O programa de agricultura regenerativa da ADM (Archer Daniels Midland), uma das gigantes do agronegócio mundial, já virou realidade em 20 mil hectares de propriedades rurais em Mato Grosso do Sul e Minas Gerias, mas ainda com muitos passos pendentes para 2024.
O AgFeed visitou uma das propriedades rurais que integram o chamado “ADM Regeneração”, nome escolhido para a versão brasileira de uma iniciativa que a empresa americana está fazendo globalmente, para incentivar práticas sustentáveis, alinhadas com o conceito de agricultura regenerativa. No Brasil o projeto foi lançado em novembro do ano passado.
Na visita, chamada de Dia ADM no Campo – o primeiro realizado globalmente pela empresa – dois executivos da ADM, o proprietário da fazenda e um acadêmico especialista no tema tinham a missão de mostrar as razões, a importância e os benefícios da agricultura regenerativa para toda a cadeia de grãos.
“Nós aprendemos que dava para fazer o certo com os mesmos recursos”, afirmou Júlio César Pereira Júnior, produtor rural e dono da Fazenda Pombo, em Uberlândia, Minas Gerais, ao detalhar como foi a jornada de mudança em sua propriedade.
Entre áreas próprias e arrendadas, ele cultiva 5,5 mil hectares na região, principalmente soja e milho. Deste total, cerca de 2 mil hectares estão sendo monitorados pelo projeto da ADM, que inclui ações como mensuração de carbono e suporte técnico para aperfeiçoar práticas sustentáveis na produção.
Há mais de 30 anos já adota o plantio direto, por exemplo. E nessa safra de temperaturas recordes no mês de dezembro, em que muitos perderam tudo com a falta de umidade, o produtor diz que “áreas com mais matéria-orgânica sofreram muito menos” e foi possível manter a produtividade acima de 73 sacas por hectare.
Com agricultura de precisão e consultorias específicas para gestão e irrigação, o produtor tem garantido a preservação dos recursos hídricos e da saúde no solo, alguns dos fatores fundamentais no conceito de agricultura regenerativa, conforme explicou durante o evento, o professor Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, da Esalq/USP.
Júlio César se emociona ao lembrar o legado do pai (a fazenda é de 1876) e afirmar que vem adotando práticas de agricultura regenerativa muito antes de conhecer o programa da multinacional.
“O produtor com este tipo de informação ele não ganha só dinheiro, isso não é o mais importante, ele ganha longevidade, a propriedade está pronta para daqui 20 anos, para os meus filhos e netos. Se eu fizer algo que não seja bom para o meio ambiente, não tratar bem o solo, eu estou fazendo mal para gente mesmo”, afirmou o agricultor, que também é engenheiro agrônomo.
“Prêmio” a caminho
Nem todos os produtores rurais pensam como o mineiro Júlio Cesar. Alguns fazem questão de ter um diferencial na venda da soja, caso a implementação de novas práticas na lavoura possa trazer custos mais elevados, em alguns casos.
Por isso, desde que foi criado o programa, a ADM trabalha na busca de um ou mais parceiros entre seus clientes que ajudem a viabilizar um prêmio, ou seja, um valor adicional no preço que é pago pela saca de soja, quando a trading adquire o grão do produtor alinhado ao projeto.
“Eu sou otimista, minha expectativa é viabilizar (o prêmio) para a safra 2024/2025, mas as negociações não são simples, tem uma complexidade técnica, os clientes querem entender os critérios de forma muito detalhada, por isso quando convidamos o produtor a participar do programa, não estamos prometendo que haverá remuneração,”, afirmou ao AgFeed o gerente de Negócios de Carbono e Agricultura Regenerativa da ADM na América Latina, André Germanos.
Atualmente, são 18 agricultores que totalizam os 20 mil hectares. Porém a meta, divulgada no ano passado quando foi lançada a iniciativa, é chegar a 200 mil hectares no prazo de 3 anos.
Germanos disse que espera “pelo menos dobrar” a área de abrangência na safra 2024/2025.“Não é linear, já seria um bom target, é mais uma progressão geométrica do que aritmética porque preciso desenvolver a outra ponta dessa equação que é a ponta da indústria de alimentos”, disse o executivo.
Uma das empresas que pode ser aliada é a PepsiCo, que já vem investindo em agricultura regenerativa e possui uma parceria global com a ADM. Germanos diz que tem conversado também com outros clientes e que a maioria está buscando detalhes sobre as métricas, até decidir sobre um possível acordo.
“Já temos essa experiência nos EUA e Europa. Quando começar aqui acredito que haverá um aumento grande no interesse e na demanda por estes produtos”, afirmou, sinalizando que, consequentemente, mais agricultores também poderão participar da iniciativa.
Para Raphael Costa, diretor de originação, “economicamente estas práticas se pagam”. Ele diz que não tem visto resistência dos produtores em aderir ao programa porque entendem que “até podem investir um pouco mais, mas o retorno que acabará vindo em rentabilidade e produtividade, ele se paga”.
O papel dos biológicos na estratégia da ADM
Enquanto a parceria com a indústria de alimentos não se viabiliza, a ADM conta com mais uma ferramenta para “bonificar” produtores, que é a possibilidade de descontos ou condições diferenciadas a quem participa do programa, na hora de adquirir determinados insumos, por exemplo.
Durante o evento em Uberlândia, o diretor de originação e insumos da ADM no Brasil, Raphael Costa contou que empresa se prepara para ingressar nos mercados de sementes e de biológicos.
Além de estar entre as três maiores empresas em originação de milho e soja, a ADM também é um dos mais importantes distribuidores de fertilizantes do Brasil. O objetivo agora é seguir avançando em defensivos e sementes (setor que a companhia ainda não atua, mas já busca parcerias para fazer as primeiras vendas no ano que vem).
No caso dos biológicos, também está sendo negociada uma parceria mais ampla, que deve ser definida nos próximos meses.
Perguntado se a ADM já venderia biológicos na safra 2024/2025, Raphael Costa respondeu: “já teremos numa condição de piloto, em volumes menores, sim, só sementes que ainda não. O biológico é uma ferramenta que vem auxiliar o produtor para reduzir a aplicação de químicos convencionais e os dois vão coexistir”.
Quando for definido o acordo comercial com a empresa de biológicos, André Germanos acredita que a tendência é também oferecer descontos aos produtores que participam do ADM Regeneração. “O uso de biológicos é um dos pilares do programa, vai ser importante estimular a utilização destes produtos”, disse.
O executivo revelou que nas cotações feitas pelos produtores na hora de encomendar os insumos, a empresa já vem enviando, adicionalmente, uma espécie de recomendação agronômica alternativa, que propõe a substituição de parte dos químicos por biológicos naquele manejo.
Atualmente o programa da ADM já conta com parceiros como o Itaú BBA, a Fendt, de máquinas agrícolas e a Mosaic, de fertilizantes. “São oferecidos preços melhores ou prazos mais adequados ao produtor que participa do programa”, explicou Germanos.
Segundo Raphael Costa, a ADM é a maior distribuidora da Mosaic do mundo, é que 70% do que a trading distribui no Brasil é da Mosaic, embora conte com outros parceiros em fertilizantes. Um dos diferenciais, neste cenário, é oferecer preços mais baixos que viabilizem uma melhor relação de troca nas operações de barter. “Estamos fazendo a mesma estruturação com os parceiros de defensivos”.
Balanço de carbono
Raphael Costa explicou que a área de originação e insumos trabalha em conjunto com o programa de agricultura regenerativa porque é preciso dar maior previsibilidade à produção de grãos.
Ele lembrou que na propriedade de Uberlândia, por exemplo, ficou comprovado que, apesar da seca prolongada e calor excessivo que afetou a região, as boas produtividades foram mantidas graças ao manejo de práticas mais sustentáveis que vinham sendo adotadas pelo produtor.
“Nos dá mais previsibilidade, garantindo os volumes que precisamos comercializar e fornecer aos consumidores. Além disso, estamos nos antecipando a exigência de mercados que vai demandar muito em breve o cálculo da pegada de carbono, com restrições pra quem não tiver essa rastreabilidade e um balanço de carbono a determinado nível”, afirmou o diretor.
Nesta primeira safra, o programa da ADM está apenas medindo a pegada de carbono na produção de soja. Os números devem ser divulgados somente na metade do ano, segundo André Germanos, porque é necessário finalizar a colheita em todas as áreas.
“Para capturar todas as emissões conta a última vez que passou a colheitadeira até entregar a soja, o processo termina no ultimo talhão”, explicou.
Para mensurar o carbono, está sendo utilizada a metodologia (calculadora) desenvolvida pela Embrapa em parceria com a Bayer.
Já o balanço de carbono só será divulgado no fim do ano quando forem feitas as análises de solo, um pouco antes do início do plantio da próxima safra.
A ADM espera que também na safra 24/25 seja possível ampliar o programa de agricultura regenerativa para as lavouras de milho, assim que a calculadora já estiver disponível para a cultura.
Sobre a possibilidade de gerar e comercializar créditos de carbono, André Germanos explicou que não é essa a proposta.
“Estamos fazendo o insetting, ou seja, vamos vender os produtos que saem das fazendas com o benefício de carbono embutido nele. A soja que sai dali com 2600kg de CO2 por tonelada, vamos mensurar e adotar práticas, para que essa soja vai saia com 1000 kg a menos, por exemplo”, explicou.
Como os clientes finais da ADM demonstrar esta redução nas emissões ao longo da cadeia, viram aliados nesta proposta. “Toda a cadeia consegue reduzir a sua pegada, e demonstra isso, de maneira segura e cientifica, isso tem um valor de verdade”.