso. As empresas, na maioria, nunca conseguem atingir o faturamento que tiveram no ano anterior à RJ. Elas não têm sido capazes de se colocar em pé para se recuperarem. E não é a realidade que advogados de RJ vendem.

Neste cenário, o ritmo de crescimento na carteira deve desacelerar?
Vamos manter o nosso ritmo de crescimento em termos de carteira. Fomos de R$ 75 bilhões para R$ 87 bilhões, do início para o fim de 2023. Esse ano vamos para R$ 103 bilhões. Continuamos crescendo, o ritmo não muda, mas muda um pouco o perfil. Estamos mais seletivos em crédito. O número de novos clientes será 30% inferior aos novos clientes no ano passado.

Enquanto o cenário vai se ajustando, quais são as novas apostas do banco? Crédito verde deve ser uma delas...
Acho que conseguimos encaixar aqui um pouco, com a nossa ambição como banco, o nosso compromisso de fazer parte do Net Zero Bank Alliance, onde a gente até 2050 não financiará emissão de carbono. Conseguimos casar muito do que é esse nosso objetivo institucional com as nossas linhas verdes. As linhas vão na direção do correto, mas como é que a gente consegue fazer a conta de que estamos diminuindo a intensidade de carbono dos nossos clientes? Conseguimos encaixar isso, permitindo que nós nos coloquemos como banco da transição climática.

Essencialmente, toda a nossa carteira de produtores rurais, podemos classificá-la como uma operação de impacto positivo, porque ele atende um dos ODS da ONU, que é o fim da fome. Quando a gente fala que tem o selo verde, é um nível de exigência muito mais alto. Por isso que a gente tem R$ 40 bilhões da porteira para dentro e falamos em R$ 1bilhão dentro de operações verdes. É realmente reconhecer práticas que diferem do que são as práticas usuais e é para onde queremos levar os nossos clientes. Estamos muito felizes com essa forma que encontramos de encaixar o que é o nosso objetivo institucional com o que a gente está oferecendo para o cliente. Acho que é muito mais que o bilhão, é isso que me deixa super feliz nessa agenda.

Algum produto novo nesta linha?
Continuamos trabalhando em um ritmo bastante acelerado na nossa parceria com a Syngenta, no Reverte. Até o fim do passado atingimos R$ 1 bilhão desembolsados, com 165 mil hectares transformados de áreas degradadas em áreas de lavoura e esse ano o programa está indo muito bem. Este ano vamos fazer muito mais do que no ano passado. E é um valor adicional àquele R$ 1 bilhão das linhas de prateleira. E acabamos de fazer a primeira operação do Reverte fora do Cerrado, transformando pastagem degradada em área de cana. Até agora, tinha um objetivo claro de fazer no Cerrado. Fez muito sentido ter começado por lá, é onde tem pressão de desmatamento, mas tivemos essa oportunidade na área de cana.

Há quem diga que a conversão de pastagens não depende de oferta de financiamento e sim da viabilidade econômica para que o produtor siga interessado em produzir mais grãos. O que acha desta visão?
Existe uma lógica de conversão de área de pastagem em lavoura, que naturalmente acontece. Todos os estímulos que nós estamos fazendo é para acelerar e tornar essa alternativa economicamente muito mais interessante do que desmatar. Acho que conseguimos, dentro do Reverte, montar essa lógica de ter financiamento adequado, ter suporte agronômico na ponta, o que é um desafio, dado que você está pegando uma área degradada. Então, o nível de correção tem que ser muito alto, tem um gasto elevado. Às vezes para fazer isso em escala, o produtor precisa de um suporte. E isso é algo que a Syngenta faz muito bem. Muitas vezes olhamos só o aspecto financeiro, mas tem o suporte ao agricultor, para ter não apenas um protocolo socioambiental, que para o Cerrado é feito pela TNC, mas esse acompanhamento do dia a dia. Não é só dinheiro.

O que mais precisa estar na mesa?
É dinheiro, estrutura de acompanhamento e um plano bem estruturado. É isso que precisa para ganhar ritmo. E efetivamente, essa transformação está acontecendo. Acho que o plano do governo é ambicioso, está na direção correta. Mas como muitas dinâmicas de política pública, tem um prazo de maturação para os recursos encontrarem o caminho e realmente a gente enxergar o mesmo sucesso que teve no ABC, no ABC +, nesse programa de conversão de área. A área de soja cresce ano a ano. É uma realidade, apesar do preço. A conversão só não é maior no programa por falta de demanda estruturada.

Alguma das linhas verdes é mais promissora?
Bioinsumos é uma linha em que estamos vendo o mercado crescer 30%, 40% ao ano. Cada vez mais produtores têm chegado nos níveis de aplicação para se tornarem elegíveis à linha de bioinsumos. Também a linha de cobertura (de solo), que é uma prática que tem ganho cada vez mais adeptos. Mas bioinsumos é um tema muito relevante, não só pelo crescimento de mercado. O regulatório é muito mais simples, a capacidade entre a inovação ser criada e ela estar no campo, é um prazo é muito mais curto. A capacidade que existe de incorporação de tecnologia é muito interessante, para o agricultor e para o investidor.

Temos ouvido sobre mais movimentações para fusões e aquisições no agro. Vocês estão vendo isso?
Montamos aqui no início do ano passado uma célula exclusivamente para atender a parte de fusões e aquisições de agro. E temos visto essa tendência do aumento do número de transações. É natural pelo porte que as empresas atingiram e também do momento de governança. O cenário que tínhamos alguns anos atrás era de empresas que muitas vezes tinham tamanho, tinham rentabilidade, mas que não tinham balanço auditado, não tinham uma gestão com papéis e responsabilidades bem montados. O agro cresceu, essas empresas cresceram muito e elas evoluíram em termos de governança e gestão. Então, com isso é natural que o número de fusões e aquisições tenha aumentado e continue a aumentar ao longo do tempo.

Nós anunciamos importantes transações. Desde os biológicos, como a Biotrop, dentro de um ciclo natural de um investidor financeiro, de comprar uma companhia, crescer e vender. Anunciamos recentemente a entrada da Amaggi no capital da Milhão. É uma empresa nacional de especialidade que construiu uma história fantástica e precisava de capital para continuar a construir essa história, onde a Amaggi entrou com 50% do capital. Elas mostram que, desde um desenho que nasceu para ser vendido, como é o caso de um fundo de private equity, quanto empresa de empreendedores que precisam de capital para ir para um novo ritmo de crescimento, em ambos os caminhos, nós trabalhamos para essas companhias, nesses mandatos. E a gente vê uma série de transações que devem acontecer esse ano.

Pode acelerar nos próximos meses?
Acho que acelera. Em termos globais, o Brasil é relevante para agro. Nas outras indústrias, o Brasil é pequeno. Se alguém quer estar exposto ao mercado de agro, precisa ter uma operação grande de Brasil. Em muitas das empresas já bem estabelecidas, o Brasil é algo entre 15% e 30% do faturamento global dessas companhias. Fora do agro, é muito difícil a gente achar alguma empresa global em que o Brasil represente entre 15% e 30% do faturamento.

Acho natural que empresas do agro que tenham uma exposição menor ao Brasil sejam obrigadas a comprar uma operação no País. Porque o Brasil é um grande produtor de alimentos, de mesmo porte de Estados Unidos e Europa como um todo. É onde tem crescimento e onde tem adoção de tecnologia. O produtor, tanto o europeu como o americano, é muito mais resistente à incorporação de tecnologia. Existe uma necessidade de os players globais de estarem expostos ao Brasil cada vez mais e das empresas nacionais também de encontrarem capital. Porque o agro no Brasil é muito grande. E aí, crescer simplesmente com as próprias pernas pode ser uma jornada longa demais.

"Nos fundos, agora realmente vai ficar claro quem tem a capacidade de gerar valor"

Esses são os motivos que tornam natural que o M&A em agro no Brasil seja algo relevante. Eventualmente, uma companhia de consumo global pode não olhar para ativos no Brasil. Acho que não existe uma empresa global de agro não olhar para ativos no Brasil. Eu acho que essa é a grande diferença.

E quanto ao mercado de Fiagros, CRAs, o universo agro do mercado de capitais. Como fica em meio ao período mais desafiador?
Eu estava revisitando as minhas entrevistas de quando surgiram os Fiagros. Eu falava de um paralelo com a indústria de FIIs, dos fundos imobiliários, onde a gente teve uma primeira explosão em termos de fundos, de novos gestores e, numa primeira crise, houve uma seletividade grande. E depois a indústria caminhou muito bem. Eu acho que no Fiagro está acontecendo exatamente isso. Muitas gestoras surgiram, muitos fundos surgiram. Eventualmente, alguns gestores com menos experiência no agro ou com apetite de risco não ajustado à remuneração. E passamos agora pela primeira crise. É natural que essa seletividade ocorra.

O cenário, depois disso, é positivo?
Se um ano atrás eu era o único pessimista, talvez hoje eu seja o único otimista. Nos fundos, agora realmente vai ficar claro quem tem a capacidade de gerar valor. E, naturalmente, os fundos que saírem bem dessa crise vão crescer, vão captar e vão tornar essa indústria maior. Eu acho que é justamente esse período de acomodação que precisava acontecer. Ainda bem que aconteceu no momento que essa indústria é pequena. É pequena para o agronegócio e é pequena também para o investidor. Então, essencialmente, não machuca muito nem a financiabilidade do agro, nem a carteira dos investidores. Eu acho que a gente tem um vale. E depois, ao longo do tempo, os Fiagros alguma hora voltarão à moda.