Os efeitos da quebra de safra causada pela seca histórica na região Centro-Oeste ainda serão sentidos por muito mais tempo do que se imaginava.
Nem mesmo uma produção de milho safrinha com custos mais controlados e rentabilidade positiva será suficiente para compensar as perdas com o cultivo da soja. O alerta foi feito pela Abramilho, Associação Brasileira dos Produtores de Milho, que concedeu uma entrevista coletiva nesta terça-feira, para mostrar em detalhes os números da atual temporada.
Em entrevista dada ao AgFeed em fevereiro, no final da colheita da soja, Sadi Beledelli, presidente do sindicato rural de Sorriso (MT), cidade conhecida por ser a maior produtora de soja do mundo, deu o prognóstico: estamos vivendo a safra mais difícil dos últimos 40 anos na região.
Além da quebra estimada em 20% na cidade, ele citou, na época, que em alguns talhões de sua propriedade, a produtividade ficaria em 40 sacas de soja por hectare. Outros produtores locais, mais afetados pelo El Niño, colheram menos de 30 sacas, segundo ele.
A expectativa dele era que a safra de milho viesse boa, e com um bom clima, o que poderia até “compensar perdas com a soja”. O retrato que se vê hoje, contudo, não é dos melhores.
Ao lado de pesquisadores reconhecidos do agro, como Mauro Osaki, do Cepea, ligado a Esalq/USP, a Abramilho alertou que a safrinha de milho deve sim vir com uma boa rentabilidade, mas as perdas vistas na colheita de soja deixarão marcas não só para a segunda safra, como também para a próxima temporada.
Na avaliação de Mauro Osaki, o sistema soja + milho trará o maior prejuízo dos últimos 25 anos para os produtores.
O pesquisador calculou que uma produtividade em cerca de 50 sacas por hectare ainda é insuficiente para fechar as contas da soja, que encontram um preço num patamar de R$ 100 por saca em algumas regiões.
Numa produção de 30 sacas por hectare, como foi retratado por Sadi Beledelli, nem mesmo um preço de R$ 150 por saca compensaria os custos produtivos.
Fabrício Rosa, diretor executivo da Aprosoja Brasil, que também participou da entrevista, comentou que o alto custo de produção, que não acompanhou a queda do preço das commodities, trouxe uma redução nas margens dos produtores. A saída para essa equação desbalanceada está num investimento menor por parte dos agricultores para as próximas temporadas.
“O único jeito de se ajustar essa relação é se o custo de produção cair. Não vejo que a produção da safra vai cair nos próximos anos”, afirmou Rosa.
Osaki, do Cepea, acredita que a safra 2024/2025 de soja também será desafiadora. Mesmo sem quebra de produção por conta do clima, o preço ainda mais baixo dos grãos no mercado somado a um custo ainda elevado pode trazer desafios a quem produz.
Além do problema momentâneo, esses produtores terão que “carregar” as dívidas e margens negativas obtidas na safra 2023/2024.
Ele cita que em Sorriso, a receita bruta média dos produtores nos últimos 10 anos foi acima do custo de produção, algo que não se viu nesta temporada.
Na safra 2022/2023, essa receita, apesar de ser maior que o custo de produção, já não serviu para bancar o custo da terra, por exemplo, à medida que o preço dos grãos começou a trajetória de queda durante aquela temporada.
Para a próxima safra, considerando a produtividade média dos últimos anos, o preço atual do bushel de soja em Chicago, o prêmio de exportação praticado neste momento e a cotação atual do dólar, o produtor precisaria de 55 sacas de soja para pagar esse custo operacional, sem contar as dívidas tomadas agora.
“Se esse produtor não tivesse investimentos e dívidas, não teria problema. Mas com a expectativa de preço e o custo da cesta de insumos, não há sinais de que o produtor vai compensar o efeito negativo da safra 2023/24”, afirmou o pesquisador.
A safrinha de milho e os efeitos da próxima temporada
No milho, a safrinha atual deve trazer uma receita acima do custo operacional e produtivo, mas não acima do custo total do produtor, que envolve o custo da terra, depreciação de bens, além das dívidas e dos investimentos já feitos.
“Tudo ainda vai depender do clima. O mês de abril vai decidir se colheremos uma safra com produtividade maior ou próxima da média histórica. A questão é que a safra 2023/24 da soja teve uma dispersão de planejamentos e replantios, que causou uma miscelânia de cenários”, afirmou Osaki, do Cepea.
Nos cálculos do Imea, o estado do Mato Grosso deve encerrar a safrinha atual de milho com uma produção próxima de 43 milhões de toneladas para o grão. A safra passada trouxe uma produção total de 52 milhões de toneladas de milho. A redução se deve principalmente ao recuo na área plantada.
No Brasil, o levantamento de março da Conab, indicou que a produção de milho segunda safra deve cair 15% em relação a 22/23, com menor produtividade e redução na área plantada nos principais estados produtores.
Em Mato Grosso, estima-se que a produtividade média, que foi de 116 sacas de milho por hectare na safra 2022/23, caia para 103 sacas na temporada atual.
O superintendente do Imea Cleiton Gauer acredita que este cenário deve colaborar para um recuo no plantio de soja no ano que vem, com produtores deixando de utilizar terras mais arenosas que foram cultivadas nos últimos anos.
Gauer ressaltou que a primeira projeção oficial para a safra 2024/25 deve ser divulgada pela instituição em maio, mas pelo “sentimento” dele em relação ao levantamento que está sendo feito, o produtor deixará de investir.
“Imagino que deva ter um recuo nessas arenosas. O produtor que plantou numa área dessa, colheu pouco ou nem colheu, não o vejo plantando de novo nessa área. Acho que terá recuo de área”, afirmou Otávio Canesin, presidente da Abramilho.
A safrinha de milho na temporada atual pelo menos começou com um bom clima. Segundo Otávio Canesin, presidente da Abramilho, o mês de março foi chuvoso no Centro-Oeste, e este início de abril segue no mesmo ritmo.
Cleiton Gauer concorda que a perspectiva para o mês é interessante. “Não será como foi no ano passado, em que o clima parecia um relógio. Tivemos, na safra passada, uma expansão de área, e esse ano vimos redução com os produtores preocupados com margens e janela. Calculamos uma redução de meio milhão de hectares no estado”, afirmou.
Atualmente, as lavouras de milho segunda safra estão com os grãos no período de pendoamento, o que torna as chuvas vitais no período.